Salgueiro Maia condecorado com a Chave de Honra da Cidade de Lisboa

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, atribuiu a Chave de Honra da Cidade, a título póstumo, a Salgueiro Maia. Através desta distinção, entregue a Natércia Salgueiro Maia, Lisboa homenageou o herói da Revolução, símbolo de Abril, com a mais alta distinção da cidade.

Salgueiro Maia, “rosto do 25 de Abril de 1974”, foi homenageado no dia 1 de julho, a título póstumo, pela Câmara Municipal de Lisboa com a Chave de Honra da Cidade. A distinção, entregue a Natércia Salgueiro Maia, assinala o seu contributo decisivo para a liberdade e a democracia em Portugal.

A homenagem a Salgueiro Maia foi aprovada, por unanimidade, em 18 de dezembro de 2024, após proposta do Livre, no âmbito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril. A autarquia aprovou então a atribuição da Chave de Honra da Cidade ao capitão de Abril.
Nascido há exatamente 81 anos, a 1 de julho de 1944, em Castelo de Vide, Fernando José Salgueiro Maia estudou na Academia Militar, e combateu na Guerra Colonial, em Moçambique e na Guiné.

Na noite de 24 de abril, saiu de Santarém com os seus homens, rumo a Lisboa. Na manhã do dia seguinte, no Terreiro do Paço, enfrentou as forças do Estado Novo, do regime Marcelista, que ainda tentavam controlar a situação.

“Foi aí que percebeu que o 25 de Abril estava ganho”. Depois, no Largo do Carmo, cercado pelos seus homens, “isto confirmou-se”, afirmou Carlos Moedas. Ali “deu a cara perante os líderes do regime, e viveu o que de mais belo lhe aconteceu na vida: O povo português a juntar-se aos militares revoltosos”, disse o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

“Hoje fazemos justiça a alguém que mudou o país”, precisamente aqui, nesta cidade, recordou Carlos Moedas. A homenagem ao símbolo de Abril, evoca o militar que “não quis protagonismo, não quis fama. Cumpriu a sua missão e retirou-se”, sublinhou.

De acordo com uma sondagem feita o ano passado, Salgueiro Maia foi considerado o militar mais importante do 25 de Abril para os portugueses, vincou Carlos Moedas. “Ele próprio o disse, poucos meses após a Revolução, que aqueles que com ele fizeram aquele dia ofereceram tudo à liberdade”.

Esta é a mais alta distinção da cidade de Lisboa, e para Salgueiro Maia “tinha de o ser, porque ele foi quem em Lisboa nos deu tudo. Quem nos deu tudo sem pedir nada. Não nos esquecemos”, acrescentou o presidente da autarquia.

Para Carlos Moedas, a homenagem ao Capitão de Abril faz justiça a um homem que “nos deu tudo sem pedir nada”.

A Chave de Ouro da Cidade a título póstumo, assinala o seu contributo decisivo para a liberdade e a democracia em Portugal. “Hoje, fazemos justiça a alguém que mudou o país, precisamente aqui, nesta cidade”, sublinhou Moedas.

Viúva recorda ideais de Salgueiro Maia

Apesar dos momentos de grande tensão nas ruas de Lisboa, “manifestou sempre uma grande coragem, uma grande determinação, muito bom senso, e humanidade também, preocupação com as pessoas, e apostou muito no diálogo”, recordou Natércia Salgueiro Maia.

Como lembrou Natércia Salgueiro Maia, o seu marido tinha o sonho de um país mais justo. Em 1968, quando estava na Guiné, “ele gostava que o país fosse mais justo, que houvesse maior igualdade. Era uma preocupação que ele tinha e que fazia parte da sua forma de estar”, recordou.

A situação de extrema tensão vivida no Terreiro do Paço, salientou a viúva do militar homenageado, “foi realmente um momento de grande emoção” – eternizada na fotografia de Eduardo Gageiro –, “em que ele aperta o lábio. Foi assim que ele me explicou, porque estava realmente convencido que ali a guerra estava a ganhar, como ele costumava dizer”.

Apesar dos momentos em que se temeu um banho de sangue no Terreiro do Paço, Salgueiro Maia “manifestou sempre uma grande coragem, uma grande determinação, muito bom senso, e humanidade também, preocupação com as pessoas, e apostou muito no diálogo”, anotou, acrescentando que foi devido à serenidade do marido que a situação não descambou para um confronto direto entre os revoltosos e elementos da PIDE e militares leais ao antigo regime. “Se tivesse saído um tiro, não sei se o 25 de Abril teria sido o mesmo”.

Castelo de Vide presente

Os presidentes das câmaras de Castelo de Vide e Santarém, António Pita e João Teixeira Leite, bem como o presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço, entre muitos outros convidados, marcaram presença na cerimónia.

Para António Pita, “este é um dia absolutamente extraordinário para Castelo de Vide. Nos últimos anos, a partir do momento que conseguimos erguer a Casa de Cidadania Salgueiro Maia, passámos a homenagear todos os anos o filho ilustre de Castelo de Vide e da história contemporânea de Portugal”, proclamou.

O autarca lembrou que a edificação do espaço museológico em honra do filho pródigo da vila representou “uma aventura de 18 anos”, mas tornou-se imperativo honrar o pedido da criação do museu, pois estava solicitado no testamento de Salgueiro Maia, que tem apenas dois votos, “muito lacónicos e ao estilo militar”, que referem: “‘Quando eu morrer, quero ser sepultado em campa rasa, em Castelo de Vide, e com um funeral militar, que os meus amigos entoem a Grândola Vila Morena’”.

