Na apresentação da candidatura de Maria João Correia à Junta de Santa Maria Maior, os discursos voltaram-se para o “estado de abandono” em que a cidade de Lisboa se encontrara. A líder da coligação “Viver Lisboa” concentrou praticamente toda intervenção nas críticas aos quatro anos de mandato do executivo municipal. Alexandra Leitão considera que Carlos Moedas “não sabe defender os interesses da cidade”. Miguel Coelho traduz o descontentamento dos socialistas numa frase: “a cidade está desumanizada”.
O cenário de apresentação pública da candidata da coligação “Viver Lisboa” Maria João Correia à Junta de Freguesia de Santa Maria Maior não poderia ser mais edílico.
Com o palanque dos discursos de costas voltadas para o lusco-fusco refletido no Tejo, no Miradouro das Portas do Sol, freguesia de Santa Maria Maior, os oradores foram unânimes em considerar Lisboa como “a cidade mais bonita do mundo”. Belíssima, sem dúvida, mas (muito) pouco acessível para os lisboetas, “suja”, “abandonada”, mas, acima de tudo, “madrasta” para próprios “filhos” lisboetas, que já não conseguem em ela viver.
O atual presidente de junta de Santa Maria Maior, que, caso a coligação “Viver Lisboa” vença as eleições de 12 de outubro, vai passar a pasta da liderança a Maria João Correia, é da opinião que Lisboa, e toda a zona de Santa Maria Maior em particular, está a “expulsar os lisboetas da cidade” por via do “crescimento descontrolado do alojamento local”, do excesso do turismo, dos preços exorbitantes das casas.
Para o socialista Miguel Coelho, em Lisboa “não se cuida de nada”. A cidade “está desleixada”, com “buracos nas vias”, um “trânsito infernal”, “está suja” e “descuidada”.
“Quem governa a cidade vive para a imagem nos outdoors, que até estão bem feitos, a anunciar aquilo que fez e, na realidade, não fez”.
“Martirizados pelo ruído”
Segundo Miguel Coelho, em Santa Maria Maior, que engloba algumas das zonas mais icónicas da capital, como o Chiado, Baixa, Alfama, Mouraria entre outras, a vida dos moradores “transformou-se num inferno”, com ruído, “todos nós vivemos martirizados pelo ruído”, poluição, falta de lugares de estacionamento para os moradores, tráfico de droga a céu aberto.
Mais grave ainda, assume o autarca, a Câmara Municipal de Lisboa “tem vindo a usurpar funções”, que são da competência das juntas de freguesia, como o licenciamento de festas. “A Junta não permite iniciativas que perturbem o descanso dos moradores, mas o presidente Carlos Moedas vem por trás e dá permissão para que se faça o barulho que se entender”.
Cidade “desumanizada”
Aos olhos do autarca, Lisboa “é hoje uma cidade muito mais desumana”, afiança, acrescentado que a capital “não pode ser convertida numa Disneylândia” para turista ver (e viver).
Miguel Coelho acusa Carlos Moedas de “ser o homem dos fundos imobiliários”, uma vez que “esse bichinho nunca saiu dele”, atira.
Para ilustrar a sua oposição à forma de fazer política do presidente da Câmara, o autarca socialista lembra a “vitimização” de Carlos Moedas face à tragédia do Elevador da Glória. “Entrou em pânico, pelo medo que a sua imagem pudesse ter. Ninguém pediu a sua demissão, mas ele veio logo com vitimização e a desresponsabilizar-se de tudo (…)”.
Miguel Coelho diz que a cidade precisa de mudar de mãos “com urgência” e a melhor maneira de Lisboa “voltar a ser uma cidade humana e de pessoas” é os eleitores “depositarem a sua confiança na candidatura liderada por Alexandra Leitão”, até porque a candidata “tinha muitas opções” para dar continuidade à sua carreira política, mas “preferiu candidatar-se na sua cidade, pela sua cidade, para as pessoas da sua cidade”.
Por outro lado, Miguel Coelho mostra-se confiante na “vitória” de Maria João Correia, pois “é uma autarca inteligente, humana, mas que faz” e não “se encolhe” ante as dificuldades do dia a dia na liderança da junta.
