Em dia de luto nacional, A.R. assinalou os 51 anos da revolução de Abril de 1974.

Quando faltam 23 dias para as Legislativas antecipadas de 18 de maio e cumprem-se 50 anos das eleições que levaram a São Bento os primeiros 250 deputados eleitos livremente e em sufrágio universal, Marcelo Rebelo de Sousa subiu esta sexta-feira à tribuna do Parlamento para o seu último discurso enquanto Presidente da República numa sessão solene de celebração do 25 de Abril. Será o primeiro dos três grandes discursos que terá de fazer nos 318 dias que lhe faltam para deixar Belém (9 de março de 2026). O seguinte será o do 10 de Junho e o terceiro o do 5 de Outubro. O Presidente iniciou esta quinta-feira à noite as suas celebrações do 51.º aniversário da Revolução dos Cravos homenageando os capitães num jantar na Associação 25 de Abril, em Lisboa.

Quando, no início da semana, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou um período de luto nacional de 24 a 26 de abril pela morte do Papa Francisco, não se ouviram muitas críticas na praça política, tirando um ou outro apontamento em espaços de comentário televisivo sobre a laicidade do Estado. As críticas multiplicaram-se, contudo, nas redes sociais, vindas dos partidos da esquerda e da Associação 25 de Abril, depois de o Governo ter anunciado as restrições às comemorações do 25 de Abril, que levantaram dúvidas e levaram a que o Governo corrigisse informação prestada há 24 horas.

Apesar da polémica gerada em torno das comemorações dos 51 anos de Abril, a Assembleia da República reuniu-se esta sexta-feira para a tradicional sessão solene que assinala o aniversário da Revolução dos Cravos e que este ano também celebra os 50 anos das primeiras eleições livres: as eleições para a Assembleia Constituinte, que se realizaram a 25 de abril de 1975.

A sessão ficou marcada pelo facto de o país estar em pré-campanha eleitoral, daí que cinco partidos tiveram os próprios líderes a discursar: Pedro Nuno Santos (PS), André Ventura (Chega), Rui Rocha (IL) e Mariana Mortágua (BE), Inês Sousa Real (pelo PAN, neste caso sem possibilidade de ser outra pessoa a intervir, por ser deputada única). Pelo Livre interviu Isabel Mendes Lopes, co-líder do partido (com Rui Tavares). O PSD participará através de Teresa Morais (vice-presidente da AR) e o PCP escolheu António Filipe (n.º 2 da lista da CDU às legislativas em Lisboa).

Outra marca desta sessão foi o luto nacional pela morte do Papa Francisco, o que implica ter as bandeiras a meia haste e, por isso, não houve a tradicional revista às tropas, tendo a sessão começado com um voto de pesar pela morte do Papa Francisco.

A sessão começa às 10h00. Na sala de plenários, com a também tradicional decoração com cravos vermelhos, o Presidente da República faz o seu último discurso do 25 de Abril exatamente 50 anos depois de ter sido eleito deputado constituinte.


Marcelo Rebelo de Sousa, que encerrou a sua última sessão solene do 25 de Abril como Presidente da República fazendo um paralelo, na extensão quase total do seu discurso, entre o legado do Papa Francisco com o da Revolução dos Cravos.

Depois de perguntar “o que é que têm a ver os factos, os problemas e o modo de Francisco de com eles lidar com o 25 de Abril?”, o Presidente respondeu: “Tudo, tudo! Dignidade, humanidade, paz, justiça, liberdade, igualdade, solidariedade, fraternidade, abertura, inclusão, serviço dos outros, preferência pelos ignorados, omitidos e silenciados”.

Marcelo encerrou mesmo a sua curta intervenção – não mais de 12 minutos – apelando a que se viva a ideia de “25 de Abril sempre” dentro do espírito de “radical humildade” com que Francisco “viveu e nos ensinou a viver”.

