Vai fazer 33 anos que Lisboa acordava para um dos dias mais trágicos da sua história: o incêndio do Chiado que destruiu uma parte fundamental do património da cidade. Vítor Tavares, chefe dos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique foi um dos primeiros a chegar ao local, «quando aquilo ardia, a bom arder…»
A 25 de agosto de 1988, as chamas devoraram vários edifícios do Chiado e deixaram em ruínas aquela zona histórica de Lisboa em menos de cinco horas. Às duas vítimas mortais e dezenas de feridos juntou-se o desespero de quem perdeu o emprego ou o investimento de uma vida. Nos 33 anos deste desastre, fomos ouvir o comandante Vítor Tavares, na altura chefe dos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique, que foi um dos primeiros a chegar ao local com um autotanque, com uma guarnição de quatro homens.
«O alarme caiu às 05.30 horas na central: o Grandella estava a arder. Inicialmente, pensei que era um incêndio no Bairro Grandella, em Benfica. Mas, rapidamente, fomos informados que era nos armazéns Grandella no Chiado. Fomos a segunda viatura a chegar (autotanque, guarnecido por 4 homens). Quando chegamos, já aquilo ardia a bom arder», relata o comandante do quadro de honra dos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique, Vítor Tavares.
Aquele dia ficou para a história da capital e do país, afirma Vítor Tavares que classifica este incêndio como «a pior tragédia em Lisboa desde o terramoto de 1755», a ocorrer precisamente às portas da Baixa Pombalina, mas também recordada como o primeiro grande acontecimento mediático, com repórteres in loco, onde tudo aconteceu.
Vítor Tavares recorda que «não se falava de outra coisa naquele final de verão de 1988. O incêndio devorou grande parte dos edifícios – um total de 18 – nas ruas Garrett, do Carmo, e Nova do Almada, deixando cinco famílias e outras 20 pessoas sem casa».
Duas pessoas morreram, um bombeiro e um morador. Pelo menos 50 pessoas ficaram feridas. Às perdas e danos humanos juntou-se também a perda do património histórico e arquitetónico, desde logo várias lojas centenárias e edifícios singulares, a começar logo pelos Armazéns do Grandella, onde o incêndio deflagrou.
Ferido no combate às chamas
«O primeiro alarme é dado às 05.19 horas e, nas horas seguintes, o fogo chega aos Armazéns do Chiado, numa trágica marcha até novos edifícios, chegando ao edifício Eduardo Martins, do outro lado da rua, perto das 7h00. A madeira de que eram constituídos os imóveis, em alguns casos já apodrecida, serviu de fornalha para a propagação veloz do fogo», lembra este operacional que também foi vitima de um acidente quando se encontrava a combater o fogo num dos edifícios.
Chegou a ser conduzido ao hospital, onde lhe foi detetado uma luxação no pulso, mas rapidamente voltou para a frente de fogo para ajudar a combater o sinistro que, em cinco horas, «progrediu ao longo dos Armazéns do Chiado, ameaçando a escola Veiga Beirão, bem como vários outros edifícios da Rua Nova do Almada, nomeadamente o Tribunal da Boa Hora. Do interior do edifício do estabelecimento escolar, que chegou a ser visado pelo incêndio, os repórteres recolheram várias imagens onde se vê o trabalho dos bombeiros que tentam com os seus meios evitar o avanço das chamas.
Com a aproximação do fogo, os comerciantes e donos de estabelecimentos tentavam salvar o que conseguiam. Roupas e quadros, cada um tenta retirar o que pode. Muitos já não conseguem ir a tempo.
Mais de 1100 bombeiros participaram nas operações de combate às chamas, vindos de várias corporações nos arredores de Lisboa. Também o canhão de água do aeroporto de Lisboa foi decisivo no combate às chamas.
Participaram ainda 191 viaturas e foram disponibilizados meios aéreos por parte da Força Aérea, mas a sua utilização foi desaconselhada pelas autoridades, de forma a evitar derrocadas das estruturas que se tinham mantido hirtas depois do fogo. «Ainda bem que o C130 não foi utilizado. Se apanhássemos com uma descarga de água poderíamos ficar todos feridos», afiança Vítor Tavares.
Balburdia total
Foram várias as críticas apontadas à Câmara Municipal de Lisboa, à altura liderada por Nuno Krus Abecassis, pela falta de um plano de assistência nos casos de catástrofe, a ausência de estudos de planeamento urbanístico e ainda o mobiliário urbano existente na rua do Carmo, que era já na época uma zona exclusivamente pedonal, e onde tinham sido colocados há pouco tempo vários canteiros de betão com flores e bancos para usufruto de turistas e visitantes. Esses equipamentos ocupavam uma das “faixas” de circulação, pelo que impediram a intervenção mais rápida por parte dos bombeiros e a chegada e aproximação de mais autotanques. «Apesar de ter sido testado e aprovado pelos bombeiros, um facto é que em alturas de ‘aflição’ não conseguimos aplicar totalmente os nossos conhecimentos e, na altura, não conseguimos contornar o mobiliário urbano que estava no local», desabafa.
«Cá de baixo, os graduados orientavam as operações sem outro meio de recurso que não os gritos. De facto, eram poucas as corporações que possuíam meios rádio ou por fio para orientar os homens que se empoleiravam no alto das escadas», refere Vítor Tavares que chegou «a estender 12 lances de mangueiras (cada lance com 20 m), quando tinha «uma boca de rega mesmo ao lado do autotanque. Bastava tirar as pedras que a cobriam…»
«Balbúrdia total. Correrias intermináveis. A cada esquina um drama humano daqueles que viam queimado o seu negócio ou emprego» foi a impressão que ficou sobre aquele dia, que, ainda hoje, o marca.
A recuperação total do Chiado só aconteceu em 1999, no final de uma década marcada por eventos importantes que voltaram a dar vida àquela zona da cidade, desde logo em 1994, quando Lisboa foi Capital Europeia da Cultura, isto numa altura em que outros pontos da urbe ganhavam ainda mais centros comerciais a competir com aquela zona nobre.
Hoje em dia, como noutros tempos, o Chiado é um ponto turístico obrigatório para quem visita Lisboa, lugar literário mencionado em obras de grandes autores como Eça de Queiroz ou Fernando Pessoa, entre tantos outros.