Montenegro versus Nuno Santos: “Falta ambição” ao PS e “falta de vergonha” à AD

    O caso Spinumviva entrou, esta quarta-feira, na campanha ao ser discutido durante o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, originando acusações mútuas de aproveitamento e de idoneidade e autoridade moral. Os líderes da AD e do PS estiveram frente a frente numa altura em que faltam três semanas para as eleições. O debate estava agendado para segunda-feira, mas foi adiado devido ao apagão que afetou a Península Ibérica, um tema que também esteve no centro da discussão.

    Ao contrário do que sucedeu há um ano, Luís Montenegro foi o vencedor tangencial do debate televisivo. De facto, o duelo final entre Luís Montenegro (AD) e Pedro Nuno Santos (PS) aconteceu na Nova SBE e com o apagão a marcar o arranque de um debate onde não faltou a saúde, economia, pensões e a habitação, mas também acusações (duras) de parte a parte: “não tem autoridade moral”, “não se vitimize”, “falta de ambição”, o que “falta de vergonha”. A fechar, o apelo ao voto do social-democrata na “estabilidade”, e do socialista na “confiança”.

    O debate estava agendado para segunda-feira, mas foi adiado devido ao apagão que afetou a Península Ibérica, um tema que esteve no centro da discussão desta noite de quarta-feira. Saúde, pensões, habitação e o caso que levou à queda do Governo foram outros dos temas que estiveram no debate. A segurança, a emigração e a situação internacional foram temas que estiveram longe do debate.

    O Secretário-Geral do PS evocou o polémico caso da Spinumviva, que envolve o primeiro-ministro, sublinhando que “ser sério é não misturar política com negócios”. Pedro Nuno Santos reforçou que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) depende da atuação do chefe do Governo, considerando, no entanto, que este não irá fornecer os esclarecimentos em falta — razão pela qual a comissão se mantém ativa.

    “Ser sério é não misturar política e negócios”, diz Pedro Nuno Santos nas declarações à margem do debate, depois de Luís Montenegro ter reiterado que é “à prova de bala” e que está de corpo e alma na missão de ser primeiro-ministro. Pedro Nuno rejeita comparações da empresa de Montenegro com a do seu pai: “presta-se um mau serviço à democracia quando se tentam misturar realidades diferentes; quanto a mim sempre mostrei tudo, não tenho nada a esconder, Luís Montenegro teve ao longo de dois meses e continua”.

    Pedro Nuno Santos repete que é inaceitável “gozar com todos nós” não mostrar os clientes da empresa e provocar eleições, mostrando esses dados no dia do debate. “O principal fator de instabilidade política em Portugal é mesmo Luís Montenegro”.


    Nos minutos finais, Montenegro, repetindo uma expressão que ficou célebre com Cavaco Silva, voltou a pedir que o deixem governar, enquanto Pedro Nuno promete valorizar pensões e baixar [o] custo de vida.

    No último minuto no debate, Montenegro repetiu o que o Governo fez nos últimos 11 meses e diz que não está aqui para “ataques pessoais ou maledicência”. “Estou aqui para governar”.

    IVA zero

    Pedro Nuno Santos ficou com as declarações finais e fechou o debate falando para a câmara: “foi um debate importante e esclarecedor”, diz, prometendo que, se for eleito, vai fazer uma defesa séria das pensões e extinguir o grupo de trabalho da AD para privatizar o sistema público de pensões. Fala na medida do IVA zero e promete baixar o custo de vida dos portugueses. Pede [o] voto de confiança: “Pode confiar no PS”, diz.

    No tema da governabilidade, já no final do debate, Pedro Nuno Santos diz que [o] PS mostrou sentido de responsabilidade ao longo do último ano e promete tudo fazer para que Portugal tenha estabilidade política.

    “É importante que não haja uma grande dispersão de votos”, apelou, mas não assume o compromisso de dar as mesmas condições de governabilidade à AD.

    Já Montenegro prometeu estabilidade: “Continuarei a governar com os mesmos compromissos que demonstrámos este ano. Nunca desistimos do diálogo político a bem da estabilidade do país. Somos garante da estabilidade, económica, financeira, social. Garantimos que este debate começasse sem que houvesse manifestação lá fora. O governo não caiu por falta de estabilidade, caiu por tática política”.

    Ao que Pedro Nuno rebate, afirmando: “Como é que Luís Montenegro pode prometer estabilidade quando ao menor aperto que sentiu atirou o país para eleições? Como pode acusar o PS de instabilidade quando nós viabilizamos o programa de Governo, o Orçamento, o PAR? Luís Montenegro é o fator de instabilidade”.

