«A Amália Rodrigues é uma das maiores figuras da cultura portuguesa, uma personalidade ímpar», afirmou o presidente da Câmara de Lisboa, na apresentação das celebrações do centenário de Amália que começam no dia 1 de julho, prolongando-se por 2021.
O programa celebrativo do centenário do nascimento de Amália Rodrigues, que começa no dia 1 de julho e se estende até ao próximo ano, foi apresentado na Câmara Municipal de Lisboa. Concertos, exposições, videomapping e a festa de reabertura das casas de fado são algumas das iniciativas previstas e que agora foram anunciadas numa cerimónia que contou com a presença da ministra da Cultura, Graça da Fonseca, e do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina.
O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, mostrou orgulho na iniciativa que agora avança, depois do adiamento devido à pandemia. «O programa teve de ser todo adaptado, mas não podíamos deixar de assinalar este momento. A Amália Rodrigues é uma das maiores figuras da cultura portuguesa, uma personalidade ímpar», afirmou o autarca. Segundo Fernando Medina, «temos um vasto conjunto de eventos e reservamos ainda para 2021 a expectativa de já os poder realizar de outra forma».
Do ponto de vista de Fernando Medina, Amália Rodrigues (1920-2020) protagonizou a mais fulgurante carreira musical do século XX em Portugal, devendo o seu êxito, em Portugal e além-fronteiras, à sua voz e à «inteligência com que Amália cantava».
Já a ministra da Cultura, Graça Fonseca, anunciou que foram já digitalizadas, pela Cinemateca, «um conjunto de 31 bobines, com um total de 240 minutos, de imagens inéditas gravadas na década de 1960, por César Seabra, marido de Amália, onde se encontram inéditos da rodagem do filme ‘Ilhas Encantadas’, bem como filmagens de digressões pela Europa” e África».
Segundo a ministra, as «fitas inéditas estavam na posse da Fundação Amália Rodrigues» e a Cinemateca Portuguesa vai ainda proceder «ao restauro e digitalização em alta definição de um conjunto significativo de filmes em que participou Amália Rodrigues».
Graça Fonseca e Fernando Medina, no âmbito das iniciativas do centenário Amaliano, destacaram «o eixo da salvaguarda patrimonial”, e referiram «o projeto de inventariação, digitalização e catalogação do espólio museológico de Amália Rodrigues, nomeadamente do acervo de Amália na posse de instituições arquivísticas e museológicas e de colecionadores particulares e da sua sistematização em base de dados a disponibilizar ‘online’ em acesso livre».
Tanto Fernando Medina como Graça Fonseca qualificaram este projeto como «um passo fundamental na preservação, bem como no desenvolvimento novas linhas de investigação em torno do vastíssimo legado da artista».
Referindo-se à criadora de ‘Povo que Lavas no Rio’, a ministra da Cultura declarou: «A voz de Amália é uma morada de Portugal. Onde quer que cada um de nós esteja no mundo, a voz de Amália faz-nos viajar no espaço até àquele lugar que todos reconhecemos como o nosso país. E a voz de Amália leva Portugal onde quer a ouçam. Neste centenário, é esta a nossa missão: levar Amália e, com ela, Portugal a todo o lado».
Protagonista de vários filmes
Amália Rodrigues, nascida há cem anos, em Lisboa, protagonizou a mais fulgurante carreira musical do século XX em Portugal, cujo passo decisivo foi a sua atuação, em 1956, no Olympia, em Paris, tendo-se estreado no cinema em 1947, sob a direção de Armando Miranda em “Capas Negras”, ao lado Alberto Ribeiro. Voltou nesse mesmo ano ao cinema com “Fado, História de uma cantadeira”, de Perdigão Queiroga com António Silva e Eugénio Salvador, entre outros. Protagonizou ‘Vendaval Maravilhoso’ (1949), de Leitão de Barros, ‘Les Amants du Tage’ (1955), de Henri Verneuil, e ainda ‘Sangue Toureiro’ (1958), de Augusto Fraga, com quem tinha gravado na década de 1940 uma série curtas-metragens de fados seus.
Participou ainda nos filmes ‘Fado Corrido’ (1958), de Jorge Brum do Canto, ‘As Ilhas Encantadas’ (1965), de Carlos Vilardebó, ‘Via Macao’ (1964), de Jean Leduc, e em ‘Bis ans Ende der Welt’ (‘Até ao Fim do Mundo’) (1991), de Wim Wenders.
