“Revolução dos Cravos” reuniu milhares para gritarem bem alto: “Viva a Liberdade!”

O “Olhares de Lisboa” fez um périplo pelas celebrações mais marcantes do 25 de Abril na Grande Lisboa. Em Lisboa, Oeiras, Loures e Odivelas gritou-se bem alto: “25 de Abril Sempre!”

O Município de Odivelas não esquece o 25 de Abril. Para celebrar a “Revolução dos Cravos” organizou as visitas guiadas ao recém-requalificado Núcleo Museológico do Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, instalado no Quartel da Pontinha, local onde foram coordenadas as operações do movimento revolucionário que pôs fim ao período da ditadura em Portugal.

E foram muitos aqueles que quiseram “ver por dentro” o Posto de Comando onde Otelo Saraiva de Carvalho planificou toda a operação que derrubou o aparelho repressivo do Estado Novo.

“Viver sem nada”

Raimundo José, de 62 anos, trouxe um grupo de amigos para visitar o museu. Equipado com roupa de jogging, percorreu o espaço em silêncio, mas sussurrando algumas explicações aos companheiros.

Confessa ao “Olhares de Lisboa” que faz esta visita todos os anos, numa espécie de peregrinação pela liberdade, para “nunca esquecer os valores de Abril”.

Raimundo José lembra-se bem dos tempos da ditadura. Natural de uma aldeia próxima de Pêro Pinheiro, Sintra, explica que as condições de vida “eram paupérrimas” e que a aldeia “vivia totalmente isolada”, sem estradas, sem eletricidade, e que o único ponto de convívio era a taberna, onde os homens bebiam copos de tinto carrascão antes de voltar para as suas “casitas”, sem quaisquer condições de habitabilidade.

 

Para ilustrar o cenário da sua aldeia, o cidadão sintrense exemplifica: “Hoje, nem na aldeia mais isolada do Interior se encontra uma realidade como a da minha terra. Estávamos afastados de tudo, não tínhamos praticamente nada. Parecia que vivíamos numa realidade paralela, totalmente esquecidos por quem nos governava”, narra, acrescentando, porém, que “nem tudo era mau”, uma vez que, ao não haver nada, o sentido de comunidade “era muito forte”.

É para nunca se esquecer dos avanços sociais conquistados com a Revolução de Abril que, todos os anos, faz a mesma visita. “As mudanças são incontáveis. Passámos de uma realidade de uma longa noite de inverno para dias solarengos e de esperança, de oportunidades para todos”, conclui.

O cabo romântico do quartel da Pontinha

Virgínio Urbano, de 75 anos, é outro dos repetentes na visita à Pontinha. Transporta, com orgulho, um cravo na mão e desce a parada do quartel aos suspiros. Conta que também ele “fez parte” da Revolução.

Por altura da preparação do golpe militar na Pontinha, Virgínio Urbano cumpria o serviço militar no mesmo quartel. Já era casado e tinha um filho bebé. O cabo Virgínio não gostava de estar afastado da família, mas era obrigado a permanecer no quartel “mais do que o tempo desejado”.

O cabo tinha dentro dele a revolta de estar afastado do seu bebé e da esposa, “que é a mulher da sua vida e seu grande amor”, e nutria um desprezo profundo “pelos senhores que mandavam em tudo”.

Explica que a maior parte dos praças não se aperceberam do plano revoltoso que estava a ser congeminado pelos Capitães de Abril. “Não demos conta de nada. Só ficámos a saber da Revolução, quando se deslocaram para aqui outras unidades militares”, diz, adiantando que conserva algumas memórias da figura de Otelo Saraiva de Carvalho. “Era um oficial cheio de energia”, mas estava longe de imaginar que seria ele o “cérebro” da Revolução dos Cravos.

Quando se apercebeu verdadeiramente do que estava a acontecer, “que estava a participar num ato que mudou a história do país”, rompeu aos saltos e aos pinotes. “Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Saímos para a rua, mas fui logo procurar o meu amor e o meu bebé. Foi uma celebração que não tenho palavras para descrever…”

Odivelas “é uma terra de Abril”

O presidente da Câmara de Odivelas, Hugo Martins, marcou presença nas celebrações do quartel da Pontinha. Num ato simbólico, acompanhado de alguns elementos do Executivo, transportou um cesto com 51 cravos para oferecer ao atual comandante do Posto de Comando onde tudo começou, o major-general Pedro Oliveira, comandante da Unidade de Intervenção da Guarda Nacional Republicana, sediada no antigo quartel da Pontinha.

