Viagem ao passado saloio de Loures

Organizada pela Junta de Freguesia de Loures, a Feira Saloia de Loures faz uma viagem no tempo e recria as tradições antigas da cultura local. Com figurantes que representam os vários personagens castiços da época, como o vendedor da banha da cobra ou as lavadeiras, constitui uma oportunidade para se visitar um museu vivo da realidade de outrora.

Arlindo é o verdadeiro vendedor da banha da cobra. No derradeiro dia da Feira de Loures, passeia pelo recinto da Feira, no jardim Major Rosa Bastos, vestido com as roupas de outrora, um bigodinho afilado, e a sua inseparável mala onde porta as suas poções milagrosas para todas as maleitas conhecidas (e desconhecidas).

Apesar da sua estatura não dever nada ao porte mais atlético, movimenta-se de peito feito, orgulhoso, falando com a finura própria de quem tem a autoestima suficiente para “dar a volta” aos mais descrentes nestas coisas das curas milagrosas para o “pé chato” ou a “micose nas dobras dos joelhos”.

Porém, mostra-se descontente com a pergunta do nosso jornal sobre a venda “banha da cobra”, e replica que “é o que as pessoas dizem de mim, mas hoje não tenho nada disso”, mas que tem a cura para “os carecas” ou um produto “para os carecas esfoliarem a moleirinha”.

Mas a sério, o figurante Arlindo acha que estas recriações históricas “são fantásticas”, porque “movimentam muita gente” e conseguem atrair um público urbano, nomeadamente o jovem, para uma realidade de outrora, “em que as pessoas viviam em condições muito mais difíceis”, mas que também “tinha o seu encanto”.

Motivar os mais jovens para reativarem os ofícios antigos

As bonecas da artesã Maria Antónia são coloridas e representam a diversidade cultural portuguesa. Há loiras, morenas, ruivas e de tons mais escuros. Repousam na banca à espera de serem levadas para casa por clientes que gostem de bonecas feitas “à moda antiga”.

A artesã, que veio de São Julião do Tojal para mostrar o seu trabalho, acredita que este tipo de iniciativas ajudam a divulgar os labores mais tradicionais, que se vão perdendo no tempo.

“Gosto muito deste género de acontecimentos históricos. São muito importantes para mostrar aos mais jovens aquilo que era feito antigamente, ficando na memória tradições e modos de vida da vivência saloia. Também é importante para motivar os mais jovens a pegarem nestas artes e ofícios para que não se percam no tempo”, anota a criadora de bonecas, totalmente feitas à mão, e que levam cerca de 2 a 3 dias a serem produzidas.
“As minhas bonecas são feitas com todo o cuidado e detalhe. São pintadas à mão e o processo de fabrico não obedece a regras industriais”.

A senhora Paulo Roque, criada em Loures, revela que é uma incondicional da Feira. Veio acompanhada pelo marido para assistir ao reviver de tradições saloias “que não devem ser esquecidas” pelos mais jovens.

“Vivemos num outro tempo, em que tudo é feito a correr. Ainda me lembro das feiras antigas em Loures. Era uma festa muito bonita em que a população vinha comprar os seus produtos, mas também conviver”, lembra.

A “beleza” de lavar a roupa no tanque

Uma das figurantes está a ensinar várias crianças a lavar a roupa à moda antiga, num tanque comunitário trazido para o efeito. A “saloia” incita as meninas a lavarem “com energia”. As crianças, concentradas, obedecem, lavando e esfregando “até deixar a roupa branquinha”.

A “saloia” pede para as crianças “descarregarem os nervos” na parte final do processo, no enxugar da roupa contra a pedra.

Duas octogenárias assistem a tudo, sorrindo e lembrando um tempo “em que tinham de andar quilómetros com a roupa à cabeça para chegar ao tanque ou aos ribeiros”.
Uma das senhoras recorda com “muita saudade” aqueles tempos e admite “não se importaria nada de voltar atrás no tempo”. A outra refere que a juventude “diz que as coisas estão mal”, mas “sabem lá eles o que é ter dificuldades… agora, andam sempre com a cabeça no telemóvel. No meu tempo de criança, trabalhava de sol a sol para levar uma côdea para casa”.

Valorização da cultura saloia

O presidente da Junta de Freguesia de Loures, António Pombinho, leva muito a sério esta iniciativa. Vestido a rigor com as roupas dos saloios antigos, o autarca mostra-se “muito satisfeito” com a adesão de “milhares de pessoas” que passaram pela Feira.

“O balanço é muito positivo. Estamos a introduzir melhorias de ano para ano e isso tem-se refletido no crescimento do número de visitantes. A Feira tem vindo a crescer e está a consolidar a cidade de Loures como ponto de promoção da cultura saloia. Esta iniciativa já está na agenda das pessoas, que passaram a considerar fazer uma visita obrigatória a este reviver de tradições antigas”.

António Pombinho refere que os 80 participantes que recriam a Feira de Loures de antigamente, estão ligados à Câmara dos Ofícios, com quem a autarquia estabeleceu uma parceria para levar a cabo “uma recriação que está adaptada à região e ao evento”.

O autarca explica ainda que a iniciativa mantém o objetivo de retomar a tradicional Feira de Loures, enquanto meio de desenvolvimento do comércio de Loures e dos produtos da região, mas também uma forma de proporcionar o envolvimento das associações locais e da comunidade na promoção da cultura saloia de Loures.

A Feira de Loures realiza-se entre o dia 18 e o dia 20 de julho. Trata-se de evocação histórica da antiga Feira Saloia, com as características que tinha no início do século XX, dando a conhecer a história e a cultura local deste período temporal.

Para o autarca, a Feira de Loures é ainda uma oportunidade para os produtores e as associações se envolverem na “valorização das raízes e da cultura saloia de Loures”, para que não se diluam com a erosão do tempo.

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