Mais uma vez, perguntou e respondeu: “25 de abril sempre? Sim, se com incessante busca dos valores. O pleno e descomplexado abraço a todas as pessoas e a atenção a todas as coisas. E na radical humildade com que Francisco que viveu e nos ensinou a viver.”
“Que para sempre viva esse espírito. Viva a liberdade, viva a democracia, viva Portugal!”, concluiu o Presidente.

Aguiar Branco pede mais trabalho político

Por seu turno, Aguiar Branco, presidente da Assembleia da República, homenageou, mais do que o ato e a ocasião, os 5,7 milhões que foram votar no dia 25 de abril de 1975. E, a menos de um mês de novas eleições, deixou um recado a quem vai para a rua, pedindo maior responsabilidade e ação à classe política e alertando que a principal causa da displicência eleitoral é “tantas vezes a incapacidade de apresentar resultados”.

José Pedro Aguiar Branco admitiu que é dito frequentemente que “os portugueses não confiam nos políticos”, mas considerou que “confundimos as causas com as consequências” e que a abstenção, o populismo e a desinformação “não são causas”, mas sim “consequências” da falta de diálogo e trabalho político. “A raiz do problema é tantas vezes a incapacidade de apresentar resultados, de falar de futuro, construir futuro e de estar à altura de quem nos elegeu”, argumentou.

Não só em Portugal, mas na Europa, “em que fazemos tantas cimeiras, mas temos cada vez mais dificuldades em chegar a soluções concretas”. “Os políticos não podem ser meros comentadores e analistas da realidade, como se não tivessem os instrumentos, o poder e o mandato para alterar as coisas. São construtores da realidade”, sublinhou.

Advertiu que a deterioração do sistema ocorre sempre que se abdica “dos famosos consensos”. E, por isso, defendeu que, por muita discordância que haja sobre a justiça, a imigração, o papel do Estado e as aulas de Cidadania, “todos” concordam, respetivamente, que “é preciso integrar quem chega”, é preciso “uma reforma” da Justiça, que a carga fiscal “é excessiva e que “a escola pública precisa de atrair mais e melhores professores”.

“Podemos discordar uns dos outros, das ideias uns e de outros, que é a essência mais preciosa do ser democrático, mas todos concordamos que é preciso ter estabilidade política e que o povo a deseja”, reforçou. No final, citou o Papa Francisco para vincar o apelo aos políticos. “Não sejais administradores de medos, mas empreendedores de sonhos. O que espero não é nada menos do que isto”, assinalou.

Sobre os eleitores de 1975, elogiou-os porque “sem nunca antes terem vivido em democracia, sem saberem o que esperar da democracia, sem sondagens ou ideia da real implantação dos diferentes partidos políticos, sem garantias que o resultado seria aceite por todos, sem certezas que estariam seguros no exercício do voto, mesmo assim foram votar”.

E, sobre quem trabalhou nesse dia, em 25 de abril de 1975, apontou para três convidados na galeria que trabalharam nas mesas de voto para as eleições constituintes, para lembrar quem permitiu que a democracia se cumprisse. “Se a democracia funciona é porque alguém, no anonimato mais nobre, a fez e a faz funcionar no momento maior da livre expressão da vontade do povo português”, disse.

PSD fala de “democracia consolidada, mas imperfeita”

Em representação do PSD, a deputada Teresa Morais considerou que em Portugal a democracia está consolidada, mas “ainda imperfeita” e cita o exemplo de “desigualdades várias que resistem na sociedade, como aquelas que “mantêm as mulheres em baixos níveis de participação política” e o combate à violência doméstica que deve ser “prioridade absoluta”, defendeu.

“Este é um objetivo civilizacional sem o qual nenhuma democracia se pode considerar completa.”

A deputada social-democrata avisa ainda que “as redes sociais estão a tornar-se um risco para as democracias”, defendendo que “salvaguardando a liberdade de expressão, não se deve permitir que se partilhem crimes”, numa referência ao recente caso da partilha de imagens de uma alegada violação.