Contra a venda de edifícios do Estado
Alexandra Leitão não surgiu num “dia de nevoeiro”, mas compareceu na iniciativa já a luz do dia estava a dizer um último adeus ao Tejo. Ainda assim, a candidata à câmara da coligação “Viver Lisboa” ainda teve tempo de contemplar os últimos raios de luz refletidos no rio. E assumir continuar a ficar “rendida à beleza da cidade”.
Pese embora toda a “beleza da cidade”, Alexandra Leitão considera que Lisboa “precisa de equilíbrio”, uma vez que a capital “já não é uma cidade para os lisboetas”, vive hoje uma realidade “dramática” que “expulsa as pessoas da cidade”.
“Temos de criar condições para os lisboetas voltem a viver na cidade, construindo habitação pública que as pessoas possam pagar. É urgente devolver a cidade aos lisboetas”.
A propósito da falta de casas de habitação pública, Alexandra Leitão aproveitou para apontar o dedo a Carlos Moedas – e ao Governo. “Soubemos hoje que o Governo vai vender, note-se vai vender, vários edifícios públicos em hasta pública, mas não sabemos que com finalidade”, acusa.
Na visão da socialista, esses mesmos edifícios do Estado “deveriam reverter para a construção de habitação pública para a população”, mas Carlos Moedas “não soube defender a cidade”, “não sabe fazer valer os direitos de Lisboa”, “não temos um presidente que defenda a cidade”, reitera.
A candidata à presidência de câmara de Lisboa compromete-se a “defender os interesses dos cidadãos”, com uma liderança focada nas pessoas e que está muito para além de uma presidência “para o Tik Tok”.
Segundo o compromisso assumido por Alexandra Leitão, sob a sua batuta, a cidade vai voltar a “ser cuidada”, “amada” e, “já agora”, permitindo que Lisboa “volte a consentir aos seus filhos viverem cá”.
Proteger os mais frágeis
Com uma longa experiência autárquica, Maria João Correia emocionou-se, não contendo as lágrimas, na hora de agradecer os elogios e a presença dos familiares, que “compreendem” o “espirito de missão” necessário para vida autárquica e as ausências do lar.
A candidata socialista, que tem acompanhado Miguel Coelho em Santa Maria Maior nos últimos mandatos e que já foi presidente de junta na extinta freguesia do Socorro, revela que esta candidatura “é um sonho cumprido”, mas que se sente “muito bem preparada” para desempenhar o cargo.
A candidata compromete-se a “cuidar das pessoas”, pugnando pela habitação pública e proteção dos fregueses mais frágeis, como os idosos e as crianças, mas também a introduzir “inovações” na gestão da autarquia.
Candidatura de “causas”
Revela que é seu propósito criar respostas sociais “inovadoras”, como a criação de uma linha telefónica de apoio aos idosos (“Olá, bom dia”); lutar para que a Academia de Recreio Artístico — em vias de ser despejada pelo senhorio — permaneça na freguesia, ou melhor, no mesmo local do Chiado onde sempre esteve; criar residências para professores, profissionais de saúde e de segurança pública; a criação da Loja do Freguês, equivalente a uma loja do cidadão.
A autarca pretende também “devolver o estacionamento aos moradores”, proibindo que os automobilistas de fora da freguesia ocupem o estacionamento disponível nas ruas de Santa Maria Maior. “Os lugares de estacionamento são dos moradores. Quem vem de fora, que estacione nos parques que existem na zona”.
Lutar contra a instalação do Hotel Social da Mouraria
A terminar, Maria João Correia afiança ainda que, com ela na liderança da junta, vai intensificar a pressão junto da Câmara para que “não se construa o Hotel Social da Mouraria.
No entender da autarca, tem sido esta junta de freguesia a primeira defensora da conversão dos fogos desocupados na freguesia em habitação para arrendamento acessível, nomeadamente com destino a um programa especial de “Regresso ao Bairro”.
Para a socialista, a decisão da Câmara Municipal de Lisboa em relação ao Hotel Social não só conflitua com a captação de novos moradores, como constitui mais um obstáculo ao regresso dos que queiram voltar, sem contribuir para a resolução das dificuldades que se impõem no dia-a-dia a quem habita no centro histórico.
Fotos: Natacha Cardoso