A fadista atuou em vários países em todos continentes, e além de fado gravou ‘rancheras’ mexicanas, coplas e canções flamencas, temas do “American Song Book”, canções brasileiras, francesas e italianas.
Rui Nery apresenta programa
Por seu turno, Rui Vieira Nery, coordenador do grupo de trabalho das comemorações oficiais, apresentou a programação dia 26 de junho, sublinhando que, no dia 1 de julho, vai realizar-se um tributo de 100 guitarristas, de distintas gerações, ao legado da fadista, nos Paços do Concelho de Lisboa. Este concerto é transmitido online a partir das redes sociais da Câmara Municipal de Lisboa, da Empresa municipal de Gestão dos Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e do Museu do Fado, sendo exibido pela RTP no dia 4 de julho.
No dia do aniversário de Amália, em 23 de julho, Camané e Mário Laginha atuam no Museu do Fado. Os dois artistas vão «revisitar alguns dos temas mais emblemáticos de Amália Rodrigues e Alain Oulman (1928-1990)», que em vida compôs exclusivamente para a diva.
“Maria Lisboa”, “Madrugada de Alfama”, “As Águias”, “Naufrágio” e “Gaivota” são alguns dos fados de autoria de Oulman. Este concerto será igualmente transmitido em streaming através das redes sociais da Câmara de Lisboa.
De 3 a 12 de setembro acontece a Festa do Fado, assinalando a reabertura das casas de fado, depois do encerramento devido à Covid-19, «com condições especiais aos seus visitantes». Esta iniciativa, da câmara em parceria com a Associação das Casas de Fado (ACF), prevê, segundo a organização, a atuação de «mais de 100 artistas em sessões gravadas e transmitidas em streaming, a partir das redes sociais da Câmara e do Museu do Fado».
A festa prevista para março último, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, foi adiada e vai acontecer no âmbito das celebrações amalianas, no dia 24 de setembro, no Museu do Fado.
Amália afirmou em várias entrevistas que nasceu «no tempo das cerejas», fazendo uma alusão às suas origens familiares no concelho do Fundão, o que dá o mote para um concerto, com direção artística de Luís Varatojo, «No Tempo das Cerejas». Este concerto, no Castelo de S. Jorge, conta com as participações dos fadistas Ricardo Ribeiro, Camané e Ana Moura, acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, sob a direção do maestro Rui Pinheiro, e a participação dos músicos José Manuel Neto (guitarra portuguesa), Pedro Soares (viola) e Didi (baixo), Rui Toscano (saxofone) e Gaspar (guitarra portuguesa). Este concerto, cujos arranjos musicais são de Pedro Moreira, Filipe Raposo e Mário Laginha, é transmitido pela RTP a 30 de julho.
Já musical «100 Amália» pretende responder à questão: «Como sentem e vivem o legado de Amália as gerações mais jovens, que nasceram em pleno século XXI?» “100 Amália” é um musical com encenação, dramaturgia e acompanhamento musical pelo grupo Músicas e Musicais do Agrupamento de Escolas Nuno Gonçalves, com alunos entre os 9 e os 18 anos, e direção musical de Camané.
As celebrações são a nível internacional também, com os vários festivais de fado realizados além-fronteiras, patrocinados pela Câmara de Lisboa, a «prestar homenagem à memória viva de Amália Rodrigues». Estes festivais, além dos espetáculos dos fadistas incluem conferências, exposições e projeções de filmes.
No dia 6 de outubro, quando passam dez anos sobre a morte da criadora de «Povo que Lavas no Rio», vai ser transmitido (a partir da Casa de Amália Rodrigues na Rua de S. Bento, em Lisboa) um concerto com Sara Correia, Fábia Rebordão e Cuca Roseta. O musicólogo Rui Vieira Nery, um dos membros do grupo de trabalho para a celebração do centenário, fará uma introdução histórica.
Documentário para as televisões
Outra iniciativa é a realização do documentário televisivo “Fado”, em 12 episódios, de autoria do músico Paulo Valentim, que assina a conceção e desenvolvimento com Hélder Moutinho e Pedro Ramos cabendo a realização e direção de fotografia a Aurélio Vasques. Este documentário, em parceria com a ACF, visa promover «o universo do fado na cidade de Lisboa».
A programação prossegue para o próximo ano com três exposições comissariadas por José Manuel dos Santos e Frederico Santiago, nos museus do Fado, do Teatro e da Dança e no Panteão Nacional para além de uma outra no Museu do Traje, também em Lisboa.