Em declarações ao nosso jornal, o edil sublinhou que Odivelas “nunca esquecerá o 25 de Abril”. Para o autarca, foi graças à Revolução dos Cravos que Portugal se tornou um país “mais livre, mais justo, mais democrático”.

Hugo Martins diz que o 25 de Abril é um marco histórico que mudou a história do país e ficará “sempre associado ao concelho de Odivelas, que é um dos baluartes do 25 de Abril”, por via do Posto de Comando que “foi o cérebro da Revolução”.

O presidente do Município aproveita para lembrar que Odivelas está em consonância com os valores de Abril. “O nosso concelho tem renovado os valores de Abril, com a aposta na educação pública, na saúde, não obstante a dificuldade em angariar profissionais, temos neste momento 10 milhões em equipamentos de saúde. Portanto, temos apostado na escola pública, no SNS, ou seja, os valores de Abril em Odivelas estão sempre na ordem do dia”, anotou.

Corrida da Liberdade

Também neste dia realizou-se a tradicional Corrida da Liberdade e ainda a Pedalada da Liberdade, com partida da Pontinha e chegada à Praça dos Restauradores. A prova reuniu 3 mil e quinhentos atletas, mas também grupos de motards do concelho de Odivelas e de outros pontos da Grande Lisboa.

Hugo Martins considera que esta participação massiva de cidadãos de vários pontos do distrito de Lisboa expressa a adesão aos valores da liberdade, apesar de estarem “um pouco desgostosas” com a situação atual do país. “Não obstante o descontentamento e desagrado, as pessoas querem vir para a rua celebrar Abril. As pessoas têm consciência de que querem um país justo, livre, em que todos e todas possamos viver em sã convivência”, concluiu.

“Celeste dos Cravos” imortalizada na capital

No local onde, há 51 anos, Celeste Caeiro ofereceu um cravo a um soldado que lhe havia pedido um cigarro, a “Celeste dos Cravos” está agora inscrita no rosto de Lisboa. A placa, com o poema “Celeste em Flor”, de Rosa Guerreiro Dias, foi descerrada hoje, no final da Rua do Carmo, junto ao Rossio.

“És somente portuguesa; uma mulher em tantas mil; mas irás ser com certeza, Mulher dos cravos de Abril”. Está escrito na placa com o poema “Celeste em Flor”, de Rosa Guerreiro Dias, que presta homenagem à mulher que inspirou o nome Revolução dos Cravos ao 25 de Abril de 1974.

Na homenagem prestada pela cidade, neste dia da Liberdade, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas, esteve acompanhado por vereadores das diversas forças políticas representadas no município.

“Já inscrevemos o nome de Celeste Caeiro na história de Lisboa, através da atribuição de uma medalha. Hoje, estamos a inscrevê-la no rosto de Lisboa, naquilo que ela verdadeiramente é: Celeste dos Cravos, a mulher da Liberdade. Uma mulher simples que naquele dia mudou a história do mundo”, sublinhou Carlos Moedas.

“Hoje, escrevemos o nome de Celeste Caeiro em Lisboa. Hoje, no dia em que celebramos a Liberdade, damos outro passo: eternizamos o seu gesto num espaço público da cidade. Celeste não planeava mudar a História naquele 25 de Abril. Mas mudou. Com um gesto simples e corajoso, ofereceu um cravo a um soldado e inaugurou, sem saber, a primavera que todos esperávamos: A promessa de mudança. A promessa de esperança. A promessa de liberdade. Lisboa não esquece”, reiterou Moedas.

O autarca aludiu ainda ao facto de o 25 de Abril ter “permitido que o filho de um comunista, do Alentejo, estivesse aqui hoje a homenagear esta filha da cidade de Lisboa”.

Revolução sem sangue

Num discurso emotivo, em representação da família, a neta, Carolina Caeiro Fontela, lembrou a “enorme bondade” que caracterizava a avó, agradecendo à cidade a homenagem.