“O outro voto, que foi mais difícil, foi aceder ao seu acervo, que estava na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, para o nosso museu”.

Revistar a história da vida de Salgueiro Maia

Este espaço está sedeado no castelo da vila, até porque Salgueiro Maia era um apaixonado por castelos, e deixou em testamento que o seu legado deveria estar no castelo de Castelo de Vide.

Conforme explicou António Pita, o espaço, que fica num edifício classificado como Imóvel de Interesse Nacional, tem uma narrativa que se desenvolve através de sucessivas plataformas, com vitrines, que refletem a vida de Salgueiro Maia, como a infância, a adolescência, o Salgueiro Maia na Academia Militar, nas guerras coloniais, para acabar no momento maior da vida do herói nacional, com fotografias no Largo do Carmo e o icónico megafone, que passou a ser um símbolo do 25 de Abril.

Este projeto teve a curadoria da Faculdade de Belas Artes de Lisboa e tem uma narrativa ascendente, na parte mais pública de Salgueiro Maia. Na outra narrativa, ascendente, temos as várias condecorações de Salgueiro Maia, as fotografias dele em família, as coleções de armas.

Pita sublinha que Castelo de Vide recebe a visita de 100 mil pessoas por ano, mas que muitos deles, principalmente os estrangeiros, ainda não visitam o museu do Salgueiro Maia, salientando, ainda assim, que o memorial do militar “é um ponto estratégico” na promoção da oferta cultural da vila.

O autarca saudou a iniciativa e agradeceu a Carlos Moedas a homenagem ao seu conterrâneo. E aproveitou para pedir que os portugueses não deixem de visitar o legado do homem, do herói, que liderou uma Revolução sem vacilar.

A Chave de Honra da Cidade é atribuída a personalidades, instituições ou organizações nacionais ou estrangeiras que – pelo seu prestígio, cargo, ação ou relacionamento com Lisboa – sejam considerados dignos dessa distinção.

Comando de “Abril”

Fernando José Salgueiro Maia, o “capitão sem medo”, foi o rosto da ação militar revolucionária que pôs fim à mais antiga ditadura da Europa e que conduziria ao fim da mais longa Guerra Colonial em África.

Nascido em 1944 em Castelo de Vide, Salgueiro Maia ingressa aos 20 anos na Academia Militar, em Lisboa, transitando depois para a Escola Prática de Cavalaria de Santarém, onde termina a formação. Pouco depois, integra uma companhia de comandos da Guerra Colonial, no norte de Moçambique. Em 1972, encontra-se numa nova comissão, desta vez na Guiné, onde combateu integrado nas forças especiais lado a lado com Matos Gomes, camarada no combate e na organização do 25 de Abril. Foi a experiência da Guiné, um dos cenários mais difíceis da guerra colonial, que ajudaria a despertar no oficial de carreira a sua consciência política e a convicção de que Portugal se encontrava do lado errado da história. E assim, acaba por decidir integrar a Comissão de Coordenação do Movimento das Forças Armadas, MFA.

É já como capitão que vem a comandar a mais decisiva ação do MFA, e também a mais complexa e perigosa, que deu corpo à Revolução de Abril, e que conduziu até ao fim, bravo e com pulso firme, mas sempre sereno, sem derramamento de sangue. Na noite de 24 de abril, é ao jovem capitão de 29 anos que cabe liderar a marcha da coluna militar de mais de 200 homens, de Santarém a Lisboa, onde chegou já de madrugada para ocupar o centro político da cidade, no Terreiro do Paço. Sem nunca entrar em confronto direto com os representantes do regime, já na manhã de 25 de Abril dirige-se ao Quartel do Carmo, onde ao longo de longas e tensas horas lidera o cerco que terminaria com a rendição do líder do Governo, o Presidente do Conselho, o ditador Marcello Caetano.

Homenagens, condecorações e recusa de pensão

O “capitão de Abril” já tinha sido alvo de homenagens várias, nomeadamente pela cidade de Lisboa, mas também em Santarém e Castelo de Vide.

Em 1992, Salgueiro Maia foi homenageado pela cidade de Lisboa, lembrando o seu papel na “Revolução dos Cravos”, numa cerimónia pública no Largo do Carmo, pelo então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Jorge Sampaio.

Foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República António Ramalho Eanes e agraciado, a título póstumo, pelo Presidente da República Mário Soares, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Torre e Espada.

Pese embora o reconhecimento público do papel decisivo de Salgueiro Maia na história da “Revolução dos Cravos”, Cavaco Silva recusou uma pensão vitalícia ao oficial, “por serviços excecionais e relevantes prestados ao país”, que já estava muito debilitado por doença.

O indeferimento, por ausência de resposta, do pedido de atribuição de uma pensão vitalícia apenas foi tornado público cerca de três anos depois da ocorrência, precisamente a propósito da atribuição da mesma pensão a dois antigos agentes da PIDE e logo no mês da sua morte (abril de 1992).

Natércia Salgueiro Maia, a filha, bem como amigos e o seu biógrafo António Sousa Duarte denunciaram na imprensa por diversas vezes o “congelamento” do assunto por parte do governo liderado por Cavaco Silva.

Faleceu em 1992 e foi sepultado em Castelo de Vide, a sua terra natal, ao som de Grândola Vila Morena e da Marcha do Movimento das Forças Armadas (MFA), conforme o desejo expresso pelo “herói da Revolução”.

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