Em março, no dia 21, é inaugurada no Museu do Fado a exposição “Amália Fado” e, quatro dias depois, a mostra “Amália Palco”, no Museu Nacional do Teatro e da Dança, que também recebeu uma mostra sobre fadista nos seus 50 anos de carreira, em 1989.
A vida da diva
Amália Rodrigues estreou-se em 1941 no teatro de revista em “Ora Vai tu” e nesse mesmo ano, dado o sucesso de bilheteira, em “Espera de Toiros”, seguindo-se “Essa é que é Essa” (1942) e “Boa Nova” (1942).
«Espanta o público ao cantar, além de fados, canções em inglês impecável, e castiços flamencos», na revista “Alerta Está!”, como escreveu o Diário de Notícias de 25 de abril de 1945. A crítica do matutino garantia que Amália apresentava «condições invulgares para o teatro ligeiro e a revista e demonstrou em “Alerta Está!” que não é só uma fadista de raça», referindo que foi três vezes a palco interpretar canções do repertório da espanhola Imperio Argentina (1910-2003) que, segundo o jornal, considerou que «não as cantava melhor que Amália».
Participou ainda em “Viva da Costa” e “Estás na Lua”, que foi o seu maior sucesso. Entretanto, em 1945, partiu para o Brasil com uma revista concebida para si, deixando os palcos da revista em 1947, em “Se Aquilo que a Gente Sente”.
Amália Rodrigues colaborou ainda em operetas, como “Mouraria” e em 1955 protagonizou a peça “A Severa”, de Júlio Dantas, ao lado de Paulo Renato, Mário Pereira, Madalena Sotto, Santos Carvalho e Ruy de Carvalho. Na televisão, em 1968, foi “A Sapateira Prodigiosa”, de Lorca, ao lado de Varela Silva e Fernanda Borsatti, numa realização de Fernando Frazão.
Aos palcos, escreveram vários críticos, Amália trouxe «o seu espantoso poder de sugestão e esse ar tragédia viva e vivida que se advinha no seu olhar magoado e nostálgico».
No dia 25 de março de 2021, no Museu do Traje, é a vez de ser inaugurada a exposição “Vestir, Desenhar e Pintar o Fado Amália”, de Paulo Azenha. Completando a tríade que inclui “Amália Fado” e “Amália Palco”, é inaugurada a exposição “Amália Negro”, no dia 31 de março, no Panteão Nacional, onde a fadista e poetisa se encontra sepultada desde 2001.
Mourão-Ferreira o poeta de eleição
Amália escreveu vários poemas e foi ela própria o poeta que mais gravou, apesar da sua preferência por David Mourão-Ferreira, como afirmou em várias entrevistas. O álbum “Gostava de Ser Quem Era” (1980) é inteiramente preenchido por poemas seus.
“Estranha Forma de Vida”, “Lava no Rio Lavava”, “Ai, Maria”, “Amor de Mel, Amor de Fel” foram alguns dos seus poemas que gravou.
«Promovendo a investigação científica pluridisciplinar em torno da obra de Amália Rodrigues, com o enfoque na reflexão crítica sobre as múltiplas dimensões da sua biografia artística», em abril do próximo ano realiza-se o colóquio “Pensar Amália”, numa parceria entre a Universidade Nova de Lisboa e o Museu do Fado.
A 10 de junho de 2021, Dia de Portugal, realiza-se “100 Músicos para Amália” com direção artística do guitarrista Pedro de Castro.
A organização refere que Amália foi uma “artista plural” que “interpretou repertórios musicais de geografias distintas”, e este concerto irá incluir 100 músicos de «diferentes áreas musicais que vão da música erudita ao jazz, do fado ao flamenco, da canção francesa e italiana à bossa nova e ao folclore», que vão interpretar «o legado de Amália Rodrigues».
Na noite de Santo António, em 12 de junho do próximo ano, Amália Rodrigues será o tema da Grande Marcha de Lisboa e do desfile das marchas na Avenida da Liberdade.
Desta forma, Lisboa vai homenagear a menina que aos 15 anos brilhara na marcha de Alcântara e que, desde logo chamou a atenção, tendo feiro parte do elenco de uma das mais prestigiadas casas de fado da altura: o Retiro da Severa, que lhe serviu de rampa de lançamento para o mais internacional nome do fado: Amália Rodrigues, a fadista que nasceu, oficialmente, a 23 de julho de 1920, em Lisboa, no seio de uma família originária da Beira Baixa e morreu em 6 de outubro de 1999.