O presidente da associação Vizinhos em Lisboa, Rui Martins, esteve, literalmente, a contar carros e bicicletas no Areeiro para realizar um estudo de mobilidade sobre o impacto da criação de uma nova ciclovia na Avenida de Roma.
Durante 4 semanas (de 8 de junho a 8 de julho), Rui Martins realizou uma «série de contagens de mobilidade, estimando o número de carros e de bicicletas que circulavam na zona da Avenida de Roma, para avaliar o impacto da criação de uma nova ciclovia na avenida (algo que deve estar para breve, mas em moldes ainda incertos).
O presidente da Associação dos Vizinhos de Lisboa, ‘somou’ todos os veículos, dos mais diferentes tipos, que passaram frente ao Portela Café (junto ao Cruzamento com a Óscar Monteiro Torres) e isto durante cinco minutos por dia, a horas diferentes, mas sempre ao fim do dia. Aqui, deixamos os resultados dessa «espécie» de inquérito ao trânsito nessa zona da capital:
«No total, foram contados 2665 veículos automóveis de vários tipos (carros particulares, táxis, autocarros, camionetas, etc), 120 bicicletas, 246 motorizadas e motocicletas e 18 trotinetes. Em termos percentuais a análise resulta mais interessante: 87,41% automóveis; 3,94% bicicletas; 8,07% motos e 0,59% trotinetes.
A conclusão – possível – é que o tráfego automóvel (87,41%) ainda representa a esmagadora maioria naquela que é uma das principais vias estruturantes da cidade e um eixo fundamental para o acesso a outros pontos de Lisboa e ao seu exterior.
De sublinhar que na Avenida de Roma não existem lugares de cargas e descargas (que podem ser usados também por clientes dos espaços comerciais) e que, nestas semanas, nunca o trânsito esteve congestionado, mas há também que ter em conta que, a cada momento, havia sempre estacionamento em segunda-fila frente ao Celeiro, Cafés, Barata e Farmácia Lusitana.
Nestes locais e, sobretudo, frente ao Acqua Roma o atravessamento irregular (e perigoso) da avenida por peões foi também muito comum. Por isso é tão importe adicionar ao local lugares de cargas e descargas até para regular esta irregularidade e antecipar a instalação da ciclovia e avaliar a necessidade de instalação de um separador físico que impeça estes atravessamentos pedonais.
Causas negativas da redução de vias
Qualquer redução de vias de trânsito a realizar aqui terá assim um forte impacto imediato no fluxo de trânsito criando uma situação de acumulação que terá impacto para moradores (via acumulação de emissões de micropartículas e CO2) e que deverá ser avaliada em qualquer intervenção que aqui se venha a fazer. Contudo, uma ciclovia nesta avenida, bem instalada e devidamente ponderada poderá fazer migrar para a bicicleta alguns destes utilizadores de automóveis assim como um reforço da sempre (até quando?) insuficiente prestação do serviço do metropolitano.
Um aumento da frequência dos autocarros da Carris (que tem que ser acompanhado do aumento da perceção de segurança do uso dos mesmos) poderá também revelar-se essencial para mitigar esses possíveis efeitos negativos.
A percentagem de bicicletas aqui registada foi surpreendentemente baixa tendo em conta que aqui mesmo, junto à Assembleia Municipal, está uma Estação GIRA e que, não muito longe (Praça de Londres e Avenida de Paris) existem outras duas.
Aliás, essas presenças devem até distorcer um pouco para cima o número total de bicicletas na avenida, mas como esse é um efeito positivo e não há como o remover desta equação esta contagem foi mantida neste estudo.
O número de motos (motorizadas, motos e scooters) foi uma surpresa: tinha a perceção de que havia um bom número a circular em Lisboa, mas não tinha a ideia de que fossem 8,07% do tráfego total. Isto não é necessariamente bom… Estima-se que as motas poluam mais 4 a 7 vezes mais que um carro “médio”. Não há, contudo, dúvidas que ocupam menos espaço público, na circulação e estacionamento e que, claro, se forem elétricas a carga ecológica é totalmente diferente. Contudo, nestas 246 motas não registei mais que uma dezena de elétricas e, ainda assim, todas partilhadas (sobretudo eCooltra).
Peões não respeitam semáforos
O fenómeno novo das trotinetes continua a ser (e, provavelmente, será sempre) residual, excetuando o seu impacto nos passeios públicos da cidade… com efeito apenas 0,59% da circulação total é feito nestes veículos e, mesmo assim, em grande maioria por “parceiros” Uber ou Glovo.
É também curioso que não se vejam, praticamente, mulheres em trotinete. Será porque têm, teoricamente, uma maior perceção de segurança?
Outra componente deste estudo de 4 semanas foi o registo do respeito dos semáforos para peões, no mesmo local (cruzamento Avenida de Roma com a Avenida Óscar Monteiro Torres) por parte de utilizadores de bicicletas.
