UMA ALTERNATIVA PARA LISBOA (ENTRE CILA E CARÍBDIS)

Os resultados eleitorais de 26 de Setembro ditaram que Lisboa será governada, no futuro próximo, por Carlos Moedas numa coligação abrangente de Direita que juntou sociais-democratas progressista a monárquicos conservadores.

As mesmas eleições demonstraram, porém, que a maioria da população eleitora se revê nos partidos de esquerda. Há, aliás, três claras maiorias de esquerda na cidade: uma na Câmara, com dez dos dezassete vereadores eleitos à esquerda; outra na Assembleia Municipal, que o PS preside por ser o Grupo Parlamentar com mais deputados (os presidentes de junta eleitos dão-lhe esta vantagem); e outra ainda nas Juntas de Freguesias, já que PS e PCP governam catorze das vinte e quatro.

Moedas, presidente minoritário e com todos os seus parceiros naturais já incluídos no acordo terá um trabalho difícil a que o populismo de algumas medidas com que se candidatou não ajudarão. Isto se, verdadeiramente, as quiser cumprir. A exceção à unidade da direita são três deputados municipais do IL incapazes de garantir uma maioria neste órgão bem como três deputados do Chega de que o PSD deverá manter a devida distância sob pena de começar cedo a perder o eleitorado mais sensato. O mais provável, perspetivando a possibilidade dum mandato que durará quatro anos, é que tenhamos um Presidente de Câmara que se sinta entre Cila e Caríbdis, esses dois monstros lendários que, um de cada lado na passagem do Estreito de Messina, atormentaram Ulisses a caminho de Ítaca. Dum lado, por ser um institucionalista, sentirá a necessidade de respeitar uns resultados eleitorais que constituíram órgãos com composições que lhe são adversas. Do outro, por liderar uma coligação de muitas vozes tantas vezes tão dissonantes, a tentação de pedir, como Cavaco pedia, que o deixem governar, insinuando forças de bloqueio à esquerda que mais não serão que o posicionamento justo de quem, servindo a cidade, respeitará a representatividade do mandato recebido.

A esquerda estará, assim, também ela própria, entre a espada e a parede, tentando não ser vista como oposição irresponsável mas devendo respeitar a vontade dos seus eleitores. Em boa verdade, a esquerda deverá começar já a perspetivar entendimentos para uma coligação nas próximas eleições, apresentando-se menos como oposição e mais como alternativa. A alternativa natural e inevitável para que se possa recuperar a Câmara de Lisboa nas próximas autárquicas bem como um conjunto de freguesias agora perdidas. O Partido Socialista continua a ser o Partido mais bem preparado para governar Lisboa, saiba agora regenerar na capital e corrigir a mão a erros evitáveis. O Bloco, que participou na governação da cidade nos últimos quatro anos tem também a experiência de ter convivido e crescido com as contradições do poder. O PCP, como é sabido, nunca é apanhado desprevenido ou mal preparado para assumir quaisquer responsabilidades. Ademais, foi precisamente com o PCP em coligação com o PS que Lisboa teve alguns dos seus anos mais importantes de crescimento social.

Apesar de inesperada, a vitória de Carlos Moedas deixa poucas pessoas curiosas relativamente àquela que será a sua governação. A maior parte de nós teme um retrocesso no importante trabalho que foi feito nas áreas da habitação, espaços verdes ou mobilidade. A maior parte de nós teme que os ímpetos liberais e liberalizantes de Moedas coloquem em causa os investimentos feitos na rede pública de transportes ou no combate às alterações climáticas. É por isso imperativo que, embora saídos dumas eleições, comecemos já a pensar nas próximas.

(José António Borges é trabalhador do Banco de Portugal e militante do Partido Socialista. Foi presidente da Junta de Freguesia de Alvalade e candidato não eleito.)

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