PS quer devolver “esperança” ao povo

Já o líder do PS começou por saudar os capitães de Abril presentes nas galerias do Parlamento e também Mário Soares. “Cancelar as celebrações do 25 de Abril não é só um ato de desvalorização da data maior da nossa democracia e de desrespeito para com os portugueses, é, sobretudo, o reflexo de um Governo desligado do sentimento popular”, afirmou Pedro Nuno Santos, sublinhando: “Hoje, o povo sai à rua, enquanto o governo fica à janela.”

O líder socialista falou numa democracia que “vive” um “paradoxo” entre uma “maior exigência de transparência e um sentimento de desilusão”. “Por um lado, a democracia é hoje mais exigente do que alguma vez foi. Sujeita os políticos a um maior escrutínio e impõe-lhes um maior nível de transparência e de integridade ética do que em qualquer outro momento da história (…) Por outro lado, é inegável que muitos portugueses estão desiludidos com os salários que recebem, com o custo de vida que têm de suportar e com a falta de oportunidades dos seus filhos.”

Pedro Nuno Santos deixou críticas, por isso, à extrema-direita, que “não faz outra coisa que não seja explorar e ampliar a desesperança e a legítima indignação de muitos portugueses”.

Chega contra indemnizações a ex-colónias

André Ventura, sem cravo, recorda Celeste Caeiro para afirmar que a mulher que distribuiu cravos “morreu abandonada numa urgência”.

“Depois de tanto cravo e de tanta festa, morreu sozinha num país que não lhe deu resposta. Não me venham com cravos, venham com soluções,” atira.

Quase a fechar a intervenção, o líder do Chega dirige-se a Marcelo Rebelo de Sousa a propósito do apelo feito pelo Presidente da República para que seja feita uma reflexão sobre as reparações: “enquanto o Chega cá estiver, não será pago um cêntimo de indemnização a uma antiga colónia,” diz.

Antes, André Ventura tinha insistido nas críticas às políticas de sucessivos governos nas áreas da habitação, justiça, saúde e combate à corrupção, citando Salgueiro Maia: “o 25 de Abril não se festeja, cumpre-se.”

IL apela a “mudança urgente e necessária”

Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, salientou que “este é um dia que merece dupla celebração”. “Celebram-se hoje 50 anos sobre o dia em que se realizaram em Portugal as primeiras eleições livres após a queda da ditadura. Este 25 de Abril é, por isso, um dia que merece dupla celebração. Foi nesse 25 de Abril de 1975 que os portugueses disseram, pela primeira vez e sem margem para dúvidas, que não queriam viver sob regimes autoritários”, afirma.

No entanto, alerta que Portugal “ainda tem longo caminho a percorrer”, dando o exemplo da saúde, da habitação e da educação.

“Precisamos de um Estado melhor, que exista para servir os cidadãos e não para se servir deles. O Estado que vê nas pessoas que trabalham simples pagadores de impostos é um Estado sem estratégia. As pessoas não trabalham para suportar um Estado: trabalham para viver, para ter uma vida condigna e para dar o melhor às suas famílias. Precisamos, pois, de um Estado ao serviço das pessoas e das empresas”, sublinha, dizendo que “só a Iniciativa Liberal tem a convicção de fazer o caminho urgente e indispensável da modernização do Estado”.

BE: “Democracia não está vacinada contra o ódio”

Mariana Mortágua insiste na crítica à decisão do Governo de adiar as “festividades” do 25 de Abril. “Que o Governo de Portugal esteja disposto a adiar as comemorações do 25, é só a triste confirmação que nem o dia mais feliz consegue iluminar todo o futuro de um povo”, considera a líder do Bloco de Esquerda.

Dirigindo-se diretamente a Luís Montenegro, a líder bloquista questionou: “Sr. primeiro-ministro, de que serve adiar as comemorações do 25 de Abril se as palavras de Francisco são tão cinicamente ignoradas?”

“As últimas que disse, denunciando o delírio da guerra, e especialmente as pronunciadas em Lisboa – todos, todos, todos. Incluindo os sobreviventes da Palestina, as pessoas ciganas, as mulheres, os migrantes,” recorda.

