O velório do antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, vai ser no Picadeiro Real, antigo Museu dos Coches, em Belém. O Governo já decretou três dias de luto nacional. Fernando Medina, na qualidade de presidente da Câmara de Lisboa, recordou Sampaio como «um grande presidente de Câmara Municipal».
Morreu nesta sexta-feira, aos 81 anos, Jorge Fernando Branco Sampaio, que era atualmente presidente da Plataforma Global para os Estudantes Sírios, fundada por si em 2013. O também Presidente da República entre 1996 e 2006 estava de férias com a família no Algarve quando teve de ser internado no Hospital de Portimão, tendo depois sido transferido para o Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, onde estava internado nos cuidados intensivos do Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, por insuficiência respiratória desde 27 de agosto, altura em que ficou «em observação/vigilância médica». Um dia antes de ser internado avisou o mundo: «A solidariedade não é facultativa».
Fernando Medina, presidente a Câmara de Lisboa, destaca a perda de um homem de visão que esteve sempre presente», tendo sido uma referência «para gerações de portugueses».
Do ponto de vista de Fernando Medina, o antigo presidente da Câmara de Lisboa, entre 1990/1996, foi «uma referência de coragem, uma referência de luta pelos valores da Democracia e da Liberdade, desde as lutas estudantis de 62, ao seu passado como advogado defensor de resistentes antifascistas e à sua luta como Presidente da República na independência de Timor-Leste».
O atual autarca e recandidato à capital recordou Sampaio como «um grande presidente de Câmara Municipal». «Certamente um dos seus mais destacados presidentes de Câmara. O seu legado é vastíssimo: desde a ligação da cidade ao rio, ao seu planeamento estratégico, mas, acima de tudo, o avanço profundo que foi dado no sentido de uma cidade mais digna e mais justa, pois a ele se deve o grande impulso nos planos de construção social e de erradicação das barracas na cidade de Lisboa», asseverou.
Este é, assim, um «dia de profunda tristeza, da perda para o país e, sobretudo para a cidade, de um homem bom», acrescentando que Jorge Sampaio foi «um homem de visão, de coração, que esteve sempre presente. Que nos ajudou sempre, na cidade de Lisboa, a prosseguirmos um caminho da Liberdade, da Democracia, da Justiça».
Luto nacional
Por seu turno, o primeiro-ministro, António Costa, decretou três dias de luto nacional pela morte do Ex estadista Jorge Sampaio.
Numa declaração feita a partir do Palácio de S. Bento, o primeiro-ministro expressou as suas condolências à família e amigos do antigo Chefe de Estado, falou um «sentimento de tristeza e de perda», referindo-se a Jorge Sampaio como alguém que sempre desempenhou as suas funções com «o mesmo sentido cívico, de militância e convicção», com que assumiu em 1962 assumiu a liderança do movimento estudantil e o combate ao antigo regime.
O chefe do Governo destacou que Jorge Sampaio com um dos impulsionadores da plataforma nacional para que os refugiados sírios, recordando que «no exercício dos seus múltiplos cargos políticos foram sempre e só mais uma forma de exercer a sua cidadania».
António Costa declarou, ainda, que Jorge Sampaio desempenhou funções no governo dos tempos difíceis dos governos provisórios, foi deputado, líder parlamentar e concorreu e venceu por duas vezes as eleições para a presidência da Câmara de Lisboa, tendo sido depois eleito e reeleito Presidente da República.
Um pouco da história
Jorge Fernando Branco de Sampaio, que nasceu em Lisboa em 1939, foi Presidente da República durante dois mandatos, entre 1996 e 2006. Em 1989, foi eleito líder do Partido Socialista e na mesma altura foi eleito presidente da Câmara de Lisboa, tendo sido reeleito em 1993.
Após a passagem pela Presidência da República, foi nomeado em 2006 pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas enviado especial para a Luta contra a Tuberculose e entre 2007 e 2013 foi alto representante da ONU para a Aliança das Civilizações.
Já mais recentemente, presidia à Plataforma Global para os Estudantes Sírios, fundada por si em 2013 com o objetivo de contribuir para dar resposta à emergência académica que o conflito na Síria criara, deixando milhares de jovens para trás sem acesso à educação.
Fortemente empenhado nas causas coletivas e na intervenção cívica quase até ao último dia – o seu último artigo de opinião, publicado no “Público” a 26 de agosto, “Dever de solidariedade”, é um apelo aos parceiros da plataforma internacional que fundou para ajudar estudantes sírios e agora também jovens afegãs, Sampaio foi, desde logo, o símbolo da luta estudantil nos anos 60, um dos jovens com ideais cívicos e políticos mais cobiçados pela Esquerda nos anos 70 e um exímio advogado de causas.
