Autarcas da Grande Lisboa solidários com Ricardo Leão

Câmara de Loures apresentou queixa ao Ministério Público contra “comercialização de barracas” no Talude. Ricardo Leão acusa a organização Vida Justa de estar a “instrumentalizar” e a “manipular” os moradores e reitera que a Câmara continua disponível para ajudar estas pessoas. A secretária de Estado da Habitação refere que estes casos poderão estar ligados à “imigração ilegal”.

A Câmara Municipal de Loures comunicou ao Ministério Público “indícios de práticas ilícitas no Bairro do Talude Militar que poderão configurar crime”, segundo um documento do Município a que o “Olhar Loures” teve acesso.

A autarquia cita “relatos transmitidos à Polícia Municipal por ocupantes de construções precárias, um homem, também ele ocupante de uma construção ilegal, a aliciar outras pessoas para se fixarem no bairro, procedendo ao loteamento de terrenos e à venda de barracas por cerca de 2000 euros”.

Segundo a CML, o valor incluiria espaço, materiais, construção, mas também o fornecimento de água e eletricidade, e avança que “todos estes factos foram formalmente reportados às autoridades competentes”.

Em declarações à SIC, à margem de um debate organizado por aquele canal, Ricardo Leão não adiantou se pretende continuar a operação de demolição entretanto suspensa por decisão judicial. “Neste momento é um problema judicial”.

O presidente da Câmara Municipal de Loures revelou esta terça-feira, 22 de julho, que apresentou uma queixa-crime ao Ministério Público denunciando uma “teia criminosa” de “comercialização de barracas” no bairro do Talude Militar.

“Estão a comercializar barracas a dois mil e três mil euros cada cinco metros quadrados, com garantia de luz e água”, disse Ricardo Leão, numa cimeira organizada pela SIC Notícias, apontando que entre março e julho “quadriplicou o número” de habitações precárias no Talude Militar.

O presidente da Câmara Municipal de Loures disse ainda que o Bairro do Talude Militar “é um caso particular”, onde, depois das demolições que ordenou, “as pessoas estão porque querem”.

Em declarações à chegada às instalações do grupo Impresa, em Paço de Arcos, para o evento “Cimeira da Grande Lisboa”, Ricardo Leão reiterou que “é necessário estancar aglomerados” de construção precária e ilegal, que “vão crescendo”.

Ainda nas instalações da SIC, Ricardo Leão fez um vídeo para reiterar a sua posição, dizendo que o Bairro do Talude “cresceu de forma exponencial desde março”, e que a autarquia, “como hoje se comprovou”, tinha vindo a “falar com todas as pessoas”, mas essas mesmas pessoas “não quiseram recorrer ao apoio da Câmara porque estavam a ser manipuladas por (uma organização) de extrema esquerda, a Vida Justa”, que tem vindo a “instrumentalizar estas pessoas” com base em agendas políticas.

Ricardo Leão considera que “é triste” que os cidadãos contactados desde março “não tenham recorrido” aos apoios da Câmara, porque “caíram numa teia e numa rede criminosa” que “os manipula”, mas revela que, agora, algumas dessas pessoas “já estão a recorrer” à ajuda camarária para solucionar os seus problemas.

“Muitas dessas famílias já se emanciparam” graças aos apoios concedidos pela autarquia, segundo Leão. Ainda assim, sublinhou que continua a haver gente na rua “porque querem” e “continuam a ser manipuladas pela Vida Justa”.

“Só há gente a dormir na rua porque querem, porque estão a ser instrumentalizadas, mas, todas elas, têm apoios sociais na Câmara”, reiterou.

O autarca, eleito pelo PS, notou que o concelho de Loures se debate com “os problemas que toda a Área Metropolitana (de Lisboa) tem tido”, especificando a “escassez de habitação”, nomeadamente habitação pública.

Ministro defende “equilíbrio de posições”

Questionado pelos jornalistas no mesmo debate, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, tentou pôr água na fervura, assinalando que Ricardo Leão já tinha “sinalizado” caso de alegada venda de barracas a Miguel Pinto Luz, referindo que o Governo “está a acompanhar” o decurso do processo.

“O presidente da Câmara (de Loures) já nos tinha sinalizado isso, estamos a acompanhar”, assegura.

“Um ser humano quando não tem um teto para dormir, filhos sem teto para dormir, não podemos aceitar”, entende o responsável pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação, referindo que os governantes “não têm coração de pedra”.