A líder do Bloco terminou com um apelo aos jovens: “Admiro os jovens que hoje olham apreensivamente as ameaças do novo fascismo. Ao contrário de mim quando tinha a tua idade e aprendia a ser gente no Largo do General sem Medo, tu hoje sabes perfeitamente que a democracia não está vacinada contra o mal do nosso tempo. Vês o discurso de ódio a entrar pelos pátios da escola, pela rua, pelo telemóvel. E apesar dessa ameaça e dessa apreensão, sais à rua de cravo na mão. Este é o tempo que nos calhou viver, e para o enfrentar temos connosco o segredo que Celeste Caeiro um dia contou a Portugal: num cravo cabe outro mundo.”, conclui.

PCP ataca a extrema-direita

António Filipe, o deputado com mais anos de Parlamento, começa por invocar o exemplo do Papa Francisco e invoca também a ação dos Capitães de Abril. “A democracia está hoje sob ameaça daqueles que a tentam denegrir,” avisa, lembrando que a extrema-direita que, “dizendo-se antissistema, representa o pior do sistema que tem.”

De cravo na lapela, António Filipe expressa a convicção de que a “democracia tem força suficiente para derrotar os seus inimigos.” “Está nas mãos do povo a concretização dessa vida melhor que Abril iniciou,” afirma o deputado do PCP.

Invocando as lutas dos trabalhadores e das populações, António Filipe ataca “a direita retrógrada, obscurantista e profundamente reacionária”.

Livre relembra Celeste Caeiro

Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, começou por recordar Celeste Caeiro, a mulher que distribuiu “por acaso” os cravos aos soldados da Revolução. “Transformou a nossa revolução mais bela na Revolução dos Cravos e tornou esta flor símbolo da liberdade”, refere.

“Foi um acaso, mas não foi uma coincidência”, afirma, recordando ainda os 50 anos das primeiras eleições livres: “As filas para votar para a Assembleia Constituinte eram imensas.”

“O momento é mesmo ameaçador”, lamenta Isabel Mendes Lopes, considerando que “é fácil cair na ditadura”.

“Este é o momento para fazermos história, a nossa história”, diz, apelando ao voto nas próximas eleições legislativas: “Votem como se a nossa vida e a nossa liberdade dependessem disso, porque, na verdade, dependem.”

CDS lembra que AD nunca perdeu eleições legislativas

Paulo Núncio, do CDS, traça um paralelo entre 1975 e as eleições de 18 de maio, apelando aos eleitores para “não deixarem a estabilidade nas mãos das oposições que se entenderam para derrubar, mas não para construir”.

“Um centro-direita que é moderado na política, bem-sucedido na economia, justo no social, regulador na imigração, e certo, certinho nas contas públicas! É isto que assusta as oposições de esquerda!”, afirma.

O líder da bancada do CDS lembra que, desde 1979, “a fórmula AD nunca perdeu eleições legislativas”. O líder parlamentar do CDS recorda ainda que nesta data se assinalam não apenas “a queda de um regime autoritário, sem soluções internas ou externas”, mas também os 50 anos das primeiras eleições livres e democráticas em Portugal.”

“Os mais radicais do 11 de março diziam e cito: ‘As conquistas da revolução não podem ser postas em causa pela via eleitoral.’ Para uma minoria era um voto condicionado! Mas para a larga maioria era e só podia ser um voto inteiramente livre!”, atira.

PAN: “É urgente a esperança na democracia”

Inês Sousa Real, porta-voz e deputada do PAN, citou os exemplos de Maria Teresa Horta, do Papa Francisco e do Capitão Matos Gomes para considerar que “é urgente a esperança da democracia” mesmo quando existe um cansaço pelas sucessivas idas às urnas.

Sousa Real invoca problemas como a violência doméstica como um dos problemas que persiste.

Em tempo de pré-campanha, Inês Sousa Real lembra o “retrocesso” que significou a ditadura.

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