Aqui, desta feita, não foram contabilizados 5 minutos por dia, mas várias observações ao longo do dia, de breves minutos cada, somando esta contagem assim como as outras que surgirão nos parágrafos seguintes. No total, nesta contagem, foram contabilizadas 55 bicicletas que respeitaram o semáforo para peões e 99 que não o fizeram: 35,71% versus 64,29%. No mesmo período observei apenas uma mota (Glovo: por sinal) e um carro particular que não o fez.
Diria que a maioria dos utilizadores da Avenida respeitam o semáforo, mas não os ciclistas…. Esperava, contudo, uma percentagem muito superior (fruto de alguns “encontros imediatos”) mas estava enganado: 1/3 dos ciclistas respeitam o semáforo. Estava a contar que ciclistas com capacete (com uma teórica maior perceção de segurança) ou mulheres (que reputadamente são condutoras mais seguras que os homens) se desviassem deste padrão mas tal não aconteceu: todos respeitavam e não respeitavam não sendo possível registar nenhum padrão que permitisse antever se um dado utilizador ia ou não respeitar o semáforo. Contudo, tenho a sensação que o número dos ciclistas que não respeitam o semáforo está a diminuir. Pode ser apenas isso ou uma vontade de ser otimista: mas tenho essa perceção.
Segurança individual
Uma das maiores preocupações enquanto peão e utente de transportes públicos (não tenho carta de condução nem sei andar de bicicleta) é a minha segurança individual e familiar quando caminho nos passeios e atravesso nas passadeiras.
É assim perturbador que tantos ciclistas (2/3) ainda não respeitem os semáforos, mas ainda mais quando tenho que me desviar de uma bicicleta que evolui a alta velocidade sobre o passeio.
Pessoalmente, não me incomodam bicicletas que circulem a baixa velocidade, mesmo sobre o passeio e, francamente, acho que este tipo de uso em muito baixa velocidade, devia ser permitido: mas acho totalmente inaceitável que alguém me faça razias, circule em alta velocidade no passeio ou circule em ziguezagues entre peões.
Conheço vários casos de acidentes entre bicicletas e peões com algumas consequências físicas. Compreendo que é, ainda, inseguro circular de bicicleta na Avenida de Roma, tal é a intensidade da circulação automóvel e a atitude agressiva de alguns condutores. Recordo-me de, por exemplo, durante esta contagem, ter visto um ciclista que circulava tendo um autocarro da Carris, com todas as suas 14 toneladas, a menos de 5 metros e, apesar dessa “pressão” circulava impávido e sereno (eu não seria capaz e gabo-lhe a coragem e sangue frio).
Bicicletas nos passeios
Ao fim de cada dia, vi também muitos pais com filhos menores: por regra circulavam na estrada e respeitavam a sinalização. O fenómeno de circulação de bicicleta sobre o passeio representa 20,95% do total: não sendo fácil distinguir, por tipologia, quem o faz em maior quantidade (é legal fazê-lo desde que acompanhando menores), mas o número excessivo, especialmente porque a sua esmagadora maioria é feito, precisamente, em alta velocidade.
De sublinhar que, sob o passeio não se vêm apenas jovens, mas que aqui circulam ciclistas de todas as idades embora, de facto, com uma maior concentração nos sub-15 que circulam em grupo ou isolados e de sexo masculino e, não raro, dois por bicicleta (o que danifica o material). A instalação de uma ciclovia, contudo, na Avenida de Roma deverá fazer descer, muito, a incidência deste fenómeno.
Um outro fenómeno que procurei medir nestas contagens foi o desvio de bicicletas públicas GIRA por parte de empresas privadas e, em particular pelos “parceiros” Uber ou Glovo. Não estão aqui em causa as condições de absoluta precariedade e exploração laboral com que estas pessoas operam.
Mas está em causa o contrato de termos de uso e o financiamento público de uma operação privada violando a sã concorrência com os “parceiros” Uber e Glovo que cumprem as regras e que fazem a sua distribuição em meios próprios e não em bicicletas GIRA.
A percentagem, contudo, parece estar a diminuir em relação ao que se observava há um ano. E, embora sem certezas, parecem haver agora menos bicicletas GIRA desviadas do uso particular do que no passado recente. Com efeito, nesta contagem, apenas se registaram 10 casos contra 302 bicicletas GIRA em uso regular (3,21% versus 96,79%).
Uso total de velocípedes
Nestas contagens também se procurou compreender qual é o impacto da rede GIRA no uso total de bicicletas na Avenida de Roma (sendo de esperar que algo de semelhante se passa no resto da cidade) e sendo este, de facto, muito significativo dando assim provas da correção da Câmara Municipal em apostar neste sistema e do sucesso do mesmo sobretudo depois de a própria autarquia ter assumido a manutenção dos equipamentos.
