Morreu Nuno Portas, o arquiteto do SAAL e da habitação digna para os mais desfavorecidos.

Numa altura em que os problemas da habitação estão no centro de todos os debates autárquicos, Portugal perdeu, este domingo, o arquiteto Nuno Portas, um dos nomes mais importantes do urbanismo e do combate às desigualdades sociais por via do acesso à habitação digna.

Nuno Portas, em parceria com o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, concebeu os planos arquitetónicos do Bairro dos Olivais e de Chelas, em Lisboa, entre muitos outros, para dar resposta à necessidade de habitação digna a milhares de pessoas regressadas das antigas colónias ou que haviam migrado de outros pontos do país para a “grande cidade” à procura de uma vida melhor.

SAAL construiu casas de habitação pública para quem vivia em barracas.

Em 1974, 25% da população do país vivia em barracas, bairros de lata ou casas degradadas, nas margens da cidade e dentro dela, sem água, eletricidade, esgotos, instalações sanitárias. Vários tinham vindo de outras zonas do país à procura de vida melhor na capital, mas tantos outros havia que já cá tinham nascido, como os pais e os avós, lisboetas.

Esse um quarto da população vivia nas costas da cidade, atrás de Alvalade, atrás de Campo de Ourique, do Areeiro, em bairros de madeira e zinco e terra batida. Eram estes os cidadãos que mantinham a cidade “de pé”, trabalhando na construção, nas oficinas, nas fábricas, na estiva, no comércio, mas não conseguiam aceder a um direito básico: a habitação.

Quando a Revolução de Abril tomou conta do país, em 1974, o povo saiu à rua para exigir direitos sociais. Nuno Portas andou no meio do povo para explicar aquilo que estaria a ser “arquitetado” para acabar com a indignidade de um ser humano ter de viver (e criar os seus filhos) em barracas de madeira ou de zinco.

Em 1974, Nuno Portas havia assumido o cargo de secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, que conservou durante os três primeiros Governos Provisórios. No exercício dessas funções, fomentou a criação de cooperativas de habitação e de Gabinetes de Apoio Técnico (GAT), estruturas da administração Central descentralizadas de apoio aos Municípios, concebeu o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) e esteve na génese do processo conducente à adoção dos Planos Diretores Municipais (PDM).

Helena Sacadura Cabral deu a notícia pelas redes sociais.

“Foi com pesar que tomei conhecimento da morte de Nuno Portas, pai dos meus dois filhos. Apesar de há muitos anos termos seguido caminhos diferentes, compartilhamos uma parte importante da vida e, acima de tudo, a dádiva de sermos pais de pessoas incríveis. Neste momento, meu coração está especialmente voltado para o filho que me resta e para os nossos netos, que enfrentam, agora, a dor de uma perda profunda.

Desejo que ele encontre paz, e que a memória do que foi bom siga viva no coração de quem o amou.” Foi desta forma que Helena Sacadura Cabral, ex-mulher do arquiteto e mãe de dois dos seus três filhos (Miguel e Paulo Portas), se despediu e anunciou a morte do arquiteto português na sua página de Instagram na manhã deste domingo, 27 de julho de 2025. E segundo se sabe, de doença prolongada.

Presidente elogia “brilhantismo” de um visionário.

Depois de ser tornado público o desaparecimento do arquiteto, o Presidente da República lamentou a sua partida no site oficial da Presidência, Marcelo, homenageando-o com um texto onde expressou a sua admiração por Nuno Portas.

“Deixou-nos hoje uma das personalidades mais visionárias e brilhantes da vida académica, cultural, política e social da resistência de inspiração católica dos anos 50, 60 e 70 do século passado: Nuno Portas”, refere.

“Foi notável como arquiteto, como professor, como urbanista, como animador de movimentos artísticos, culturais em geral, cívicos, políticos e sociais”, considera Marcelo Rebelo de Sousa, destacando ainda a sua atividade cívica: “Permaneceu assim desde a resistência à ditadura até às primeiras décadas da democracia. Sendo uma personalidade visceralmente solitária, dedicou-se à comunidade e deixou discípulos muito diversificados em todos os domínios em que foi excecional.”

Nuno Portas, pai dos políticos Miguel, Paulo Portas e de Catarina Portas, foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e com os títulos de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro e pelo Instituto Politécnico de Milão. Deixa um legado arquitetónico em países como Portugal, Espanha, Brasil, Itália e Cabo Verde.

Catarina e Paulo Portas informaram, entretanto, que a cerimónia de despedida será feita esta segunda-feira no auditório da igreja do Sagrado Coração de Jesus em Lisboa, que recordam ter sido co-desenhada por ele, entre as 18h30 e as 22h, e que na terça-feira “será rezada uma missa pelas 12h00 também na igreja e depois seguiremos para Vila Viçosa, lugar que tanto amou, onde o nosso Pai será enterrado, acompanhado apenas pela família mais próxima.”

Foto de Capa: Helena Sacadura Cabral 

 

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