Essa permanente inquietação, sublinhada por António Costa em 2019, na sessão de homenagem promovida na sede do PS: «Tinha todo o direito de estar a gozar a tranquilidade da vida, mas a vida traz-lhe intranquilidade» – fê-lo fundar o MAR (Movimento de Ação Revolucionária), o MES (Movimento de Esquerda Socialista) e o IS (Intervenção Socialista) antes de, em 1978, tornar-se militante do PS (Partido Socialista), então com o número 102.279.
Jorge Sampaio foi secretário-geral do PS (1989-1992), presidente da Câmara de Lisboa (1990 – 1996), candidatura que ousou decidir sem consultar o partido e que pela primeira vez juntou a Esquerda assim derrotando Marcelo Rebelo de Sousa. Jorge Sampaio alia-se ao PCP e socialistas e comunistas vão, pela primeira vez, juntos a votos, concretizando a ideia de uma frente de esquerda que defendia nos tempos da Intervenção Socialista. A “geringonça” original – a coligação junta PS, PCP, Os Verdes e MDP/CDE – vence com 49,1%, contra os 42,1% de Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato do PSD.
Da Câmara de Lisboa a Belém
As vitórias em Lisboa foram decisivas para a etapa seguinte: a candidatura à Presidência da República. O anúncio foi feito em 1995, rodeado apenas pela família. O apoio do partido só chegaria meses mais tarde. Deixa a liderança do município nas mãos de João Soares e foca-se na campanha. Com o eleitorado de esquerda do seu lado — Jerónimo de Sousa e Alberto de Matos desistem a seu favor — ganharia a Cavaco Silva, batendo o ex-primeiro-ministro à primeira volta, com 53,8% dos votos, obrigando este a esperar dez anos pela sua vez.
Sampaio sucede a Mário Soares a 9 de março de 1996 e o PS consegue algo inédito: juntar o poder executivo, ainda que sem maioria no Parlamento, à Presidência da República. António Guterres tinha sido eleito em outubro de 1995. Durou até 2001, quando o agora secretário-geral da ONU bate com a porta para, segundo o próprio, impedir o “pântano político”, após a pesada derrota dos socialistas nas autárquicas. Por essa altura, já tinha sido reeleito com quase 56% dos votos. Durão Barroso venceria as legislativas do ano seguinte e chegaria à chefia do governo em coligação com o CDS de Paulo Portas.
Pessoalmente, o Presidente sobreviveu a duas operações ao coração; politicamente, atravessou cinco governos, assistiu ao orçamento limiano e ao pântano de Guterres, conviveu com a “fuga” de Durão Barroso para a Europa e com a sua “mentira” sobre a Cimeira das Lajes, interrompeu o caminho de Santana Lopes dissolvendo a Assembleia e abriu o caminho para a eleição de José Sócrates. E ainda promoveu os primeiros referendos nacionais, foi recordista de vetos (22, todos ganhos), percorreu os 308 concelhos do país, passou pelos escândalos da Universidade Moderna e da Casa Pia e teve um papel fundamental na independência de Timor Leste, tendo sido o primeiro chefe do Estado português a fazê-lo.
Sempre preocupado com o futuro do país, antes de deixar a Presidência impulsionou a criação da COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, constituída em abril de 2003.
Como Presidente da República, coube-lhe fechar o processo de descolonização, que sempre defendeu. A 19 de dezembro de 1999 concretiza a transferência de Macau para a China. Desempenhou um papel ativo na condenação internacional da invasão de Timor Leste pelos militares indonésios, que acabariam por se retirar do território em 1999, abrindo caminho à independência a 20 de maio de 2002. Receberia, mais tarde, das mãos de Xanana Gusmão, uma bandeira de Portugal escondida durante a resistência.
Depois de sair de Belém, foi designado Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Luta contra a Tuberculose e, em abril de 2007, nomeado como Alto Representante para a Aliança das Civilizações. Fundou em 2013 a Plataforma Global para Estudantes Sírios, proporcionando a jovens que fugiam da guerra a oportunidade para continuarem a sua formação. Foi a última grande ponte que criou.
A sua ação política valeu-lhe um vasto número de condecorações oficiais, tanto em Portugal como no estrangeiro, em países tão diferentes como o Brasil, o Japão, Marrocos, Noruega, França, Reino Unido ou Moçambique, que atestam o prestígio internacional que granjeou.
Em 2015, foi a personalidade masculina escolhida para receber o primeiro Prémio Nelson Mandela das Nações Unidas, distinguindo o trabalho desenvolvido para a organização e o papel na independência de Timor Leste e na transição pacífica em Macau.