IÉ, IÉ A MINHA MARCHA É QUE É…

As marchas populares, com a sua cor, alegria, movimento e muita dança, mantêm um diálogo constante entre a memória histórica e a dinâmica renovadora do presente e do futuro de Lisboa. É o momento de afirmação da cidade.O grande desfile anual das Marchas Populares acontece durante a noite de 12 de junho, entrando pela madrugada do dia 13 de junho, pela Avenida da Liberdade. É um «espetáculo e peras». Cada bairro prepara a sua coreografia, cânticos, os seu trajes e adereços, e desfila Avenida abaixo, mostrando o que de melhor existe.

Este ano, as marchas mostram – à semelhança do que acontece desde sempre – inspiram-se nas caraterísticas de cada bairro: as cores, o traje, as tradições. No fundo, são estas tradições tão bairrista um dos motivos pelos quais adoramos as Festas de Santo António.

É uma manifestação cultural e bairrista de Lisboa que todos os anos se repete. Centenas de pessoas, de todas as idades, dedicam-se durante longos meses a preparar esse grande espetáculo de Lisboa, as marchas populares, envolvendo «comunidades inteiras» em torno de vários saberes: música, dança, cenografia e a própria costura.

Um facto é que, apesar de muitos alfacinhas dos bairros típicos terem sido obrigados a mudar de residência, as marchas populares conservam uma vitalidade invejável e são, ainda hoje, o ex-libris das festas da cidade, graças às centenas de pessoas que se empenham em manter a tradição viva, passando este testemunho de geração em geração.

É essa passagem de testemunho que a Marcha da Santa Casa levou, ontem, ao Altice Arena. Orgulhosos dos seus mais de 500 anos, ainda dizem à cidade que «estão aí para as curvas» e vão marchar «até que o pé e a voz doam».

Todos os que desfilaram por esta marcha, que já vai na sua terceira participação consecutiva, afirmam garbosamente que a Santa Casa participa para mostrar a Alma e o Amor que fazem mover esta instituição e, por isso, cantam: «Somos felizes como vês/Abraçando sonhos teus/Sejas ou não português/… Assim nos ajude Deus».

Mas, como salienta a Marcha do Parque das Nações, o sonho também fez parte dos «grandes portugueses que, ao longo dos séculos, fizeram dos descobrimentos a grandeza de Portugal. «As princesas dos Oceanos», enquadradas por marinheiros, trouxeram ao Altice: «A princesa estouvadinha /lá vem ela/… a pensar ser rainha», mas «trazes bem o retrato/do oceano guerreiro». Apesar de novo, o Parque das Nações levanta bem alto os seus pergaminhos bairristas, recordando: «És cidadela a fervilhar/por onde passam multidões/com o sol sempre a brilhar/Só no parque, só no parque/só no Parque das Nações».


Através da história também andou «altaneira» a Marcha do Castelo que, a toque de caixa, desceu a velha colina para desfilar no recinto do Altice e, qual milagre de Santo António, «ressuscitou» os «velhinhos» uniformes de bandas e fanfarras militares e os tambores do Castelo de S. Jorge. Mas para que isso tivesse acontecido: «abriu-se a porta ao castelo/saiu marcha triunfal/no seu porte altivo e belo/tem encanto natural/as raparigas airosas/são como alegres flores/corações a arder/até fazer crer/que todo o bater/são alegres tambores».

As chaminés a fumegar, as colinas salpicadas nos mais diversos tons, a multiplicidade de odores e a presença daqueles que delas cuidam, os limpa-chaminés, tornam Lisboa numa tela de Bual, Júlio Pomar ou Maluda. E, «voando sobre os telhados de Lisboa» e com o apelo: «Ó Maria, olha os limpa chaminés», a Marcha da Penha de França retratou a Lisboa de outros tempos, cantando: «Sobe aos telhados, limpa-chaminés/e grita quem és/… de lá de cima tens Lisboa aos teus pés/… de lá vês tudo de lés a lés».

O espírito bairrista voltou a «assentar arraiais» com o Zé do Beato, figura típica das festas de Lisboa que, de bailarico em bailarico, andava à procura de namorada. E, como boa casamenteira, a Marcha do Beato arranjou-lhe namorada: a Maria Lisboa. Pelos diferentes bailaricos andaram entoando: «Vamos lá/bater o pé/pelas ruas de Lisboa/a Maria e o José/são figuras de proa/… nesta noite/de alegria/cá nos bairros lisboetas/baila o Zé/e a Maria/até os velhos marretas».

Também a figura típica do engraxador «passeou-se» pelo recinto do Altice Arena «pela mão» da Marcha do Bairro Alto que, este ano, decidiu levar duas artes distintas, uma que simboliza a tradição (o engraxador) e outra a modernidade da arte urbana (pintores de murais). Os «simpáticos engraxadores» interpelavam os clientes: «E então vai graxa, engraxa/sem aparato/que maravilha, já brilha/mais um sapato/e assim avança, não o cansa/o seu labor/pois tem graça, a graxa/do engraxador».

Mas, como junho é mês de folia, o Bairro Alto lá vai cantando: «Bate palmas/trás, trás, trás/bate o pé/tem tum, tum/a marchar/para a frente e para trás/como bairro/não há mais bairro nenhum/mão no ar/oeo/sem cansaços/oeo/abre os braços/alguém te ensinou/… o Bairro Alto é que é».

Em mês de sardinha assada e arraias, a Marcha da Ajuda decidiu lembrar os assadores dos arraiais que saem para a rua neste mês de santos populares. Na prática, a Ajuda quis homenagear aqueles que trabalham nas grelhas dos arraiais e, com amor e paixão pelos bairros e marchas, dedicam grande parte do seu tempo para que tudo decorra «segundo os conformes…». Apregoando a boa e bela sardinha: «Venham, venham aqui ver/estes assadores na Ajuda/não nos falte bom comer/a bela sardinha assada/os coiratos estão na grelha/com uma boa salada».

Segundo a Marcha da Ajuda, este tema retrata as «festividades que são feitas em honra ao santo padroeiro dos arraiais de Lisboa», mostrando, em forma de festa, alegria e paixão à cidade, os arraiais de Santo António, os assadores, as sardinhas e as varinas.

 

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