Jardim das Amoreiras recebe memorial da Vigília da Capela do Rato

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril inauguraram, esta segunda-feira, 25 de março, a escultura ‘Memorial Vigília da Capela do Rato’, de Cristina Ataíde, no Jardim das Amoreiras. Esta inauguração está inserida na programação da CML dos 50 anos do 25 de Abril. 

Inserido nas comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, inauguraram, esta segunda-feira, 25 de março, a escultura ‘Memorial Vigília Da Capela do Rato’, da artista plástica Cristina Ataíde. O trabalho pretende recordar a vigília de protesto de um grupo de católicos progressistas que, nos dias 30 e 31 de dezembro de 1972, se reuniram na Capela do Rato e assumiram uma posição contra a Guerra Colonial e a ditadura do Estado Novo.

O monumento tem por base o percurso entre a Calçada Bento da Rocha Cabral, onde fica localizada a Capela do Rato, até ao Jardim das Amoreiras. Segundo a autora, “a escultura tem um corpo central, constituído por dois muretes em mármore de Vila Viçosa que criam uma passagem estreita e afunilada. São dois muros fortes, mas já inclinados, simbolizando o poder repressor estabelecido, mas já em queda”. Já os “êmbolos em aço inoxidável remetem para as forças populares que empurram esses poderes e os tentam afastar, empurrar, derrotar, criando a desejada liberdade” e que as palavras gravadas no mármore são também “palavras ditas durante a Vigília e que queremos relembrar: paz, liberdade, direitos, mudança.

Acontecimento importante que pretendeu acabar com a ditadura

No discurso que fez durante a inauguração, artista começou por agradecer ao Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, “por ter sido o grande obreiro desta homenagem tão especial e simbólica”, mas também ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, “por ter, desde logo, participado neste projeto, disponibilizando muitos dos meios necessários para a sua realização”. Cristina Ataíde também agradeceu à Comissária Executiva da Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril, Maria Inácia Rezola, por “todo o seu empenho, entusiasmo, disponibilidade, simpatia” e pelo seu empenho em tornar realidade este monumento. “Foi ela que se dirigiu diretamente ao Presidente da Câmara de Vila Viçosa e o inteirou das minhas intenções de usar mármore português”, recordou a artista.

Cristina Ataíde agradeceu aidna ao presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa, Inácio José Esperança, “pela grande abertura e entusiasmo com que desde logo acarinhou esta ideia e a tomou como sua”. Sobre o acontecimento que o monumento homenageia, a artista frisou que este “foi um acontecimento importantíssimo no despertar das consciências para a imperiosa necessidade de mudar um regime opressivo que impedia as liberdades individuais e coletivas e tentar assim acabar com uma guerra colonial destruidora”. Por isso, o projeto, salientou, teve “que expressar um regime estático e pesado com indícios de descalabro”.

Contar a história

Assim, o monumento representa “duas grandes massas em movimento de queda que, por sua vez, estavam a ser afastadas por forças exteriores a elas que as tentam derrubar”, explicou a artista. Também esteve presente nesta homenagem o presidente da Junta de Freguesia de Santo António, Vasco Morgado. Recordando as palavras de Francisco Sá Carneiro, o autarca afirmou que “não há democracia sem a garantia de liberdade em todos os campos”. A Vigília da Capela do Rato, acrescentou, “foi um evento catalisador para a mudança que teve lugar. Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”, concluiu Vasco Morgado.

Também esteve presente nesta cerimónia o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que começou a sua intervenção a agradecer a Pedro Adão e Silva “a colaboração que tivemos e aquilo que vivemos em conjunto”, recordando que esta será a última vez que estará com ele enquanto Ministro da Cultura. “Há momentos em que os sinais de mudança se tornam perceptíveis. A Vigília da Capela do Rato foi um desses momentos. Foi ela e com ela que se começou a sentir essa mudança, que vinha aí algo de novo, que estávamos a caminho do 25 de Abril. Foi um caminho longo e penoso, sem dúvida, e muitos até achavam que era impossível ou pelo menos improvável”, prosseguiu Carlos Moedas.

