Acidente no Elevador da Glória marca debate quente entre candidatos a Lisboa

Era para ser um debate a dois, e Alexandra Leitão apostava na bipolarização com o incumbente e em aparecer com um fato de moderação, nomeadamente no apuramento de responsabilidades políticas em relação ao descarrilamento do elevador da Glória, mas a entrada no debate do candidato do PCP, por imposição da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), e do candidato do Chega, por decisão editorial da SIC, obrigou a acertos. Carlos Moedas (PSD/CDS/IL), Alexandra Leitão (PS/Livre/BE/PAN), João Ferreira (CDU) e Bruno Mascarenhas (Chega) abordaram várias áreas importantes da vida de Lisboa, designadamente habitação, mobilidade, imigração e segurança.

No primeiro debate entre os principais candidatos à Câmara de Lisboa – Carlos Moedas (PSD), Alexandra Leitão (PS), João Ferreira (CDU) e Bruno Mascarenhas (Chega) – os candidatos divergiram sobre o investimento na Carris. Alexandra Leitão e João Ferreira contestaram as afirmações de Carlos Moedas sobre a Carris e o Elevador da Glória, num debate onde as questões do lixo, habitação, imigração e segurança também estiveram no centro da discussão.

Alexandra Leitão abriu o debate entre os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. A candidata do PS-Livre-BE-PAN é questionada sobre a tragédia no elevador da Glória, defende que “é preciso esclarecimentos, apurar responsabilidades com o tempo e serenidade que for preciso”, acrescentando que é preciso saber o que “correu mal” para evitar um novo acidente.

Sobre a reunião da CML, lembra que PS pediu esclarecimentos que “não chegaram”. Mas vinca que não pedirá mais do que isso.

O candidato da CDU considerou que a Câmara de Lisboa não deu todos os meios à Carris. A socialista, por seu turno, diz que não houve um aumento na manutenção do Elevador da Glória.

“A melhor evidência disso já a tínhamos antes do acidente. A Carris funciona mal. É pouco fiável, tem poucos percursos, horários em que não se pode confiar, uma frequência a descoberto à noite e fins de semana, outras mesmo durante o dia. Não cumpre a sua função”, afirmou Alexandra Leitão.

Já o candidato comunista refere que o investimento médio anual na Carris desde a municipalização foi de 27 milhões de euros, que “não varia muito entre a gestão PS e PSD”. É um décimo do que a Câmara devolveu de IRS, acrescenta.

Na resposta, Carlos Moedas diz que a autarquia aumentou os pagamentos à Carris em 30% em relação aos mandatos anteriores.

A candidata socialista, que critica a inatividade da autarquia após o acidente no Elevador da Glória, diz que “não houve um aumento” na manutenção dos ascensores, ao contrário do que diz o atual presidente.

“Como já foi dito várias vezes por Carlos Moedas que, ora dia 25 ora diz 30%… No que toca aos elevadores não é verdade”, diz.

Carlos Moedas desmente a socialista e afirma: “O contrato de que fala é um contrato de manutenção que vem de uma administração anterior a esta, nomeada pelo PS, que era de 900 mil euros. Fizemos um contrato 30% acima de 1 milhão e 200 mil. Esse contrato foi adjudicado a essa empresa ainda por um valor mais alto.”

Bruno Mascarenhas, o candidato do Chega à CML, volta a sair em defesa da moção de censura do partido a Carlos Moedas, na sequência do trágico acidente com o Elevador da Glória, que foi rejeitada pela AML.

“Na definição de políticas e fiscalização da atividade da Carris, a CML tem uma posição claríssima”, defende Bruno Mascarenhas, apelando à responsabilização do executivo lisboeta pelo acidente.

“Se nós não interviéssemos e tivéssemos dado sinal de que coisas não estavam bem, quem seria. PS e PSD, são dois partidos capturados pelo sistema e aparelhos partidários, daí o incómodo com o elevador da Glória”, acrescenta.

Habitação

Passando para o tema habitação, Carlos Moedas fez questão de referir: “se há um assunto em que estou à vontade com os lisboetas é a habitação”, sinalizando as 2804 chaves “entregues a famílias que, de outra maneira”, não teriam condições para pagar, “metade para renda apoiada e outra metade para renda acessível”. “Ajudámos mais 1300 famílias a pagar a renda” quando é muito cara, continuou o autarca.

Afirmando que, quando chegou à autarquia, havia apenas “256 casas de renda acessível”, Moedas notou que “neste momento são quase mil”. “O que se fez nestes quatro anos é absolutamente único.”

Questionado sobre o afastamento de quase toda a sua equipa de vereação, em particular a responsável pela pasta da habitação, Filipa Roseta, o autarca diz que é uma “grande vereadora, grande mulher, e o seu trabalho vai ser continuado por outros”, com o candidato social-democrata a considerar “normal que haja desgaste” e a apontar o professor Vasco Moreira Rato como potencial sucessor de Roseta.

