Começou há dois anos como um simples grupo da rede social Facebook.Já nessa altura, os “Vizinhos do Areeiro” demonstravam uma diferença em relação a outros grupos do género: juntavam-se apenas as pessoas que queriam aderir por pertencer a esta freguesia.
Segundo Rui Martins, um dos fundadores e administradores, “começou-se a criar uma massa crítica na freguesia”. Um espaço onde situações locais concretas eram expostas, onde passou a haver propostas e apresentadas soluções sobre situações do dia a dia da freguesia que mereciam outra intervenção.
E a partir desta base “começou a haver intervenções mais concretas”. Isto é, os representantes do grupo passou a participar em assembleias de freguesia e municipais, começou a promover petições e eventos de rua, sempre na freguesia do Arreiro.
“Viu-se que o modelo funcionava. Todas as semanas, lançamos dois ou três pedidos, reclamações ou sugestões no grupo de Facebook”, explica Rui Martins.
É uma espécie de “subscrição pública”, adianta. “Colocamos um texto no grupo. Se as pessoas concordarem com o conteúdo, subscrevem-no colocando um ‘like’. Isso vale como uma assinatura de petição. É uma recolha mais fácil de fazer. Isso faz com que rapidamente consigamos mobilizar pessoas para uma causa específica. É impossível reagir tão rapidamente”.
E lembra: “quando isto começou, a maior parte das sugestões colocadas no grupo eram ideia minha. Hoje em dia quase nenhuma é minha, são ideias e sugestões colocadas pelos membros”. E existe já uma grande fila de espera de temas.
“Quando colocamos algo para votação, se não tiver um número de adesões suficientemente grande nos primeiros dias, percebe-se que não há apelo popular e a questão cai”. Mas quando a votação é significativa, os administradores do grupo recolhem a proposta, formatam-na, identificam a entidade a abordar para a solução e encaminham.
Neste âmbito, Rui Martins ressalva um pormenor que considera importante. “Quando é enviado às entidades competentes, a sugestão ou reclamação vai sempre com os nomes dos subscritores que fizeram ‘like’. A proposta ou reclamação não é enviada em nome dos vizinhos do Areeiro, mas dos subscritores que fazem parte daquele coletivo e que validaram a proposta. Não são sempre as mesmas pessoas para as diferentes propostas, é muito flexível”.
O canal principal de contacto com as diversas instituições, sejam elas junta de freguesias, câmara municipal ou outras entidades (EMEL ou CARRIS, por exemplo) é o email. “Quando por email não está a resultar, fazemos um requerimento formal em papel ou em carta registada”, diz.
Mas o grupo de cidadãos aproveita todas as “ocasiões que nos são dadas para participar”. Entre elas as reuniões abertas da junta, as assembleias de freguesia ou as assembleias municipais. “Não perdemos uma reunião. É muito importante essa presença”, defende.
Na opinião de Rui Martins, os “Vizinhos do Areeiro” têm “um papel reativo, de reação a problemas, um papel propositivo, de apresentação de projetos, um papel de transparência, porque tentamos partilhar com todos a informação do orçamento da junta e da câmara, e informativo”.
Confessa também que as redes socais deu ao grupo uma presença que seria muito difícil de alcançar de outra forma. “Nós recebemos informações em tempo real e lidamos com o assunto dessa forma”, refere.
“As autarquias têm de se adaptar estas novas realidades, é tudo em tempo real, e as juntas de freguesias são as que apresentam maiores dificuldades neste aspeto. O tempo agora não é rápido, é imediato”, sublinha.
Atualmente com mais de três mil membros no grupo, Rui Martins considera que os “Vizinhos do Areeiro” têm um alcance que mais ninguém tem. E lembra que os dos motivos é o facto das “pessoas participarem melhor e com mais intensidade quanto mais local for a causa”.
EXEMPLOS DE SUCESSO
O trabalho dos “Vizinhos do Areeiro” tem-se vindo a notar em algumas situações concretas. Por exemplo, no caso das obras do Bairro Arco do Cego, os grupo de cidadãos sugeriu várias correções, sendo que algumas delas foram tidas em conta.