    Habitação

    Na habitação, Luís Montenegro diz que quando a AD chegou ao Governo havia um plano de 26 mil novas habitações, mas não havia dinheiro para acabar o programa, só para 16 mil casas.

    “Nós fizemos aumentar de 26 mil para 59 mil o objetivo na próxima legislatura, financiando esse projeto com dinheiro do PRR e do OE. Isto não produz efeito imediato, mas se conseguirmos construir ou reabilitar estas 59 mil, uma linha de financiamento no Banco Europeu de Investimento irá aumentar a oferta do lado público”, diz Montenegro, destacando depois os incentivos aos jovens para a compra da primeira casa.

    Pedro Nuno, por seu turno, considerou que a habitação é “um dos nossos maiores problemas”, mas que as medidas tomadas pelo governo do PS estavam a ter frutos.

    Segundo Pedro Nuno, as medidas do Governo de isentar os jovens do pagamento de impostos na aquisição da primeira habitação são consumidas pelo aumento dos preços da habitação. Em todo o caso, o PS não tenciona reverter essas medidas populares entre os sub-35. “Nós não vamos revertê-las”.

    “Vamos incentivar a construção de novas casas, não há outra solução”, e lembrou que “as casas que Luís Montenegro entregou em Oeiras foram casas lançadas por mim”, admitindo que as soluções na habitação demoram a dar frutos.

    “Também precisamos de casas para os filhos da classe média. Por isso, impulsionar a construção pública é fundamental”, diz Pedro Nuno, lembrando a medida do PS de usar os dividendos da CGD para uma conta-corrente para construção de habitação.

    “Nenhum programa deve estar dependente dos dividendos da Caixa”, rebate Montenegro, que diz que “ainda hoje estamos a pagar o desinvestimento na habitação que as ideias de Pedro Nuno Santos trouxeram”.

    Pensões

    Falando diretamente para os pensionistas, Pedro Nuno Santos acusou a AD de querer “privatização parcial do sistema público de pensões”. Montenegro diz que não o fará “nesta legislatura”.

    Pedro Nuno Santos salientou que faz diferente da AD porque “valoriza os pensionistas” e, sempre que pode, faz aumentos acima do que a lei prevê, acusando a AD de querer entregar parte do sistema de pensões ao mercado de capitais, referindo-se ao grupo de trabalho criado pelo governo para pensar o sistema de pensões em Portugal, cujo presidente defende a “privatização parcial do sistema público de pensões”. Pedro Nuno diz que essa será uma prioridade: extinguir o grupo de trabalho.

    Luís Montenegro rejeitou a crítica: “O doutor Pedro Nuno não tem limites para a demagogia”, salientando: “Não vamos fazer nenhuma alteração ao sistema de pensões nesta legislatura”, diz, afirmando que se algum dia o fizer será depois de o defender em campanha eleitoral e ser sufragado nas urnas.

    Pedro Nuno diz que a política de pensões da AD são “bónus”, enquanto o PS propõe “aumentos permanentes”. Montenegro diz que programa da AD prevê valorizar as pensões mais baixas.

    Saúde

    A saúde, segundo Pedro Nuno Santos, é “a área de maior falhanço da AD”, que prometeu um plano para resolver rapidamente o problema e falhou. Questionado sobre o facto de o PS também não ter conseguido resolver o problema da falta de médicos de família, Pedro Nuno passou a bola ao primeiro-ministro, dizendo que é ele que está em “xeque”.

    Sobre PPP, Pedro Nuno Santos diz que não tem nenhum dogma, mas o PS prefere dar maior autonomia aos hospitais em vez de entregar a gestão a privados. Para Pedro Nuno, o PS só avança para PPP com uma “fundamentação que não vimos até agora”.

    Luís Montenegro recordou que o problema da saúde “tem duas décadas”, e nos últimos oito anos, a responsabilidade foi do PS. Mas Montenegro não se comprometeu com meta e prazo para cumprir meta de um médico de família para cada utente.

    Luís Montenegro referiu que fez acordo com os médicos e enfermeiros para ter maior capacidade de recrutamento de recursos humanos. “É verdade que temos problemas estruturais”, diz, falando na aposta nos sistemas de gestão e de incentivo para valorizar o trabalho do pessoal médico.

    “Se podemos atender melhor as pessoas e libertar mais recursos para dar outras respostas, porque haveremos de nos prender às amarras ideológicas?”, disse. Outra via defendida pela AD é usar a capacidade instalada do setor social.