Carolina assumiu o “orgulho” de ser neta da homenageada, lembrando a “coragem” da avó. “Celeste não mostrou medo aos soldados e não hesitou em oferecer um cravo ao soldado que lhe havia pedido um cigarro. Com esse gesto simples, ajudou a fazer uma revolução sem sangue. Com um gesto simples, de uma mulher simples, escreveu-se História”, demonstrando que, afinal, a História “nem sempre é feita pelos grandes e poderosos.

A neta de Celeste Caeiro agradeceu a homenagem ao Executivo de Moedas, mas fez questão de lembrar o papel do PCP no eternizar da memória da avó. Recordou Celeste Caeiro como a “militante comunista” e agradeceu ao vereador do PCP João Ferreira, “por quem Celeste tinha imenso carinho e amizade”, o facto de ter ajudado a eternizar o nome da avó.

A cerimónia terminou com um sonoro: “Viva o 25 de Abril. Viva Celeste Caeiro”, aplaudido (e repetido) vivamente por todos os presentes.

Oeiras inaugurou segundo painel alusivo ao “Verão Quente”

Em 2024, o Município de Oeiras inaugurou o “Passeio da Democracia” com o primeiro de quatro murais intitulado “Testemunho da Revolução”, integrando as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974 em Oeiras.

Este ano, a 25 de abril, foi inaugurado o segundo painel, alusivo ao 11 de março e ao período conhecido por Verão Quente de 1975. Seguir-se-ão mais dois murais, que retratarão o 25 de Novembro e o 25 de Abril de 1976, que recorda a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa. Estes murais são da autoria da artista plástica Mafalda Gonçalves, que marcou presença na iniciativa para explicar o teor das suas intervenções.

Pluralidade democrática de Oeiras

O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, aproveitou para lembrar que Oeiras “é um concelho que faz cumprir os valores de Abril”, explicando que as iniciativas artísticas no “Passeio da Democracia” representam um marco da “pluralidade democrática” em vigor no território, que não demoniza nenhum dos momentos que marcaram a história recente da entrada na democracia.

De forma descomplexada, Isaltino Morais lembrou algumas das características dos protagonistas da época, como o “entusiasmo” de Otelo Saraiva Carvalho, o “romantismo trágico” de Vasco Gonçalves ou a “sensatez” do seu conterrâneo Costa Gomes (natural de Chaves, tal como Isaltino Morais), que “estabilizou” o país no período conturbado do “Verão Quente”.

“É bom lembrar que Portugal esteve à beira de uma guerra civil”, apontou. Daí ser “muito importante” “contar” essa parte da História no “Passeio Da Liberdade”, segundo o autarca.
Para o edil, tendo o 25 de Abril no epicentro dos acontecimentos, os diferentes períodos à entrada na era democrática devem ser tratados “sem sectarismos”, mas tendo, sempre, em atenção que a democracia “é algo que se constrói todos os dias”.

Isaltino Morais lembra, a este propósito, as críticas dos “mais novos” aos autores da revolução, e àquilo que ficou por cumprir. “Reconheço a frustração, mas a culpa (dos problemas atuais) não foi de quem fez a revolução. Cabe-nos continuar a construir e desenvolver a democracia e a liberdade, que são fundamentais”, sustentou.

Minuto de silêncio pela morte do Papa

Loures celebrou Abril com múltiplas iniciativas culturais, mas também políticas, assinalando a data como um dos dias mais importantes para a História do país.

No dia 25, a sessão solene das celebrações da revolução ficou marcada pela homenagem da deputada do PS e presidente da Assembleia Municipal de Loures ao Papa Francisco. Susana Amador sublinhou que o sumo pontífice, com o seu exemplo, ação e intervenção, espelhou no mundo os valores de Abril.

A responsável, nascida no dia 25 de Abril de 74, assegurou que Francisco foi, durante o seu papado, uma voz na defesa dos mais pobres, mas também um verdadeiro democrata que ergueu a voz para com as injustiças do mundo, pela paz, contra o ultra-capitalismo “selvagem”, um verdadeiro homem do 25 de Abril.

Lembrou também a “ligação” de Francisco ao território de Loures, onde esteve por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude.

Susana Amador solicitou um minuto de silêncio pela morte do Papa. Todas as forças políticas, da esquerda à direita, respeitaram o minuto de silêncio em memória do Papa do “povo” e de “Abril”.

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