Acontecimento representa a audácia do povo

Na sua opinião, este foi “um acontecimento único”. O presidente da autarquia lisboeta agradeceu também a Maria Inácia Rezola “por não deixar passar este momento em branco e por ter dado a importância e a dignidade que a Vigília da Capela do Rato merece”. A Vigília da Capela do Rato foi um momento único, porque representou a audácia naquele Portugal onde a resignação reinava. O Portugal de 72, passadas aquelas ilusões da primavera marcelista, era um país do medo. Era ainda um país amordaçado, como dizia Mário Soares, amordaçado no medo, amordaçado na resignação. Mas aqueles que fizeram a Vigília do Rato disseram exatamente isso. Não tinham medo”, disse ainda o autarca, frisando que este novo monumento representa exatamente essa audácia.


“De um lado temos as paredes que nos parecem prender. Do outro temos a força que vai romper essas paredes do medo”. Por outro lado, prosseguiu, “a Vigília da Capela do Rato representou um milhão. Aos católicos juntaram-se tantos outros que não eram católicos. E ficou claro que a liberdade era um ideal partilhado pelo povo português em toda a sua diversidade, independentemente da sua fé e da sua condição social”. “A oposição ao Estado Novo fez-se com todos. E entre todos eles, os católicos cumpriram um papel fundamental. Foi um grupo de católicos que denunciou a repressão do regime”, lembrou ainda. De acordo com Carlos Moedas, esta vigília representou ainda a paz.

Apelar à paz

“Não podemos não exigir a paz. E este apelo foi fundamental para Portugal em 72, que consumia a sua juventude numa guerra terrível. Era o apelo de toda uma geração para o fim da guerra. Mas este apelo não serve apenas para 72. Hoje é também importante, porque vivemos o momento em que a guerra voltou à Europa, sem fim à vista. Em que o confronto entre Israel e Palestina voltou”. “É obrigatório evocar e lembrar o significado da Vigília da Capela do Rato. Foi isso que aqui fizemos e deixamos para todo o sempre. Porque, como dizia o presidente da junta, temos de repetir sempre a nossa história, para não a esquecer”, concluiu.

Já para Pedro Adão e Silva, “é uma enorme satisfação este ser um dos últimos atos públicos enquanto Ministro da Cultura”. “Tem um significado particular para mim porque, quando se começaram a desenhar as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, uma das primeiras iniciativas que logo surgiu foi precisamente assinalar os 50 anos da “Vigília da Capela do Rato”, acrescentou, agradecendo a todos aqueles que tiveram a iniciativa de assinalar este acontecimento. “As pessoas falam da Vigília e da Capela do Rato, mas a maior parte das pessoas não sabe onde fica a Capela do Rato. Agora é mais fácil de saber que é mesmo aqui ao pé do Jardim das Amoreiras”, disse ainda.

Várias tentativas de acabar com o regime de ditadura entre 1926 e 1974

“É tentador olhar para os 50 anos da nossa democracia e concentrar as celebrações no dia 25 de Abril, quando os militares concretizaram um golpe militar que logo se transformou numa revolução social e rapidamente numa democracia pluralista como a que conhecemos hoje. Mas, na verdade, o combate pela democracia foi um combate longo, de quase cinco décadas”. Neste período, frisou, “não houve um dia, desde 1926 até 1974, em que não assistíssemos a um combate ao regime”, sublinhou Pedro Adão e Silva.

Aqui, deu ainda como exemplo as “lutas camponesas, as lutas sindicais, os movimentos estudantis”, entre outros, destacando ainda o papel dos católicos na luta contra a ditadura. Por fim, o ministro leu ainda um poema de Rui Belo, acrescentando que, “50 anos passados, podemos dizer que Deus, para aqueles que creem, não nos abandonou na democracia que temos, e na paz, que continua a ser possível no mundo”. Com este memorial, pretende-se também homenagear o grupo de pessoas e anónimos que participaram na vigília.

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