O ministro admite que está “sensível” à situação no bairro do Talude Militar, e defende um “equilíbrio” de posições. Miguel Pinto Luz garante ainda que está a “acompanhar” caso de alegada venda de barracas.

“Há aqui um equilíbrio entre as duas posições: a posição legítima da Câmara Municipal, que defende os interesses do Município no sentido de garantir a legalidade — não pode permitir a proliferação destas construções ilegais — e, por outro lado, temos de garantir a essas pessoas um teto”, argumenta o governante, em declarações aos jornalistas.

Problema “ligado à imigração ilegal”

A Secretária de Estado da Habitação, por seu turno, considera que a situação do Bairro de Talude “é um problema ligado à imigração ilegal”.

Em entrevista à RTP, Patrícia Gonçalves Costa acrescenta que a situação não está diagnosticada e que, por isso, ainda não há solução.

“Muitas das pessoas (do Bairro do Talude) entraram no país há um mês. Isto é um problema ligado à imigração ilegal. É preciso ver que nos últimos 4 anos entraram em Portugal 1,5 milhões de pessoas. É preciso ver de onde é que estas pessoas vieram, se estão a trabalhar, se têm contratos de trabalho”, sublinhou.

Para inverter a falta de habitação no país, a governante defende que “é preciso construir mais habitação pública”, até porque o Governo “tem um plano, de 2,8 mil milhões de euros, para a habitação pública”, mas importa “sair do papel”.

A Secretária de Estado da Habitação refere que é preciso “canalizar todos os imóveis devolutos que tenham aptidão habitacional para o arrendamento acessível” e assume que o Governo “está a trabalhar neste plano”, contando “rapidamente”, entre o final deste ano e o início do próximo, para fazer os concursos públicos, em parcerias com os privados, para canalizar estas casas para o mercado do arrendamento acessível.

Autarcas solidários com Leão

No mesmo debate, vários autarcas de concelhos da Área Metropolitana de Lisboa mostraram estar solidários com a Câmara de Loures, partilhando a dificuldade em responder à crise da habitação.

Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras, tem repetido o mesmo, lembrando que desde 2014 que alerta para o risco de reaparecimento de barracas na área de Lisboa. Além da alteração à lei dos solos, o problema “resolve-se com mais habitação pública”, considera, defendendo que, em primeiro lugar, “as câmaras municipais é que têm de responder”.

Inês de Medeiros, presidente do Município de Almada, manifestou solidariedade para com o camarada de partido. “Percebo bem o que o Ricardo Leão está a contar”, disse Inês de Medeiros depois de ouvir a intervenção do autarca de Loures. “Todos nós aqui já demolimos barracas, temos de ser honestos”, acrescentou.

Sublinhando que, em Almada, as habitações precárias têm crescido em terrenos do Estado, nos bairros de Penajoia e Raposo, Inês de Medeiros notou a “inoperância e ausência total do IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana)”.

“É preciso parar esta sangria e não vamos lá apenas com a construção, que demora cinco, seis, sete anos”, vincou Inês de Medeiros, sublinhando que “a autarquia garantir realojamento a essas pessoas todas é totalmente impossível”.

“É urgente fazer um plano de emergência habitacional”, juntando Estado, municípios e privados, defendeu Basílio Horta, presidente da Área Metropolitana de Lisboa e atual presidente da Câmara de Sintra.

“Este é o problema politicamente mais sério que Portugal teve desde o 25 de Abril. Se continuar neste ritmo podemos ter situações que ofendem o próprio regime democrático”, lembrou.

Basílio Horta antecipa “uma situação extremamente difícil”, que torna “muito urgente uma política concertada e “coordenada”.

À semelhança da posição de Isaltino Morais, Basílio Horta defende que a lei de uso dos solos tem de mudar, uma vez que “há terrenos que podiam ser construídos e não são por negligência ou má fé”.

Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, concordou que é preciso “libertar terrenos para construir”, mas apontou o dedo aos governos — o atual e o anterior — para dizer que “o dinheiro (dos fundos europeus do PRR) não está a chegar às autarquias”.

Moedas lembrou ainda que a resolução dos problemas da habitação transcende as “cores partidárias” e que necessita de ações concertadas para resolver a falta de acesso à habitação.

Foto de capa: Arquivo

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