Também é conhecido a questão da Escola Filipa de Lencastre. A melhor escola pública segundo os rankings é sempre alvo de polémica por causa da colocação dos alunos. “Quem mora do lado oposto da Praça de Londres, não consegue colocar os filhos nessa escola. É classicamente inacessível aos residentes”, revela Rui Martins.
“A zona escolar é muito pequena de forma a conseguir colocar mais filhos daqueles que trabalham na função pública (como os ministérios ali perto ou do INE) e menos dos residentes”, dá conta.
Ora o grupo iniciou uma petição que foi entregue na Assembleia Municipal. “Essa petição desencadeou a revisão da Carta Escolar que, depois de dez anos congelada, está finalmente a ser revista”.
Conta ainda o administrador que o grupo conseguiu que os moradores participassem num levantamento exaustivo das varandas e beirais com partes em falta ou em risco de queda. “Enviámos o levantamento à câmara municipal, o que deu origem a cerca de 77 ações por parte da autarquia ou dos proprietárias”.
Outro dos exemplos foi a mudança de local dos mupis que tapavam a visão das passadeiras, que a autarquia procedeu depois da sugestão dos “Vizinhos do Areeiro”.
Mas há outros temas mais abrangentes. Como relata Rui Martins, “o grupo entregou uma petição física com mais de mil assinaturas à Assembleia da República contra o fecho da 10º esquadra de Arroios, que também serve Areeiro e contra a falta de meios policiais na freguesia”. Os “Vizinhos” já foram recebidos por todos os grupos parlamentares, exceto o PSD.
É que, de acordo com os moradores, “existe poucos meios humanos na esquadra nas Olaias e na rua. A esquadra da Olaias tem pouco mais de 50 elementos, o que por turno dá menos de 10 polícias. E tem apenas um carro patrulha quando não está avariado”. Recorde-se que esta esquadra serve duas freguesias – Areeiro e Beato – em exclusividade.
Outras das preocupações na agenda do dia é o alojamento local. “Fomos chamados para o Parlamento em março, para a Comissão Parlamentar sobre o alojamento local, para o qual apresentamos propostas”.
Conta Rui Martins que o fenómeno chegou ao Areeiro em massa: “há pouco tempo havia 215 ofertas de alojamento local num site de referência. Noutro site de arrendamento, que havia 100 ofertas de arrendamento. E ainda falta o alojamento local ilegal”.
Ou seja, dois terços são para alojamento local quando “há 3 anos era quase tudo arrendamento”.
No entender do cidadão, “Fala-se sempre do epicentro deste fenómeno em Santa Maria Maior ou na Misericórdia, mas não se fala em Areeiro ou Alvalade, onde o fenómeno já tem esta escala”.
Trata-se de um tema com “um impacto brutal”, já que “os valores de arrendamentos duplicaram em dois anos”.
A CRESCER
Depois de reconhecido o sucesso deste modelo de cidadania ativa na freguesia do Areeiro, o grupo de cidadãos foi convidado a formar núcleos em freguesias vizinhas. Atualmente já existem grupos de “Vizinhos” nas Avenidas Novas, Alvalade, Penha de França e Arroios, o mais recente.
E Rui Martins não fecha a porta a ninguém. “Quem quiser criar núcleos podem falar connosco e aplicam-se as mesmas regras: cidadania local não partidária”.
O cidadão acredita que é possível chegar às 24 freguesias mas também que o método pode ser aplicado em qualquer lado do país.
E assim, o que começou com um simples grupo no Facebook é agora uma associação mais alargada. A recém-criada “Vizinhos em Lisboa” terá a primeira assembleia geral e eleição de órgãos já em abril.
“É a primeira que conheço que plurifreguesia”, comenta Rui Martins.
E insiste que este é uma forma de exercer “política local sem partidos”. Até porque, segundo Rui Martins, “este modelo é eficaz porque mantemos atenção no facto de não sermos partidários”.
E tira qualquer dúvida: “não vamos evoluir para movimento de cidadãos candidato autárquico. Nós não competimos com ninguém. Se fossemos eleitos seríamos apenas um ator e deixaríamos ser o público que pressiona os atores a desempenharem melhor o seu papel”.