O autor da Grande Marcha de Lisboa deste ano, Eugénio Cardoso Lopes, mais conhecido no meio artístico como Gimba, esteve à conversa com o Olhares de Lisboa, onde revelou qual foi a sua inspiração para o tema que será interpretado por todas as marchas a concurso já no próximo fim-de-semana na Altice Arena, e na noite de Santo António, de 12 para 13 de junho. Para o compositor, que conquista pela quarta vez o concurso da Grande Marcha, a sua grande inspiração foi “a cidade de Lisboa, que é uma fonte de inspiração eterna”.
Eugénio Cardoso Lopes, mais conhecido no meio artístico como Gimba, é o autor da Grande Marcha de Lisboa deste ano, ‘Alma de Lisboa’. A inspiração partiu da ideia de que “a Alma de Lisboa é uma espécie de uma cantiga. A ideia original era fazer uma coisa popular e eu lembrei-me muito daquela música, ‘Cantiga da Rua’, e foi esta a base que lançou o refrão. A escrita de uma canção não é uma escrita cronológica, ou seja, não se começa na primeira nota e na primeira linha do texto. Eu comecei pelo refrão e só depois é que fui construindo o resto”, explicou ao Olhares de Lisboa o músico e compositor, que já venceu o concurso da Grande Marcha de Lisboa quatro vezes, a primeira há 20 anos, em 2005, com o tema ‘A marcha mais alegre da Avenida’.
Em 2013 e em 2015, repete a proeza, com os temas ‘Lisboa tem uma festa que é só sua’ e ‘Santo António Canta a História’, respetivamente. As motivações para a participação neste concurso, admite, são sobretudo “o prémio monetário, que, e só para as pessoas terem uma ideia, o prémio da Grande Marcha de Lisboa é o triplo do prémio monetário do Festival da Canção, por exemplo. Mas claro que, à parte disso, é sempre bom estar nesta lista que tem grandes nomes da composição, e é uma grande honra pertencer a essa galeria”.
Gimba é também o compositor das marchas de São Vicente
No entanto, e apesar da letra da Grande Marcha deste ano dizer ‘Alma de alfacinha | Anda por aí | Ela é tua e minha | Ela é de quem nasceu aqui’, Gimba considera que esta “Alma de Lisboa inclui todos. É alfacinha quem se torna de Lisboa, que pode ser um inglês, ou um português nascido em Almada ou no Barreiro, e que é absorvido por Lisboa”.
Para além das participações na Grande Marcha de Lisboa, Gimba é também, desde 2015, o compositor dos temas da Marcha de São Vicente. “Eu sou um alfacinha, adoro a minha cidade, tenho um amor incrível por Lisboa e a alma da cidade está nos bairros populares, nos bairros modernos, e em toda a parte. Lisboa é uma fonte de inspiração eterna”, acrescenta o músico, que também já foi jurado no concurso das Marchas Populares, em 2014. “Posso dizer que o resultado final não é de todo combinado”, considera Gimba, ressalvando que a pontuação final resulta do somatório de um todo.
Defensor da música cantada em português
No caso da avaliação da composição musical, “a primeira análise é a métrica. Depois, claro que há uma análise do sentido que a letra tem e da maneira como está escrita mas também da maneira como foi musicada”. “Uma letra vencedora é uma letra que tem a métrica correta, que é uma engraçada, gira, original, orelhuda e bem acasalada com a sua música”, explica o compositor, que gravou discos e produziu trabalhos de artistas nacionais como José Cid, Mário Laginha, Tim, Vicente da Câmara, Maria de Vasconcelos, Ena Pá 2000, Quinta Do Bill, entre outros. A entrevista decorreu no Clube Royale, uma loja vintage localizada no Chiado, na Rua do Poço dos Negros, e que é gerida por si e pela esposa, Tita, também está ligada ao mundo do espetáculo, como agente musical.
A música surgiu na vida de Gimba de uma forma muito natural. “Eu fui estudar para a Escola António Arroio, que sempre teve muita música. Os Afonsinhos do Condado têm o seu embrião nesta escola, quando eu me juntei com o meu amigo Jorge Galvão e levávamos as guitarras para a escola todos os dias e passávamos os intervalos e as horas livres a harmonizar”. “O meu pai, por outro lado, também sempre me encorajou, dizendo que a indústria do entretenimento ia estar altas no século XXI”, reforçou o músico, para quem as canções foram surgindo na sua vida um pouco de forma espontânea.
A ‘Oficina do Gimba’ forma futuros compositores
Gimba tem também uma oficina de canções, onde qualquer um poderá aprender esta arte, através de aulas online. A próxima formação está marcada para o mês de agosto, e as inscrições já estão abertas. “No início do século XXI, havia uma moda de se cantar em inglês, e eu comecei a querer incentivar a música escrita em português, até porque, a pouca música portuguesa que aparecia na altura estava mal musicada, havia muitos problemas de dicção, de ritmo e de acentuação das palavras”, explicou o músico, que já teve a oportunidade de formar muitos compositores que atualmente trabalham com grandes nomes da música nacional. “Eu tive um aluno, o Francisco Guimarães, que fez a formação por curiosidade, começou a escrever umas rimas e hoje em dia é um dos mais procurados”.
Nos dias de hoje, considera, a tendência já se está a inverter, e há cada vez mais artistas a cantar em português. “Por volta de 2006, surgiram os Deolinda, que no início tocavam num barzinho ao pé do Castelo de São Jorge, eles vieram ter comigo e com a minha mulher para serem agenciados por nós, e para falarmos com alguns artistas que conhecíamos, nomeadamente o Manuel João Vieira [membro dos Ena Pá 2000 e Irmãos Catita], e que estava ligado ao Maxime. Então, conseguimos promover um espetáculo dos Deolinda no Maxime, e a partir daí eles começam a vingar”, explicou o músico.
Música nacional está a ser cada vez mais valorizada, considera
Para Gimba, a banda liderada por Ana Bacalhau contribuiu para se começar a cantar em português, juntamente com a “editora Flor Caveira, os Pontos Negros, os B-Fachada”, que “ajudaram a fechar com a porta do inglês e toda a gente desatou a cantar em português e ainda bem”, dando ainda outros exemplos como o Samuel Úria e outros nomes mais recentes como Ana Lua Caiano ou A Garota Não. Contudo, salienta que não “é fundamentalista” e que a música nacional pode integrar várias línguas e influências, estando a tornar-se cada vez mais valorizada.
Apesar de já ter tido a oportunidade de trabalhar com alguns artistas de renome no panorama artístico nacional, Gimba revela que adoraria escrever temas para “o Rui Veloso ou para a Ana Bacalhau”, embora não pense muito nisto. “Se eu pensasse nestes termos, já teria feito canções para determinado artista”, conta, ressalvando que a composição de canções é algo que surge naturalmente. Gimba cresceu com as referências do jazz e de artistas como Tom Jobim ou Chico Buarque, e não considera que seja necessário ter “um gosto eclético” para se saber compor canções.