Carlos Moedas disse depois que os “privados não quiseram fazer” os projetos de habitação do executivo camarário do socialista Fernando Medina. “Conseguimos desbloquear 250 hectares”, garante, elogiando o trabalho do PCP nesta área.

Para um próximo mandato, o atual presidente da câmara quer “levar jovens lisboetas para os bairros históricos” e há “mais de 700 casas já identificadas”. “Isto vai demorar um mandato”, concedeu.

Ainda na habitação, Alexandra Leitão vinca que “é muito falaciosa a história das 2800 chaves”. Para a socialista, é preciso distinguir entre a entrega de chaves por parte do município e aquilo que são as casas novas.

“Chaves entregues e casas novas são dois conceitos diferentes, a bem da lisura é importante que se diga”, diz Alexandra Leitão, sublinhando que, “para libertar casas para arrendamento duradouro”, é necessário “restringir o Alojamento Local” e que este executivo fez tudo “ao contrário do que devia”.

No caso, a socialista frisa que o executivo liderado por Carlos Moedas não permitiu que se avançasse com regulamento sobre Alojamento Local. “Lisboa precisa de equilíbrio entre turismo e casas para as pessoas viverem. Os lisboetas não têm casas que possam pagar”, diz Alexandra Leitão.

Moedas interrompe para se queixar do crescimento que o PS, em mandatos anteriores, deixou acontecer no Alojamento Local. “Sou o único presidente da Câmara que conseguiu diminuir”, sublinha Moedas perante Alexandra Leitão, que continua a acusá-lo de recusar-se a aprovar o regulamento.

Bruno Mascarenhas, do Chega, faz uso da palavra para acusar PS e AD de construírem “caro e mal”, dando o exemplo do Bairro de Alvalade, “onde se conseguiu, com projetos bem definidos, fazer construção de qualidade”. “A nossa proposta de preço permite aos jovens conseguir arrendar casa, eventualmente comprar, com preços mais baixos”, diz.

Já João Ferreira, da CDU, realça que se trata de mudanças que vão além do âmbito municipal e corrobora Alexandra Leitão sobre o regulamento do Alojamento Local, dizendo que Carlos Moedas “não foi capaz de concluir a revisão”.

“Não é menos verdade que tivemos uma aprovação irrestrita de novas unidades hoteleiras”, diz também João Ferreira, para quem não se pode admitir esta situação em plena crise habitacional. O candidato da CDU defende que, no que toca à habitação, é preciso “alterar o quadro institucional que abriu campo à especulação imobiliária”, defendendo a aplicação de uma moratória.

O vereador João Ferreira afiança que “ninguém vai ouvir da CDU que a câmara pode, por si só, resolver o problema da habitação em Lisboa”. “Lisboa tem, na comparação com outras cidades europeias, um défice de habitação pública”, pelo que é fundamental “aumentar o parque habitacional público”, o que garante acesso a mais pessoas e funciona como instrumento de contenção da especulação, argumenta.

Para o comunista, “o plano diretor municipal (PMD) tem de ser revisto para evitar” aprovações irrestritas de hotéis, sendo necessário encontrar “soluções cooperativas com o Estado, uma via verde urbanística para a habitação não especulativa”. Há “48 mil casas vazias em Lisboa” e destas “só 6 mil têm IMI agravado”, conclui João Ferreira.

Bruno Mascarenhas insistiu num discurso crítico a PSD e PS ao dizer que “é preciso perceber que estes senhores estão cá há 50 anos, mas depois não apresentam soluções”. “Vivemos uma estagnação completa na cidade de Lisboa”, acusou.

O candidato do Chega quer manter a habitação social para pessoas “cumpridoras” e garantir que quem não cumpre dê lugar a outras pessoas, assegurando a possibilidade de poderem adquirir essa casa, salvaguardando uma “medida-travão de não poderem revender por sete anos, pelo menos”: “Se as pessoas forem proprietárias estimam a sua casa, pagam os condomínios.”

Acusando o atual executivo camarário de ter copiado as medidas do Chega em áreas como as da segurança, educação ou saúde, Mascarenhas garante que “temos oportunidade de construir, mas através do investimento do sector privado”, assegurando que o seu partido irá “privilegiar jovens portugueses” porque 25% dos atuais beneficiários de casas “são estrangeiros”.

Higiene urbana

O debate entra noutros temas. “Lisboa nunca esteve tão suja, nunca cheirou tão mal”, acusa a candidata socialista, defendendo recolhas de lixo sete dias por semana. Também acusa a gestão de Moedas de ter diminuído os corredores Bus e a velocidade dos autocarros.

Bruno Mascarenhas critica a higiene urbana na capital e aponta a “falta de qualidade” dos autarcas na gestão da mesma.

