Chama-se Teatro do Bairro Alto apesar de não ficar bem no Bairro Alto, mas entre o Príncipe Real e o Rato, e reabriu na sexta feira as suas portas ao público, mantendo o nome que lhe deu a Cornucópia, companhia que ocupou aquele espaço durante 40 anos. Depois de meses de obras, o Teatro do Bairro Alto (TBA), estrutura gerida pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e que funciona no espaço que anteriormente acolheu o Teatro da Cornucópia, está todo renovado, mas, apesar das paredes pintadas, da nova sinalética e de a bilheteira ter avançado uns metros, o espaço mantém a estrutura que já conhecíamos e, para quem era espectador antigo, ao entrar naquela blackbox e sentar-se na plateia há uma sensação de regresso a casa.
A vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, presente na cerimónia de aberturas, lembra que o Teatro do Bairro Alto, ou TBA, resultou da reformulação da rede de teatros municipais da Câmara de Lisboa, um processo anunciado no final de 2017 pela própria.
O novo espaço será gerido pela EGEAC, a empresa da autarquia lisboeta dedicada à cultura, será, afiança a vereadora Catarina Vaz Pinto um espaço «dedicado à criação e apresentação de projetos artísticos experimentais, bem como à reflexão sobre os seus modos, tempos e espaços». Ou seja, no TBA – explica – pode encontrar-se uma programação que não será exclusivamente dedicada a peças tradicionais de teatro, dando espaço para performances artísticas, encontros de filosofia, ou debates e reflexões sobre os nossos tempos.
Francisco Frazão, diretor artístico, confirma que «a relação com o espaço vem da experiência como espectador aqui».
Tanto a vereadora Catarina Vaz Pinto como Francisco Frazão, referiram que as intervenções realizadas passaram, sobretudo, por tornar o teatro mais seguro e mais acessível. O elevador ainda não está lá mas vai chegar até ao final do ano e a preocupação com a acessibilidade e a inclusão foi levada a sério. Pequenos pormenores que fazem a diferença: plataformas, casas de banho sem género, um fraldário, cacifos (em vez do tradicional bengaleiro). No verão do próximo ano, haverá mais obras, nas traseiras, para remodelar camarins (e haverá também um camarim acessível) e espaços de trabalho. Para já, os custos da intervenção rondam os 751 mil euros, dos quais 280 mil foram investidos em equipamento técnico.
O TBA pretende ser um teatro verde, inclusivo e acessível, tendo sido criados, para isso, duas casas de banho «sem género», um fraldário numa zona neutra, acessível tanto aos pais como às mães, zonas de acesso para cadeiras de rodas, ou cadeiras adaptáveis para bebés e crianças de várias idades.
Um dos destaques do TBA está no andar de baixo: é a cenografia do ‘foyer’, onde funcionará o bar, e da sala contígua, separada por portas deslizantes espelhadas, onde decorrerão pequenos espetáculos, conferências, debates ou concertos.
Concebida pelo arquiteto e cenógrafo José Capela, esta instalação na Sala Manuela Porto, nome herdado do Teatro da Cornucópia, consiste «na deslocação do terreno baldio existente ao fundo da rua e que é usado como parque de estacionamento para o interior do teatro», explica o diretor artístico, Francisco Frazão.
O chão e as paredes das duas salas estão forrados com “fotos hiper-realistas” do solo em terra batida, com as suas marcas, lixos e plantas rasteiras secas, e da vegetação circundante.
«A ideia é trazer o exterior para o interior. Encontrar no teatro a cidade, um momento da cidade, misturar o urbano e o natural, com algumas preocupações: a cidade dentro do teatro e a cidade passa a ter este teatro», afirmou o diretor. O som do gongo, que anuncia o início dos espetáculos, é da autoria de Margarida Magalhães, a quem foi encomendado que fizesse todos os sons do TBA.
Também a régie teve alterações: de fechada passou a aberta, como uma grande varanda sobre o palco.
Programação
Em termos de programação, já neste fim-de-semana, apresentam-se dois espetáculos de dança, de Josefa Pereira, ‘Hidebehind’, e de Alessandro Sciarroni, ‘CHROMA_don’t be frightened of turning the page’, que podem ser vistos um a seguir ao outro, e uma conferência de Franco ‘Bifo’ Berardi, sobre ‘Poetry and Chaos’.
Até ao fim do mês, haverá ainda dois espetáculos musicais, da autoria de Von Calhau (‘Partido/Pantundo’), projeto artístico que resulta do encontro entre João Alves e Marta Ângela, e de Félicie D’Estienne d’Orves/Eliane Radigue (‘Continuum’), um espetáculo de artes performativas de Joana Braga (‘A cada passo, uma constelação’), a conferência/discurso ‘Usos da arte, usos da cidade: gentrificação e cultura’, numa coorganização do projeto de pesquisa e criação artística Matéria para Escavação Futura, de Joana Braga e Ana Jara, e da Traça – Mostra de filmes de arquivo familiares, do Arquivo Municipal de Lisboa – Videoteca.
Em novembro, há o teatro do projeto anglo-alemão Gob Squad, com ‘Super Night Shot’, que no início é um filme para vários ecrãs, projetado apenas uma vez, cuja “rodagem começa exatamente uma hora antes da chegada do público ao teatro, quando os Gob Squad partem cidade fora de câmaras na mão”.
Há também o trabalho do dramaturgo e encenador argentino Federico León, um dos destaques da programação de novembro, que se estende para dezembro, com o espetáculo ‘Yo Escribo. Vos Dibujás’, um “ecossistema caótico”, mistura de feira de rua e quermesse, onde convivem múltiplas situações, jogos e práticas, nos quais o público é convidado a participar.
Nos dois últimos meses do ano, há a dança de David Marques (‘Mistério da Cultura’) e de Florentina Holzinger (‘Apollon’), a performance de Tim Crouch, a música de Alfredo Costa Monteiro (‘Anéis de Fogo’) e de Adriana Sá, Ricardo Jacinto & Yaw Tembe (‘Coral Furtivo’), mais discurso e pensamento, com as conferências de Catarina Botelho e David Guéniot (‘Reparar no olhar: Lisboa anos 90’), e Shannon Jackson, figura central dos estudos de performance, que questiona o “tipo de sociabilidade, de servidão e de serviços públicos”, das instituições artísticas atuais (‘Public Servants: Art and the crisis of the common good’).
E haverá ainda e sempre o teatro, espetáculo em cena, com Raquel Castro e ‘Turma de 95’, mais Alex Cassal, com ‘Morrer no Teatro’.
Programação | Teatro do Bairro Alto
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