A data nunca foi consensual e reflete diferentes perspetivas sobre a leitura dos factos da história recente de Portugal e, em particular, do regime democrático. Durante este sábado, a Câmara Municipal de Lisboa levou por diante, pela primeira vez, um programa comemorativo oficial alusivo aos acontecimentos ocorridos a 25 de Novembro de 1975. Nessa data, forças militares chefiadas pelos comandos puseram termo ao denominado Processo Revolucionário em Curso (PREC), iniciado após o 25 de Abril de 1974.
No dia em que se assinalam 48 anos sobre o “25 de Novembro de 1975”, Carlos Moedas depositou uma coroa de flores, na Calçada da Ajuda, numa homenagem aos dois comandos que perderam a vida nas operações militares: Tenente José Coimbra e Furriel Joaquim Pires.
O presidente da Câmara de Lisboa defendeu este sábado que, até agora, celebrar o 25 de Abril foi “um exercício incompleto”, estando a faltar uma peça fundamental: a comemoração do 25 de novembro. A oposição esteve de fora destas comemorações não se fazendo representar nas comemorações.
Os vereadores do Partido Socialista na câmara de Lisboa, segundo a vereadora Inês Drummond, “Carlos Moedas vem agora impor umas comemorações do 25 de novembro que pretendem de alguma forma eclipsar o 25 de abril, numa tentativa de agregação do voto de direita que não se revê nas comemorações do 25 de abril”.
O Partido Comunista mostra-se também contra esta comemoração. O vereador João Ferreira acusa Carlos Moedas de estar a agir contra as decisões do executivo camarário, recordando que a Câmara de Lisboa aprovou um voto de condenação pelo anúncio das comemorações do 25 de novembro pelo presidente da autarquia, proposto pelo PCP, por constituir “uma tentativa de menorizar a dimensão e significado da Revolução de Abril”.
Comemorar Abril é insuficiente
“No último 5 de outubro firmei um compromisso: celebrar o 25 de novembro porque todas as datas contam e esta em particular, mais do que nunca, é importante. Quase nos 50 anos do fim da ditadura, comemorar Abril é um exercício incompleto. Faltava-nos o 25 de novembro”, aponta Carlos Moedas, num discurso que contou com a presença da procuradora-geral da República, Lucília Gago e do chefe de Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo.
A Câmara de Lisboa abriu as portas do Paços do concelho para assinalar este ano, pela primeira vez, o 25 de novembro, uma data que o edil considera que travou “nuvens escuras e carregadas” de “escurecer as cores e o brilho de Abril”.
“Podíamos ter tido mais um inverno, mas tal não aconteceu, porque depois de Abril tivemos novembro”, aponta.
Numa altura em que “tudo na nossa memória se parece apagar”, Carlos Moedas assegura que não quer “que a memória da democracia” portuguesa seja tratada de forma “negligente”.
“Celebramos as datas que nos parecem fundamentais, mas logo depois esquecemos”, lamenta, acrescentando que um “país sem memória não tem futuro”. Carlos Moedas atira assim que “reavivar a memória é aquilo que qualquer democracia madura deve fazer”.
Vencedores moderados
O edil lembra o 25 de novembro como o dia em que se deu a “vitória da democracia sobre o radicalismo”, agradecendo aos “vencedores moderados”.
“O poder militar pretendia ser o motor do poder político, alguns queriam que a legitimidade revolucionaria substituísse a legitimidade eleitoral”, acusa, destacando que nesta altura “havia modelos de totalitarismo para todos os gostos”.
“Isto não era apenas uma fantasia de algumas mentes. Correspondeu também, na prática, a um projeto de poder, disse Carlos Moedas, sublinhando que esse “projeto de poder podia ter levado os portugueses por um caminho perigoso de fricção, de conflito e – porventura até – à guerra civil”.
Carlos Moedas afirma ainda que este dia serve também para refletir os acontecimentos de 1975 à “luz do dia de hoje”, em que existe “um vazio capturado por minorias barulhentas”, destacando que a falta de “ativismo moderado” faz com que as pessoas “se agarrem a radicalismos”.
“Se hoje temos democracia pluralista, um país europeu, temos de dizer que o devemos a todos os nossos militares, a quem agradecemos muito pouco”, considera.
Moedas lamenta falta do PS
Moedas revela ainda ter “pena que uma parte do PS” da câmara “não tenha seguido o caminho dessa memória” e saúda, particularmente, Carlos Lages por ter marcado presença nesta cerimónia.
