CÂMARA DE LISBOA IDENTIFICOU 52 CASOS DE ENVIO DE DADOS PESSOAIS DE ATIVISTAS DESDE 2018

Foram «enviados dados pessoais» a embaixadas no âmbito de 52 manifestações desde maio de 2018, revelou hoje Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, durante a apresentação dos resultados da auditoria feita ao envio de dados pessoais de ativistas russos à embaixada da Rússia, anunciando também a demissão do responsável pela proteção de dados.

O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, revelou, esta sexta-feira, que a Câmara Municipal de Lisboa enviou dados pessoais de manifestantes a embaixadas em 52 protestos desde que entrou em vigor o Regime Geral de Proteção de Dados, reafirmando que a autarquia «valoriza a gravidade daquilo que sucedeu», reiterando que «o direito à manifestação deve ser consagrado a todos».

«Nunca a escondemos e assumimos desde o inicio duas responsabilidades: apurar o que aconteceu e adotar as medidas para que tal não volte a acontecer», afirmou o autarca, em conferência de imprensa, esta sexta-feira, nos Paços do Concelho.

«Empenhamo-nos no apuramento cabal dos factos, com enorme celeridade, e em tomarmos as medidas que se justificam em função daquilo que apuramos. Não conheço nenhum caso de outro processo desta gravidade que merecesse uma resposta tão rápida como a que a Câmara de Lisboa teve neste momento», sublinhou o autarca.

«Continuou a haver informações às embaixadas sobre as manifestações que iam haver», acrescentou o autarca, salientando que «o protocolo em questão não é claro, embora tenha sido interpretado pelos serviços como avisos. Foi criada uma equipa de projeto para acompanhar a implementação deste processo».

«Em síntese, da extinção dos governos civis e da passagem para o município de Lisboa da nova competência foi necessário implementar um procedimento interno. Pudemos constatar que nos arquivos a prática quanto ao envio dos dados não foi a mesma ao longo do tempo. Para anos anteriores, o governo civil, em 2002, enviava a cópia do aviso da manifestação, e, em 2011, era enviado o nome do primeiro proponente às embaixadas, um procedimento diferente do primeiro. Sendo o quadro legal outro, pelo critério atual, o envio do nome significaria o envio de um dado pessoal. Em 2013, houve uma mudança do procedimento, no sentido de só serem enviados dados à PSP e ao MAI. Em 2018 e anos seguintes, entrou em vigor a regulamentação da proteção de dados. Não discriminando embaixadas de não embaixadas, tratam-se de mais de 7 mil pedidos de manifestação. A Câmara de Lisboa não tem nenhum poder de condicionar o exercício de manifestação», esclareceu Fernando Medina.

Fernando Medina defendeu ainda que «este tema foi sempre tratado ao nível do expediente administrativo do município, o que «é diferente de desvalorizar a importância» desta situação, que «tem importância, porque a forma como se processa impacta o sentimento de segurança. Nenhum destes procedimentos implicava qualquer avaliação de qualquer diretor desta casa. É um procedimento com impacto e com importância e que tem de ser feito com o restrito respeito pela confiança dos cidadãos», assegurou o presidente da Câmara de Lisboa.


Medidas a adotar e demissão do responsável

O autarca lisboeta apresentou, no decorrer da conferência de imprensa, algumas das medidas que a autarquia vai adotar na sequência da auditoria, entre as quais solicitar «à secretária-geral do Sistema de Segurança Interna a reavaliação da segurança dos dados pessoais», contactando os cidadãos cujos dados foram partilhados.

«As competências do município quanto a estes procedimentos serão delegadas à Polícia Municipal», revelou.

Por outro lado, o encarregado do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) será exonerado pela Câmara, anunciou o autarca.

«A confiança conquista-se e mantém-se quando se fala a verdade. Quando se assume os problemas, quando se age para os resolver. A atuação que tive enquanto presidente da Câmara sempre foi orientada para a confiança dos cidadãos, foi desde o primeiro minuto reconhecer que havia um problema e dar a cara para o resolver. Nunca desvalorizei nem atirei para um futuro longínquo uma avaliação. Assumi o problema desde o primeiro dia e dei a cara. E descobri que o problema seria maior do que o caso que estava a ser revelado», assumiu Fernando Medina.

Por isso e para concluir este processo, o edil acrescenta: «assim que tive essa informação, agi. Estamos aqui oito dias depois para apresentar de forma transparente as conclusões e anunciar as medidas que vamos tomar, para assegurar a tranquilidade daqueles que possam ter receio e assegurar que na Câmara de Lisboa este erro não se vai voltar a repetir. Perante a análise daquilo que esteve mal, temos a obrigação de reconhecer o problema e apresentar as medidas para o resolver».

Contudo, «o processo de tramitação de avisos de manifestação não sofreu alterações no contexto do município de Lisboa no regulamento de proteção de dados, tendo-se mantido no essencial inalterado até abril de 2021», esclareceu o autarca.

Ativistas russos na base da auditoria

A auditoria foi anunciada depois de notícias vindas a público que davam conta que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.

Este caso da partilha de dados originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos. Entretanto, o embaixador da Rússia em Portugal já assegurou que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto contra o governo de Putin realizado em Lisboa, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.

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