DIA DAS PESSOAS AFRODESCENDENTES FOI ASSINALADO COM CERIMÓNIA NA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA

A Câmara Municipal de Lisboa (CML), celebrou, esta quarta-feira, dia 31 de agosto, o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes, com uma cerimónia comemorativa, que teve lugar nos Paços do Concelho.

Na cerimónia estiveram a vereadora responsável pelo pelouro dos Direitos Humanos e Sociais da CML, Laurinda Alves, a criadora da plataforma online da Rede Afrolink, Paula Cardoso, a cantora e compositora Lura, e ainda o músico Jair Pina.

Esta cerimónia tem como objetivo assinalar o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), de forma a exaltar as contribuições da comunidade em todas as áreas da atividade humana, salientando o papel das várias entidades locais e em particular as associações afrodescendentes, na promoção e plena inclusão da comunidade, reforçando igualmente as parcerias entre as associações e a autarquia.

A comemoração começou com a divulgação de um vídeo que reuniu testemunhos de alguns afrodescendentes a residir em Lisboa. De seguida, interveio a vereadora com o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais da CML, Laurinda Alves, que agradeceu a presença de todos os convidados, referindo que “este é um dia para falar de toda a comunidade”, abordando assuntos como a igualdade, o racismo, uma vez que esta comunidade “sofre na pele o estigma e a discriminação”.

Para a autarca, esta data é também importante para os vereadores da Câmara Municipal de Lisboa, com ou sem pelouro, saberem como podem ajudar a comunidade de afrodescendentes residentes na cidade, promovendo a inclusão e o combate às desigualdades. “Este executivo está inteiramente convosco”, referiu ainda Laurinda Alves, acrescentando ainda que a autarquia conta ainda com o apoio desta comunidade para “avançar juntos e melhorar aquilo que pode ser melhorado, nomeadamente as políticas e as questões da educação, que temos de reforçar”.

A vereadora abordou ainda a necessidade de “reforçar as questões da língua”, apesar de a língua portuguesa ser “uma língua que nos une”, é também preciso “começar a aprender a vossa língua com mais regularidade”, referindo que em Angola, “70% das pessoas falam português”. No entanto, para a autarca, apesar de existir cada vez mais pessoas a falar português, graças ao ensino de português nas escolas africanas, “já não vivemos na realidade colonial” e, por isso, “temos que chegar a uma era em que temos de acabar com algumas metástases que ficaram da época colonial”.

Para Paula Cardoso, filha de pais africanos, os quais estavam presentes na cerimónia, “tem de existir o reconhecimento do que é ser afrodescendente”, partilhando a sua experiência na escola, que “já foi toda feita em Portugal, e onde sentiu a diferença, a discriminação”. A fundadora do projeto Afrolink acrescentou ainda que foram estas vivências que determinaram aquilo que é hoje, “ativista e antirracista”. Na sua perspetiva, “a palavra afrodescendente tem um tom ou um sentido utilitário, e não é uma palavra que eu adore, porque eu considero que todos nós aqui em Portugal, ou a maior parte das pessoas designadas como afrodescendentes que eu conheço, são portuguesas e é esse direito que eu reivindico”.


Na mesma intervenção, Paula Cardoso confessa que durante muitos anos não reivindicou este direito, “porque era mais confortável e seguro afirmar-me como moçambicana”. Para a também jornalista, é necessário reforçar a identidade dos afrodescendentes, para além da questão dos direitos de cidadania, “que devem ser assegurados no estado de direito”.

Já a cantora Lura, que se identificou com o testemunho de Paula Cardoso, disse que a comunidade afrodescendente “é muitas vezes invisível” na sociedade. A artista, com dupla nacionalidade, confessa “não se sentir inferiorizada por ser uma mulher negra”, colocando “toda essa força, assim como a cultura cabo-verdiana” na sua arte, que é uma “das formas mais interessantes de colocar estes sentimentos”.

Lura aproveitou o seu discurso para recordar a primeira vez que foi a Cabo Verde, devido ao sucesso da música ‘Nha Vida’, cantada em crioulo. “Houve uma senhora que me abordou no mercado da Sucupira e me deu o maior abraço que eu podia receber”, contou a cantora, explicando que nesse momento, o povo cabo-verdiano a fez sentir em casa, apesar de só ter ido aquele país aos 21 anos. “Em Portugal nunca me disseram: ‘Lura tu és nossa’, nunca me fizeram sentir isso”, prosseguiu a artista, que ao longo dos tempos “foi tentando regressar às origens”, apesar de ter nascido em Lisboa.

Já Jair Pina, residente em Lisboa há 36 anos, confessou que foi discriminado quando chegou a Portugal, para jogar futebol, onde era chamado muitas vezes de “preto”, expressão que não agradava ao antigo jogador, nascido em Cabo Verde. No entanto, Jair Pina, que se dedicou à música, confessa “ser muito bem recebido e acolhido em Portugal”, tendo-se tornado um “cidadão do mundo”, devido à sua profissão. O artista, que trabalha com Lura, diz que “Lisboa precisa de fazer mais na divulgação da cultura africana”, uma vez que “gostaria que os grandes artistas que se veem no Coliseu fossem convidados para ir aos bairros tocar, porque muitos dos que compram CD’s destes artistas são dos bairros, são os afrodescendentes que nasceram cá”.

Jair Pina defende ainda que os artistas afrodescendentes devem ser convidados mais vezes para “os grandes festivais”, apesar de começar a existir uma maior aposta e divulgação da cultura africana. “Há pouco tempo fui à Buraca convidar batucadeiras para um concerto no Coliseu”, dando o exemplo da cantora Madonna, “que levou o batuque e o funaná pelos quatro cantos do mundo”, e ainda de artistas como Lura, Dino D’Santiago ou Mayra Andrade, que têm contribuído na divulgação dos ritmos cabo-verdianos. “O que nos une é a cultura”, acrescentou o artista, que “recebe todas as raças e nacionalidades no seu espaço”, o DjairSound, localizado na Rua das Janelas Verdes.

O mesmo pediu ainda à Câmara Municipal de Lisboa que ajudar a levar os artistas dos bairros, “que não têm condições” às grandes salas, tal como é feito em países como os Estados Unidos ou Inglaterra, que levam “a cultura afro às universidades e aos bairros”, por exemplo. “Apelo que Lisboa seja mais acolhedora, o racismo existe há mais de 500 anos, não acaba, e devemos enfrentá-lo, se não barramos o racismo, ele tem tendência a crescer cada vez mais”, acrescentou Jair Pina, apelando ainda à união entre culturas.

De acordo com a CML, em nota de imprensa, o Dia Internacional dos Afrodescendentes tem como propósito homenagear “as valiosas contribuições da diáspora africana pelo mundo, visando, também, a eliminação de quaisquer formas de discriminação contra afrodescendentes”. A efeméride chegou a Lisboa através do pelouro dos Direitos Humanos e Sociais da autarquia, que contou ainda com o apoio das associações Together2Change, Coletivo Mulheres Negras Escurecidas, Afrolis, Associação de Mulheres Cabo-verdianas na Diáspora em Portugal e Coletivo SAMANE, na comemoração da data.

Importa ainda referir, que a CML trabalha em conjunto com estas associações e grupos, em paralelo, com o propósito de garantir os direitos sociais e humanos da população afrodescente em Lisboa. O Dia Internacional dos Afrodescendentes foi proclamado através da Resolução 43/1, adotada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas a 19 de Junho de 2020, e, em 2021, começou a ser celebrado em vários países.

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