“Quando temos uma pessoa que vem de Oeiras, boys do PSD e PS, temos este resultado que o engenheiro Moedas quer repetir”, atira, referindo-se a Joana Baptista, que integra a lista.

Imigração

A jornalista muda de tema para a imigração, falando do fim do regime das manifestações de interesse, e Alexandra Leitão destaca que essa não é matéria de competência municipal. Para a socialista, a matéria de competência municipal é garantir segurança e integração, mas sublinha que há aspetos mais importantes para discutir como as escolas, as residências universitárias e o facto de Lisboa ter hoje menos estudantes.

Moedas afirma que, em matéria de imigração, a Câmara tem atuado sempre em conjunto com a Polícia Municipal, dando o exemplo de um caso onde estavam mais de 40 pessoas de forma indigna num restaurante.

“Fui dos primeiros políticos a falar do que se estava a passar na imigração”, afirma Moedas, reconhecendo que o país precisa de imigrantes, mas que a situação tem de ser digna e a política de imigração tem de ser eficaz. Considerando que o regime da manifestação de interesse era “terrível”, houve uma evolução positiva com a revogação do mesmo, defende Moedas.

Numa altura em que os candidatos se interrompem uns aos outros, Moedas vai sublinhando que Lisboa é “cidade aberta e cosmopolita”, onde 30% da população é estrangeira. O atual presidente do município nota que os “extremos levam à fricção na sociedade” e que vai “notando uma melhoria”. “Nos bairros mais difíceis, a Polícia Municipal tem atuação mais musculada”, admite.

Já Bruno Mascarenhas, do Chega, puxa das bandeiras do seu partido para criticar a questão do multiculturalismo, dizendo que isso significa que “as pessoas têm capacidade de manter a sua cultura e não se integrar”. “Só podemos integrar aqueles que querem ser integrados”, nota Bruno Mascarenhas que, num comentário xenófobo, afirma ser um “erro enorme” querer integrar pessoas que “vêm do Hindustão” e “nunca vão querer ser integradas”.

“Precisamos realmente de pessoas que estejam a ocupar os nossos bairros, em casas sobrelotadas, que fazem negócios de fachada, que prejudicam a economia portuguesa, que expulsam portugueses das casas e das lojas?”, questiona Bruno Mascarenhas, dizendo, sem apresentar provas, que há “discriminação em que, muitas vezes, os nossos ficam para trás”.

Segurança

Na segurança, João Ferreira lança a proposta de esquadras de proximidade como “essencial” para garantir a prevenção. O comunista discorda com os candidatos do PS e PSD quanto à instalação câmaras de videovigilância dizendo que comerciantes não valorizam.

O comunista lamenta ainda o encerramento da esquadra de Carnide. “Como é que em quatro anos não faz obras necessárias para que esquadra regresse?”, atira a Carlos Moedas lembrando que a infraestrutura foi encerrada por falta de condições.

João Ferreira lamenta que Carlos Moedas queira que a polícia municipal seja desviada das suas funções e diz que isso não “prestigia” a profissão.

Alexandra Leitão diz que insegurança é “conceito amplo” e sugere medidas como iluminação pública. “Nunca houve tanta a falhar como hoje, nunca houve tanto espaço público degradado”, atira a Carlos Moedas. A socialista reconhece que existe uma “grande dimensão de insegurança”, mas defende que se trata com medidas como melhor iluminação, melhor espaço público e também instalar as câmaras de videovigilância que “já estavam previstas e que não foram instaladas”.

Também na polícia municipal, a candidata socialista ataca o executivo de Carlos Moedas por ter esses números nos mínimos. Alexandra Leitão defende também que é preciso médicos, professores, polícias que “queiram estar em Lisboa” e acusa o autarca de “nada ser feito”.

O candidato do Chega insiste que só cerca de 700 efetivos da Polícia Municipal podem garantir a segurança na cidade e apenas o seu partido é defensor de “aumento de poderes da polícia Municipal”.

E acusa Carlos Moedas de não se ter conseguido “impor” em relação a esta matéria. Sai também em defesa de um centro de instalação temporária em Lisboa para migrantes.

Mobilidade

Para fechar o debate, João Ferreira defende que é preciso reforçar a “pedonalização e adaptar a cidade a crianças para “maior usufruto de espaço público”.

Tentando aproveitar os últimos minutos, o candidato da CDU enumera alguma das suas propostas. Na carris, a CDU quer duplicar o orçamento que custaria “menos de metade” do que se gastou na devolução do IRS de Carlos Moedas.

No metro, João Ferreira lamenta os tempos de espera e promete deixar cair a “de uma vez por todas” a linha circular e passar a uma em laço. Na higiene urbana, João Ferreira diz que competências foram “mal distribuídas” tanto pelo PSD como pelo PS causando “desarticulação” entre Juntas de Freguesias e Câmaras.

Foto de capa / maqueta : GPIAAF

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