O Templo da Poesia, no Parque dos Poetas, vai receber, durante dez dias, a Festa do Livro de Oeiras, um encontro para celebrar livros, livrarias e leitores. O evento acontece entre 18 e 27 de julho e a sessão de abertura contou com as divagações do filósofo José Gil.
Esta é a primeira edição da Festa do Livro de Oeiras, com uma programação que inclui concertos, teatro, dança, apresentações, conversas e ainda a presença de livrarias nacionais.
A primeira feira do livro de Oeiras faz-se com as livrarias independentes e solidárias. Começou no 18 de julho, no Templo da Poesia, Parque dos Poetas, em Oeiras.
A sessão de abertura contou com a intervenção do vereador da Cultura, Pedro Patacho, que explicou que esta primeira edição da Festa literária é realizada num sítio “muito especial”, onde é celebrada a língua portuguesa e os seus poetas.
Viver com prazer e em comunidade que ama os livros
Pedro Patacho justificou a realização desta primeira edição do certame pelo objetivo de o Município “criar oportunidades para que as pessoas vivam com prazer” com a promoção de eventos culturais que exortem os munícipes para os prazeres associados à leitura, ao belo, ao sublime. E referiu que a rede de bibliotecas municipais tem servido esse propósito maior, de promover a leitura e o “amor” aos livros.
Pedro Patacho aproveitou para enaltecer o papel “dos livreiros”, por serem pessoas que continuam a acreditar num negócio que tem no seu cerne o “amor aos livros”, pois “a aventura de abrir uma livraria” apenas está ao alcance daqueles “que amam verdadeiramente os livros”.
O vereador anotou que o tema “Pontes” abre imensas possibilidades “de diálogo” entre os vários conferencistas e o público.
A terminar, Pedro Patacho deixou expresso um desejo: “que esta experiência seja uma experiência de prazer, o prazer de vivermos juntos na nossa comunidade”.
Divagação filosófica sobre a ponte como lugar que não existe
A presença do filósofo e pensador José Gil é um dos destaques do evento. Convidado para fazer a sessão de abertura, José Gil, autor de “Portugal, Hoje. O Medo de Existir”, a sua primeira obra escrita diretamente em português, que rapidamente se tornou um sucesso de vendas, catapultou-o para o “olimpo” dos grandes pensadores do nosso tempo, sentou-se para filosofar sobre o significado do tema da Feira, as “pontes”.
A plateia estaria à espera que José Gil abordasse a ideia geral sobre as “pontes de diálogo”, as “pontes entre visões opostas”, mas o filósofo surpreendeu com a sua tese momentânea, apontando para o objeto em si em vez de refletir sobre a necessidade de se construírem “pontes de diálogo”.
Para José Gil, as pontes “são objetos estranhos”, mas não existem enquanto materialização de uma vivência; “escapam à dimensão e ao espaço normal”.
Na visão do pensador, as pontes podem ser (e são-no, de facto) afirmações de poder, visto que, na maioria das vezes, funcionam “como conquista de território”.
“A maior ponte do mundo está situada na China. Liga Hong Kong a Macau. E não é outra coisa senão uma afirmação política do governo chinês”, aponta o filósofo, exemplificando ainda com as pontes que os romanos construíam na antiguidade “para conquistar outros povos”.
A ponte é, também, um lugar de passagem. Todavia, quando passa a ser um “lugar de paragem” de alguém, “torna-se perigosa”, pois significa isso que esse alguém pode estar a pensar pôr termo à vida. José Gil acredita num certo “mistério” que, desde sempre, esteve associado a este objeto construído pelo homem e onde muitos foram confrontados com a derradeira “questão filosófica” de “viver ou acabar com tudo”.
“Na perspetivação do suicídio, a ponte representa um lugar de abismo, onde o suicida cria o seu próprio abismo. Haverá um abismo interior dentro do suicida?”, questiona.
Experiência francesa
José Gil exilou-se em Paris nos anos de 1960. Estudou Filosofia na prestigiada Universidade de Sorbonne, onde concluiu o seu doutoramento. Lecionou em vários liceus de França e foi coordenador do Departamento de Psicanálise e Filosofia da Universidade de Paris VIII.
Apesar de ter feito todo o seu percurso académico em França, José Gil assume que “nunca se sentiu francês”, pese embora ter relações de amizade “com muitos franceses e ter tido até uma namorada gaulesa”.
O pensador explicou que esteve integrado numa comunidade portuguesa, da burguesia, constituída por muitos jovens estudantes que tinham fugido ao salazarismo para estudar nos meios intelectuais parisienses, mas que “nunca dominou completamente a língua”, apesar de ser fluente no francês.
Uma coisa é “ser fluente”, outra coisa é “entrar dentro da cabeça de um francês”. Os franceses “são muito difíceis” de “penetrar”.
“Nós vínhamos do Portugal salazarista. Era duro. Havia as relações possíveis, mas nunca se abriam connosco. Houve muitos portugueses que sucumbiram a esse ambiente, enveredando pelo álcool, pela autodestruição”.
“Em França havia a liberdade, que era enorme, mas os relacionamentos humanos eram muito difíceis. Eles protegem-se. Não é francês quem quer”, revela, acrescentando que o seu orientador de tese, um eminente intelectual, “tinha uma elegância, uma finura, um savoir-faire, inalcançável”, o que levou o então aprendiz de filósofo português a concluir: “O meu orientador era tão subtil, tão elegante, que pensava para mim próprio: ‘jamais serei como ele. Isto deve levar séculos para ser conseguido…”, proclamou, provocando uma gargalhada geral na plateia.