CARLOS DO CARMO MORREU HOJE NA LISBOA QUE TANTO AMOU

O fadista será lembrado com o Passeio Carlos do Carmo

Conhecido como o “Sinatra” do fado comovente e melancólico, Carlos do Carmo faleceu hoje aos 81 anos, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, após um aneurisma na artéria aorta. O fadista eternizou canções como «Lisboa, menina e moça» e «Os putos».

Carlos do Carmo é um dos mais reconhecidos, premiados e aclamados fadistas de sempre. A «Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX» descreve-o como uma «figura marcante no estabelecimento de mudanças na tradição fadista», sendo uma das «suas maiores referências, com reconhecimento nacional e internacional».

Nascido em Lisboa, em 21 de dezembro de 1939, Carlos do Carmo despediu-se dos palcos em 2019. Filho da fadista Lucília do Carmo (1919-1998), «uma das vozes mais marcantes» do fado no século XX, segundo a mesma fonte, Carlos do Carmo cresceu num ambiente fadista. Desde 1947 que sua mãe era proprietária da casa de fados Adega da Lucília, no Bairro Alto, em Lisboa, atual Arcadas do Faia, que passou a ser gerida por Carlos do Carmo em 1962.

Este não era o plano traçado para si pelos pais que, em 1956, o enviaram para a Suíça para estudar línguas e gestão hoteleira. No entanto, a vocação musical despertou, porém, em 1963, quando gravou um fado da sua mãe, «Loucura», num disco do Quarteto de Mário Simões.

No início de 2019, anunciou pôr fim à carreira, que já contava com mais de meio século de existência. Mas o anúncio não o desviava de encher uma última vez os dois coliseus, do Porto e de Lisboa, com concertos de despedida.

Na altura, o artista afirmou: «Será o ano da despedida. Será o ano da despedida com muita, muita, muita gratidão a todas as pessoas que me têm dado ao longo da vida tantas, tantas alegrias e tanta generosidade».

Desde então tem estado afastado dos palcos, mas faltava-lhe editar mais um disco, anunciado pela mesma altura, o que viria a ser o seu último álbum. Gravado ao longo de três anos e programado para ser lançado em novembro do ano que agora acabou, nele o fadista interpretaria poemas de Herberto Helder, José Saramago, Sophia de Mello Breyner, e Jorge Palma.


«O fadista deixa um enorme legado que marcou profundamente o Fado. Senhor de um dom inigualável, Carlos do Carmo deu vida às palavras como ninguém. Muitas vezes visionário, nunca abdicou de levar o Fado para outras dimensões, de lhe introduzir novos instrumentos, de evangelizar novos poetas, de manter o nível», salienta a editora do artista, a Universal.

Um homem de cultura e de liberdade

Entretanto, várias figuras públicas, entre elas o Presidente da República já manifestou o sentimento de perda perante a notícia da morte do fadista, que recordam como «uma grande figura da cultura e também como um grande homem».

Em declarações à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa disse ter recebido esta notícia com uma reação idêntica à de todos os portugueses. «Uma reação de perda por aquilo que Carlos do Carmo fez pela consagração do fado como Património Imaterial da Humanidade, mas também pelo que deu como voz de Portugal cá dentro e lá fora junto das comunidades portuguesas, prestigiando não apenas o fado, mas a nossa cultura», destacou.

O Chefe de Estado realçou ainda que Carlos do Carmo «foi uma voz na luta pela liberdade nos tempos da ditadura e na transição para a democracia». «Por detrás de uma grande figura da cultura, estava um grande homem, com uma grande riqueza pessoal, uma sensibilidade e uma intuição e identificação com o povo português, que o povo português não esquece», sublinha Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República considerou ainda que a morte de Carlos do Carmo, no primeiro dia de 2021, «um dia que devia ser de esperança», não pode ser encarada «com desesperança, mas como uma homenagem a alguém que nunca perdia a esperança».

Também o primeiro-ministro evocou com saudade Carlos do Carmo, recordando-o como «notável fadista e um grande amigo». «Fazendo eco das palavras que cantou no Fado da Saudade: ‘Mas com um nó de saudade, na garganta/ Escuto um fado que se entoa, à despedida’ de um grande amigo», escreveu António Costa numa publicação na rede social Twitter, defendendo que Carlos do Carmo «não era só um notável fadista, que o público, a crítica e um Grammy consagraram».

Para António Costa, «um dos seus maiores contributos para a cultura portuguesa foi a forma como militantemente renovou o fado e o preparou para o futuro».

Com um percurso político ligado ao PCP, Carlos do Carmo foi mandatário de António Costa na campanha de 2009 para a Câmara Municipal de Lisboa e participou igualmente num almoço de campanha do PS nas legislativas de 2015, em que recusou definir-se como simpatizante socialista, dizendo antes ser um apoiante do líder do PS.

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, reagindo também no Twitter ao seu desaparecimento, recordou Carlos do Carmo como «uma das maiores referências da interpretação do fado, que mostrou sempre uma especial preocupação com a divulgação desta forma de música».

Já o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, manifestando o seu pesar pela morte de Carlos do Carmo, recordou-o como «um nome ímpar do fado e como figura relevante na luta pela liberdade».

No Facebook, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, expressou o seu pesar pela morte do cantor que «cantou» Lisboa. Para Fernando Medina: «2021 amanhece triste com a partida de Carlos do Carmo. Fez de Lisboa menina e moça para o mundo inteiro ouvir. Foi a voz da cidade e esta não o esquecerá. Desaparece o homem, mas a voz e as canções dele ficam porque Carlos do Carmo e Lisboa são indissociáveis. Carlos do Carmo permanecerá em todos nós sempre que alguém entoar as “Canoas do Tejo” ou em qualquer rua ou viela de Alfama alguém assobiar “Os Putos”. Sim, Carlos do Carmo será sempre “O Homem (da) na Cidade”».

O Sinatra do fado

Em 2013, quando celebrou 50 anos de carreira, editou o álbum «Fado é amor», que gravou em duo com vários fadistas, entre os quais Ricardo Ribeiro, Camané, Mariza, Raquel Tavares e Marco Rodrigues, tendo sido reconhecido, em 2014, com um Grammy Latino de carreira e com o Prémio Personalidade do Ano – Martha de la Cal, da Associação Imprensa Estrangeira em Portugal.

Um ano depois receberia a «Grande Médaille de Vermeil» da cidade de Paris, a mais alta distinção da capital francesa, e em 2016 foi-lhe atribuído o título de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, da Presidência da República.

Aos 78 anos, em 2018, estreou-se a atuar em Nova Iorque, onde a NPR (rádio pública norte-americana) o descreveu como o «Sinatra do fado», que Carlos do Carmo considerava: «O Sinatra foi o melhor fadista» que tinha ouvido.

O cantor e fadista Carlos do Carmo morreu na manhã desta sexta-feira, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde tinha dado entrada na véspera com um aneurisma. Tinha 81 anos

Foto de capa: @cmlisboa

Quer comentar a notícia que leu?