O presidente da Câmara de Lisboa terminou o seu discurso com uma “pequena história”, em que conta que a vontade de celebrar este dia nasceu de um almoço “único”, em que Ramalho Eanes destacou que os militares do 25 de novembro nunca tinham sido “honrados”.
“Estamos aqui porque queremos corrigir isso e porque é essa a vontade do presidente da câmara, dos lisboetas”, garante, reforçando que “a promessa do 25 de Abril, sem o 25 de novembro, nunca se poderia cumprir”.
Grupo dos Nove
Lembrando o dia em que “a democracia venceu o extremismo”, Carlos Moedas apontou os “heróis” dessa data, nomeadamente o general Ramalho Eanes, Jaime Neves, Melo Antunes e todos os militares do grupo dos 9, enaltecendo “os militares moderados que souberam interpretar a vontade do povo português – que sabiam que a legitimidade do voto é a única legitimidade que conta numa democracia”.
Na cerimónia, onde também discursou o general Rocha Vieira, um dos membros do Conselho da Revolução e um dos responsáveis pela passagem à reserva compulsiva de Otelo Saraiva de Carvalho, punição por este desenvolver intensa actividade política, incompatível com o seu estatuto de militar no activo, foram entregues placas evocativas ao Coronel Florindo Baptista Morais, instrutor do Tenente José Coimbra na Academia Militar e a Vítor Manuel Pires, irmão do 2º Furriel, Joaquim Pires.
O general Rocha Vieira defendeu que celebrar o 25 de Abril implica celebrar o 25 de Novembro e vice-versa. Para o general Vasco Rocha Vieira, o 25 de Abril, em conjunto com o 25 de novembro, são “duas datas”, marcados por dois documentos: o Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), quando da Revolução dos Cravos, e o Documento dos Nove, no 25 de novembro. São “duas datas e dois documentos” que “abriram as oportunidades do futuro para os portugueses”. O “dever”, concluiu o último governador português de Macau, “é responder” pelo que foi feito dessas oportunidades.
Sem falar do presente, Rocha Vieira sintetizou os tempos que se vivem na atualidade: “A democracia é o regime político que se fundamenta na escolha de todos, onde todos os votos são anónimos e todos os votos contam”. E rematou com a ideia de que “o que a democracia realiza é o que os eleitores quiserem que seja feito, afastando os que não cumprem sem ser necessário recorrer à violência”.
Nuno Melo: Uniu democratas
Para o eurodeputado e dirigente do CDS, Nuno Melo, o 25 de novembro é “uma data que une os democratas” e para criticar a atual posição do PS relativamente a esta data histórica que, em seu entender trouxe a liberdade e a democracia a Portugal, depois do 25 de Abril ter provocado a queda do Estado Novo.
“Achamos inconcebível que o PS ou parte do PS renegue o 25 de Novembro de que também foi obreiro. Quando pensamos no 25 de novembro, pensamos naquele famoso comício na Fonte Luminosa em que Mário Soares e os moderados do PS, ao lado do CDS, se levantaram contra os extremismos”, criticou.
Nuno Melo disse identificar razões pelas quais o PS renega o 25 de novembro, a começar pelo facto de alguns dirigentes locais e distritais socialistas ao tempo do 25 de novembro de 1975 terem estado ao lado do PREC, antes de evoluírem e associarem-se ao PS.
Outra razão, alegou, reside no facto de, em 2015, o PS “ter aberto a porta à extrema-esquerda” com a gerigonça e hoje “não se sentir confortável em celebrar o 25 de novembro”.
Uma terceira razão, concluiu, está no facto de haver toda uma nova geração no PS que “não tem memória, nem política, nem histórica, à esquerda”, desvalorizando assim esta data histórica de que o PS foi obreiro.
Um momento musical com Armindo Fernandes na guitarra portuguesa e Pedro Soares na viola do fado, encerrou a cerimónia. Também neste sábado realizou-se, no Palácio Galveias, a conferência “Democracia e Liberdade: Cumprir Abril em Novembro”, com a participação de Álvaro Beleza e José Miguel Júdice, moderado por Helena Matos.
Ainda no âmbito desta comemoração, encontra-se patente na Praça do Município, até 17 de dezembro, a exposição “25N – a história que não te contaram” pelo Instituto +Liberdade.