    Sobre as medidas previstas pela AD para a Saúde, referiu que o Governo já cumpriu 80% das medidas urgentes a que se propôs, sendo certo que falhou a promessa de médicos de família para todos os utentes. “Quero no mais rápido prazo possível cumprir esse desígnio, mas não vou avançar ainda uma data concreta para o fazer”.

    Pedro Nuno Santos salienta, de forma irónica, que é “óbvio” que Montenegro não vai conseguir cumprir o que prometeu. “As propostas que o Governo da AD tem implementado têm fracassado”, diz. Quanto ao PS, aponta que o caminho passa por tornar as carreiras no SNS mais atrativas, dando melhores condições aos médicos para se instalarem nas áreas onde há mais carência.

    “Precisamos de fazer um trabalho multidisciplinar para aliviar e diminuir onde custa mais ao SNS, que é nos hospitais”, defende.

    Economia

    Questionado sobre se as propostas socialistas, nomeadamente em matérias fiscais, não põem em causa o equilíbrio das contas públicas, o secretário-geral do PS rejeita a acusação.

    “Construímos um programa mais prudente e mais cauteloso do que o programa da AD, que é na verdade um embuste”, começou por dizer Pedro Nuno Santos.

    Nós fazemos a opção de baixar os impostos que toda a gente paga, lembrando a medida do IVA zero, que consta do programa eleitoral do partido socialista.

    “Não prometemos tudo a todos, mas aquilo que prometemos é de facto para todos”, diz o secretário-geral do PS; ao contrário da proposta da AD, que acusa de ser “um embuste e irrealista”.

    Pedro Nuno Santos mostrou uma folha com tabela com previsões de crescimento diferentes das que o Governo apresentou em Bruxelas, referindo que nestas eleições “estamos também a votar a seriedade de um líder do Governo”.

    Luís Montenegro respondeu que temos “mesmo de ser sérios” e acusa Pedro Nuno Santos de lançar uma “confusão propositada ou incompetência pura” e explica que as previsões entregues em Bruxelas

    Políticas invariantes que apresentam em Bruxelas não têm em conta o impacto das medidas das decisões, desde logo as políticas fiscais e de transformação do Estado.

    “Nós temos como pedra de toque para a Economia o investimento”, disse o ainda primeiro-ministro. “As medidas do PS são apenas de distribuição”, conclui Montenegro.

    Sem responder inicialmente às perguntas dos moderadores sobre as previsões do Banco de Portugal e das Finanças Públicas e sobre a discrepância dos números, acabou por dizer que “a justificação são as políticas públicas, que geram mais riqueza”, diz.

    “Não falta ambição ao programa do PS, falta vergonha ao programa da AD”, retorquiu Pedro Nuno Santos, que insiste na necessidade de um novo relatório “Porter” para identificar as áreas prioritárias e de maior potencial na economia.

    Montenegro repetiu que é preciso ser sério e garante que está a ser feita uma aposta na inovação e tecnologia como motor do crescimento económico, com uma capacidade de execução maior do que o PS estava habituado e é isto que dá sustentabilidade ao cenário macroeconómico que nós apresentámos”.

    Nada é comparável.

    No final do debate, em resposta aos jornalistas, Pedro Nuno Santos sublinhou que “ser sério é não misturar a política com negócios”.

    “Isso não pode acontecer e aconteceu em Portugal, e nós temos o dever de o denunciar”, defendeu.

    O socialista disse ainda que “não podemos comparar aquilo que não é comparável”, já que a empresa do seu pai tem “quase 50 anos, com um produto que é conhecido no mercado, com várias empresas, vários pavilhões, muitos trabalhadores”.

    “Para além de que a empresa não é minha nem da minha mulher nem do meu filho”, acrescentou.

    Também em resposta aos jornalistas no final do debate, Luís Montenegro disse continuar “muito focado em dar às portuguesas e aos portugueses a garantia de que vão continuar a ver muitos dos seus problemas resolvidos”.

    “Vou continuar focado em dar um aumento de rendimentos” e em “dar estabilidade”, assegurou. Montenegro referiu ainda que Pedro Nuno Santos “tentou tudo e infelizmente ultrapassou muitos limites para cumprir o seu objetivo de vida”.

    “Eu, na minha vida, nunca tive o objetivo de ser primeiro-ministro. Acabei por ter esta missão que gosto muito, adoro mesmo, e vou cumpri-la com toda a força e energia”, concluiu.

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