“Em 1935, no primeiro ano em que houve marchas, quase todas ficaram em primeiro lugar”.
Começou a organizar a marcha de Campolide em 1988.
Nuno José da Conceição, presidente do Sport Lisboa e Campolide até 2014, ano em que a colectividade fechou, lembra-se de tudo o que aconteceu nessas três décadas e meia. Das histórias mais antigas e das mais recentes.
Em 2003, apareceu inesperadamente uma segunda marcha em Campolide, a de Bela Flor. “As coisas, na altura, não foram muito bem tratadas”, recorda. “Nunca houve reuniões entre marchas, fomos confrontados com a sua existência no dia do sorteio”.
Ainda foram “acusados de não saber de nada”, como se a culpa fosse sua. Apesar do proceso conturbado, acabaram por aceitar a nova situação.
Mas havia várias pessoas, algumas delas influentes, que queriam fundir as duas marchas. Com o fim do Sport Lisboa e Campolide, ficou apenas a de Bela Flor, que, mais tarde, acabou por absorver as duas.
Ainda houve “uma quezília” entre marchas, e o Sport Lisboa e Campolide (da marcha de Campolide) decidiu não ir ao aniversário do Santana Futebol Clube (marcha de Bela Flor). Mas o presidente opôs-se a esta decisão e não a cumpriu, aparecendo nos festejos.
Para ele, a existência de duas marchas era complicada, devido à grande dificuldade em mobilizar marchantes. Afinal, “não é um bairro com muitos marchantes”.
Agradou-lhe a fusão das marchas, bem como o desfile do ano passado. “foi muito bom. O tema era óptimo. Penso que se portaram bem. Só acompanhei na avenida e em algumas saídas, mas acho que foi inovador”.
Em 2017, este ex-dirigente hoje com uma saúde frágil também vai estar presente nas marchas. Durante os 35 anos em que coordenou a de Campolide, esta “foi feita sempre com um espírito muito aberto. As pessoas davam o máximo no que faziam, e a direcção do clube ajudava-os o mais possível”.
Sublinha que, “em 1935, no primeiro ano em que houve marchas, quase todas ficaram em primeiro lugar. Só mais tarde é que começou a ser diferente. Deixou de haver sete ou dez marchas em primeiro lugar”.
Com a sua longa experiência de observador e participante das marchas, não critica os regulamentos. “As pessoas têm que cumprir o que está escrito. O regulamento tem que ser cumprido por todos”.
Nas últimas décadas, nota que as marchas estão cada vez mais exigentes. Os produtos, materiais e serviços (arcos, figurinos, letras, músicas) estão cada vez mais caros. Um cavalinho custa mais de cinco mil euros, os arcos mil, o figurino dez mil e o dinheiro não chega para tudo.
Houve edições do concurso em que a marcha de Campolide teve que ficar a dever dinheiro durante algum tempo. A dívida passava de um concurso para a edição seguinte, e era paga nessa altura, o que aconteceu em dois ou três anos.”Não nos chateámos. Eles conheciam os custos e as dificuldades. O figurinista é quem manda na qualidade do pano, custe o que custar, dizia sempre eu”.
O porta-estandarte que era amigo de Carlos Mendonça
Embora não tivesse trabalhado directamente com o figurinista Carlos Mendonça, Nuno José da Conceição,ex dirigente do Sport Lisboa e Campolide e da marcha de Campolide, conheceu-o e lembra-se das situações e conversas que o envolviam.
“O Carlos ia ao estrangeiro comprar tecidos e dizia ao organizador de uma marcha: ‘Aproveita agora que eu vou lá, e vou trazer para todas as marchas’”.
Encontravam-se nas colectividades e sentavam-se à mesa a falar. Uma vez, disse-lhe: “‘Óh Carlos, para o ano quero-te na marcha de Campolide!’ Ele responde: ‘Ópá, não digas isso, vocês não têm dinheiro!’. E eu para ele: ‘Mas tu levas couro e cabelo?’. Respondeu-me: ‘Não, pá, eu estou em Alfama!’”. Nessa altura, ainda não passava pela cabeça de ninguém que o mestre das marchas fosse para a do Alto do Pina.
Cheio de histórias e memórias, Nuno Conceição é em 2017 o porta-estandarte da marcha de Bela Flor-Campolide. E aproveita a conversa com o Olhares de Lisboa para agradecer a todos os músicos, técnicos, marchantes directores e colaboradores que o ajudaram a organizar a marcha de Campolide durante 35 anos.
O clube que foi fechado por um cinema por culpa de uma janela
A história do fecho do Sport Lisboa e Campolide não é agradável nem vulgar.
Em 1992, no velho edifício da sua sede, a colectividade fez um primeiro andar. Não havia janelas nas traseiras do edifício, onde estava instalado um cinema.
Os responsáveis do cinema alegaram que o novo andar lhes bloquearia uma janela, embora essa janela não existisse quando o primeiro andar do clube foi construído. A colectividade foi processada, a situação arrastou-se e foi ressuscitada um mês antes do fim do prazo para arquivamento.
Na última audiência foi agendada a leitura da sentença, numa altura em que o presidente do clube, Nuno Conceição, teve que se ausentar da sala por motivos pessoais.
Não soube a data da sentença, que foi desfavorável à colectividade. Quando o informaram da decisão já era tarde. O Sport Lisboa e Campolide perdeu a acção. Foi determinado judicialmente o seu fecho, e viu bloqueadas as suas contas.
Sagres – Patrocinador Principal de “Olhares de Lisboa – Marchas Populares 2017”