DOS AMORES PROIBIDOS AO SORRISO DE UMA CRIANÇA MARCHAS MOSTRAM A LISBOA MENINA E MOÇA

As Marchas Populares levaram, ontem, por mais de três horas, ao Altice Arena a «Lisboa dos amores proibidos», do cheiro a alecrim, que sai «à noite pelas vielas a vender sonhos nas cordas de uma guitarra».Confiança era o sentimento dominante entre os apoiantes que, ontem, aguardavam a abertura de portas do pavilhão Altice Arena para verem as marchas atuarem. Todas as claques se mostravam convictas de que este é o ano da sua marcha. Já no interior do pavilhão, nos bastidores, os marchantes afinam pormenores antes da exibição.
«Ensaiámos durante três meses, três horas por noite, todas as noites. Mas quem corre por gosto não cansa», afirmam, enquanto alguns marchantes e ensaiadores benziam-se, beijavam a bandeira do seu bairro e ajeitavam pela última vez a flor do cabelo, a canastra, o lenço.

 

Aos gritos de “Ié, Ié, Ié” e “A nossa marcha é linda”, milhares de lisboetas deram, assim, as boas-vindas às marchas populares que se exibiram na Altice Arena, em Lisboa, na primeira jornada da competição. Para trás ficaram meses de trabalho intenso e muito afinco para que as marchas corram da melhor maneira. O processo é muito mais do que aparenta, trabalhoso e iniciado com meses de antecedência.

No ar, sentia-se o cheiro a gente determinada a tentar levar o seu bairro à vitória. Entre um «veja lá que o nosso bairro tem a melhor marcha» e as músicas das marchas cantadas em coro a uma só voz, não se pode negar que dá vontade de fazermos parte daquele mundo.

E nada melhor que «um sorriso de uma criança», acompanhado com «muitas brincadeiras e travessuras» para mostrar que «Lisboa menina e moça desperta e vai à janela espreitar o amanhecer», depois sai «com um ar namoradeiro e a saia cor do mar» para ver passar a Marcha Infantil da Voz do Operário que apenas pede: «Queremos o verde que tem a natureza/À nossa volta para não haver tristeza/Queremos ter tempo para ver e aprender/A ser amigos, amigos a valer».

Todavia, como «cada bairro é um noivo que com ela quer casar», a Marcha do Bairro da Boavista cantou, a quatro ventos: «Só pelo meu bairro/Sinto esta paixão/Que me conquista/E é de Lisboa/É boa, tão boa/Boa…vista».

E, como por entre ruas e ruelas, jardins, escadinhas, becos e fontes já se sente o cheiro da sardinha assada dos arraiais, a Marcha da Bica, que fez questão de homenagear Fernando Duarte, afina as vozes e canta para quem quer ouvir: «Toda a gente já saiu para o arraial/Por lá se encontram mulheres ditas de má vida/E outras senhoras que a má língua não comenta/Que a nossa marcha quando desce a Av./Baralha o  tempo e volta aos anos 60»

Fiel às suas tradições e querendo homenagear profissões tradicionais de Lisboa, que ainda fazem parte de um imaginário da cidade que se pretende manter viva, não esquecendo o clássico autocarro 39,  a Marcha de Marvila levou ao Altice Arena os «heróis da fuligem», os operários e operárias que nas mais diversas indústrias contribuíram para o progresso do bairro. E, assim, «Na oficina ou na fornalha/Para ganhar o seu salário/Fato-macaco ou bata de cotim/Noutros tempos era assim/Que vestia o operário».


E falar de Lisboa sem falar do Tejo é como ir «a Roma e não ver o papa», a Marcha de Alfama lembra que o «Tejo sempre abraçou Alfama antes de se lançar ao mar, proporcionando o sustento diário às suas gentes. E, daí o refrão: «Quero abraçar Alfama/Antes de me lançar ao mar/Teu povo muito te ama/sempre que canta te chama/Não há nada a recear».

A baixa das tabernas e tascas, da ginjinha e dos pregões populares da Lisboa antiga que a Marcha da Baixa não quer deixar morrer e, por isso, ainda «bate o pé» ao recordar: «O importante, o importante/Era o vinho o importante/A caneca ia acima/Depois logo vinha a baixo» e, talvez devido a isso: «Andavam de esquina, em esquina/A partilhar felicidade/Pelo povo e a gente fina/Que povoava a cidade/ Não havia ‘telélé’/Não havia o ‘fast food’/Eram pregões do Zé/Era toda uma atitude».

Já o bairro do santo padroeiro de Lisboa, S. Vicente, levou ao Altice Arena a «estória de amor» entre um cocheiro, o Tozé, e uma criadinha espevitada de seu nome Filó, revivendo, desta forma, a época dos coches e dos carros engalanados que, constantemente, cruzavam as ruelas de S. Vicente, recordando: «São vicente tem a sua fidalguia/Com palácios, carruagens e brasões…./Entre os aios e os lacaios de uma casa/A criada e o cocheiro … estão a ver/Ela é linda, põe-lhe o coração em brasa/E ele afasta o alazão só para a ter…»

As vilas operárias de Lisboa, criadas nos princípios do século XX, fazem parte integrante do património arquitetónica de Lisboa e, por isso, a Marcha da Graça quis homenagear esses bairros que já se tornaram ex-libris da capital. Mas, como não poderia deixar de ser, a Marcha da Graça «puxou a brasa à sua sardinha» e homenageou a Vila Berta, dedicando-lhe o seu tema: «Anda Berta/Vem saltar uma fogueira/E dançar a noite inteira/Vem dai para o bailarico/Vila Berta/És esperta e ladina/E com o teu ar de menina/Vais arranjar namorico».

 

 

E, tuuum tum tum tum tum… já se começam a ouvir os passos dos marchantes a pisar a Avenida da Liberdade, no próximo dia 12 de junho. Já cheira a sardinha assada e a bifana está pronta a comer. As fitas estão colocadas e o Santo António está pronto para começar. As marchas estão alinhadas e está na hora de encher a Avenida.

 

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