Com efeito, foram contadas 419 GIRAs versus 577 não-GIRAs (42,05% versus 57,93%), num total de quase mil bicicletas: Isto pode querer dizer que, sem GIRA, teríamos muito menos bicicletas e, consequentemente, Mobilidade Leve em Lisboa. Sinais de sucesso, portanto, nesta frente…
Utilização do capacete
Outros dois fenómenos foram medidos, também, durante estas quatro semanas: a quantidade de utilizadores de bicicletas com e sem capacete. Esperava encontrar uma percentagem baixa devido à grande percentagem de uso de GIRAs em Lisboa e isso confirmou-se: embora no uso aparentemente desportivo a maioria dos utilizadores use capacete, os que usam GIRA nunca o usam (compreensivelmente) e os que usam bicicletas particulares, em cerca de metade fazem o mesmo.
No total, apenas 25,97% (100) o usavam contra 74,04% (285) que não usavam capacete. Outro fenómeno, foi também medido: a circulação de bicicletas em contramão que, nestas quatro semanas foi apenas de 2 veículos num total de 996): uma percentagem muito baixa, felizmente, num uso extremamente perigoso para o próprio e que revela uma grande falta de consciência pela sua própria consciência.
No global ficou a sensação – fundada – de que o uso de bicicleta em Lisboa em particular na Avenida de Roma é ainda muito ‘vestigial’ e que se não fosse o sucesso da rede GIRA este número ainda seria mais baixo.
Efeitos positivos da ciclovia
A instalação de uma ciclovia dedicada (sobretudo) ou partilhada pode ter como efeito positivo o aumento dos utilizadores de bicicleta, mas se isso sacrificar uma via de trânsito numa das mais densas avenidas de Lisboa isto provocará congestionamentos de trânsito que acabarão tendo o efeito inverso ao pretendido.
O mesmo se passa com os estacionamentos em segunda fila os quais, apesar de ilegais, cujo termo irá reduzir o afluxo de clientes ao comércio da zona (já numa crise muito profunda: cercado pela COVID e pela especulação dos preços no arrendamento).
Os fenómenos de circulação de bicicleta em passeio e de não respeito pela sinalização de atravessamento de peões continuam a ser muito significativos criando várias situações de perigo e, mesmo acidentes, mas parece estar a diminuir de incidência e a criação de uma ciclovia tenderá a diminuir a sua frequência. Aguardemos, assim, os efeitos da ciclovia que será instalada, em breve, na Avenida de Roma altura em que este estudo será atualizado e feita a comparação com os números obtidos em junho e julho de 2020».
Texto: Rui Martins (presidente da Associação Vizinhos de Lisboa e fundador dos Vizinhos do Areeiro)
A Av. de Roma é uma autoestrada no meio de um bairro. Ter mais de 4,5% das deslocações nessa autoestrada de bicicleta e trotineta é absolutamente extraordinário. Se houver infraestrutura ciclável o número vai disparar.
“na Avenida de Roma não existem lugares de cargas e descargas”. É falso:
– https://goo.gl/maps/ep3eTwq8BjcXuytc6
– https://goo.gl/maps/kb58chgoRtSAPoet9
– https://goo.gl/maps/pVUfksAyLRGrj3D17
– https://goo.gl/maps/VsRY6aEYXpRTSsB68
– https://goo.gl/maps/Zt1kwbRfw7jMhaQw7
E haverá mais. Estes foram os que me lembrei. Como é que se pode confiar num “estudo” se nem isto consegui acertar?
Assustam-me as conclusões:
Colocar separador físico que impeça atravessamentos pedonais? Numa rua de bairro? Talvez o Rui Martins devesse questionar-se porquê que os peões o fazem. Sendo ele essencialmente peão surpreende-me que nunca se tenha dado conta. Uma dica: https://twitter.com/menos1carro/status/1285971760492544002
Depois diz que retirar um via de transito para fazer uma ciclovia vai causar mais congestionamento. Mas defende que se continue a estacionar em 2ª fila para não prejudicar o comércio. Isso já não causa congestionamento.
Não tirar carros para não prejudicar o comércio? Até os comerciantes da R. Augusta, Duque D’Ávila e da R. Garret se riram. Na Rua Augusta circulam em média 3.600 pessoas por hora no período de maior movimento. Na R. Garret 3.100 (dados de 2017). Quantas passam por hora na Av. de Roma? Quem é mais provável entrar numa loja e fazer compras? Quem vai de carro a 50 Km/h (estou a ser benevolente) ou quem vai a pé ou de bicicleta?
E finalmente também acho interessante alguém que nunca andou de bicicleta emita opiniões sobre o desenho da rede ciclável…
Será santa burrice ou apenas demagogia: “Estima-se que as motas poluam mais 4 a 7 vezes mais que um carro “médio”.”
Caso não saiba as normas Euro começaram mais cedo e mais apertadas para as motas, e tem se mantido a par com os carros (e tendo a mota quase sempre menos cilindrada para as mesmas normas, é obvio que é o contrário que afirma, polui menos 4 a 7 vezes que um carro médio). Fonte: https://www.andardemoto.pt/moto-news/46893-vem-ai-o-euro5-sabe-o-que-isso-significa/