Alvalade vai celebrar, este mês, os 40 anos de vida literária de Lídia Jorge, recordando que os cafés de Alvalade foram sempre ponto de encontro e de tertúlias de artistas, intelectuais e estudantes.
No âmbito da 4ª Edição da Capital da Leitura, em Alvalade, e no ano em que se celebram os 40 anos da vida literária de Lídia Jorge, a Junta de Freguesia de Alvalade vai homenagear a escritora e moradora do bairro, salientando que, nesta freguesia lisboeta, se assistiu à difusão e consolidação de novas vivências e ao nascimento de vários movimentos culturais.
Este ciclo literário, com curadoria de Carlos Vaz Marques, conta com tertúlias, colóquios, debates, oficinas, música, poesia e arte urbana. Uma programação eclética que, entre 21 e 26 de setembro, nos relembra que Alvalade é a casa de escritores e poetas de todos os tempos.
O evento vai passar pela Biblioteca Nacional de Portugal e por outros espaços culturais da freguesia, que são os palcos principais desta iniciativa que pretende celebrar os 40 anos de vida literária de Lídia Jorge, com «momentos» ao piano, fado e poesia, estreias, «inauguração de um mural, tertúlias à mesa, debates, cinema e, claro, Lídia Jorge e outros grandes nomes da literatura nacional».
Cafés são espaços vivos de histórias
O escritor José Cardoso Pires que, em 1968, ao que consta, escreveu parte do romance «O Delfim» na mesa de um café da freguesia, afirmava que «Alvalade é um bairro que é também história viva, testemunho da evolução da vida cultural portuguesa»
Para Cardoso Pires, Alvalade «era a sua casa», o sítio onde sentia bem, onde se encontrava com os amigos» e onde viu nascer as primeiras bandas de punk e de rock «à mesa do café Vá-Vá», nomeadamente os UHF, Peste & Sida, Xutos & Pontapés, Censurados, Tara Perdida, Trovante, Afonsinhos do Condado e as Doce.
O cantor e arquitecto Carlos Mendes foi um dos artistas que frequentava o Vá-Vá. Para ele, este café de Alvalade, como recentemente recordou no programa televisivo da Sociedade Portuguesa de Autores, era um ponto de encontro e, também, uma forma de mostrar «a rebelião» dos mais jovens perante o «sistema político» de então.
Aliás, a arte e os artistas têm assumido, desde os anos 60 do séc. XX, um protagonismo importante na transformação do bairro de Alvalade, contribuindo para produzir ‘novas urbanidades’, inspirando e participando em iniciativas socialmente inovadoras, contribuindo para uma verdadeira efervescência cultural e artística muito centrada nos lugares de encontro e nos cafés, em particular.
Despertar do movimento rock
Os anos 80 ficam marcados, para a posteridade, pelo despontar do movimento rock em Portugal. O bairro de Alvalade «assumiu» um papel importante no «nascimento» desse movimento cultural, sendo o local escolhido como «ponto de encontro» dos elementos das bandas de garagem que pontuavam na vizinha avenida EUA e em Almada, caso dos UHF.
Simbolicamente pode dizer-se que o rock português nasceu em Alvalade, com «uma dinâmica de apropriação muito forte», tendo os cafés da Avenida de Roma continuado a assumir-se como os principais vasos comunicantes para as gerações mais novas.
Apesar de muito maltratado nos anos 80, o café Vá-Vá continuou a ser um polo de convívio, reunindo um segmento de jovens que se misturava com os próprios elementos dos grupos rock.
Zé Pedro, um dos fundadores dos Xutos e Pontapés, confessava, no início do séc. «Alvalade é um bairro que é também história viva, testemunho da evolução da vida cultural portuguesa»XXI, na Casa de Tomar, junto ao antigos cinema Quarteto, que «os Sétima Legião ensaiavam ali perto, até chegávamos a ouvir os ensaios da esplanada», os elementos dos Heróis do Mar também marcavam presença.
Zé Pedro confessava que «a malta se juntava nos cafés de Alvalade para depois ir aos bares. As grandes noites loucas passavam sempre por lá».
Nos finais dos anos oitenta/noventa, à medida que vários cafés da Avenida de Roma começaram a encerrar, o movimento começou a dispersar-se por outras zonas de Lisboa, designadamente Bairro Alto.
Dentro desta dispersão, o movimento punk foi aquele que mais força terá tido na afectação de novos pontos de encontro, pulverizados por diversos cafés secundários da avenida da Igreja, praça de Alvalade e locais próximos do jardim dos Coruchéus, onde surgiram novas cenas artísticas e culturais alternativas.
Voltar «à rota» cultural
Já no século XXI, o bairro de Alvalade foi atingido por um acentuado envelhecimento demográfico, pois o regime de ‘casas de alugueres económicos’ dominante em extensas áreas do bairro bloqueou a mobilidade residencial e a renovação.
Mais recentemente, a crise e a austeridade sentiram-se de forma muito expressiva. As avenidas «de prédios verdes e rosa pastel de um alinhamento de harmonia burguesa» e a «sofisticação das lojas», deram lugar a alguma decadência do tecido comercial, encerramento de cafés tradicionais que ainda restavam e uma certa degradação do edificado.
Os lugares de encontro foram progressivamente desaparecendo. Procurando contrariar alguma decadência, a partir de 2006, o realizador de cinema Lauro António fez renascer novamente o Vá-Vá com as tertúlias «Vá.Vá.diando».
Nos nossos dias, Alvalade está, aos poucos e poucos, a tentar recuperar o «esplendor de outras eras» e promove várias iniciativas culturais, com o objetivo de ser «recolocado» nas rotas dos movimentos culturais lisboetas.
Programa completo | Alvalade celebra vida literária de Lídia Jorge com Capital da Leitura