Muitas bandeiras erguidas, cânticos entoados e grandes manchas de apoiantes: foi assim que tanto Alexandra Leitão como Carlos Moedas e João Ferreira quiseram marcar o primeiro dia oficial de campanha autárquica. Os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa (CML) marcaram eventos altamente participados para mostrar que partem numa posição de força. Pelo meio surgiram as ‘desavenças’ entre Alexandra Leitão e João Ferreira, candidato da CDU, que lembrou que o seu partido não está fora da corrida à liderança da autarquia e criticou o apelo ao voto útil de Alexandra Leitão. Para o comunista, esta é uma estratégia de quem “já perdeu” no “plano das ideias”.
A campanha oficial das eleições autárquicas arrancou esta terça-feira, mas a meio-gás. A atenção mediática e dos líderes dos partidos estiveram centradas no Parlamento, onde a nova versão da lei de estrangeiros foi aprovada. O tema acabou por contaminar as reações dos líderes partidários ao longo do dia, menos de André Ventura, que não apareceu. Nos assuntos locais, foi uma crítica de Luís Montenegro a agitar as águas para a esquerda, ao falar de barracas, durante um almoço com candidatos a presidentes de autarquias do distrito de Lisboa.
Enquanto o líder do PS já acusou o primeiro-ministro de “grande desumanidade” nas declarações sobre ressurgimento de barracas em autarquias socialistas e comunistas, o candidato da CDU, João Ferreira, que é também vereador da oposição na capital,refere que a solução da CDU “é clara”: é preciso “um plano de intervenção nestes bairros, uma estratégia de regeneração urbana que intervenha no espaço público e no edificado, fora das habitações, de isolamento, resolução de problemas estruturais, mas também dentro das habitações”.
Vamos à história que fez ‘agitar as águas’ para a esquerda. O líder do PSD afirmou, esta terça-feira, que as barracas e bairros de lata têm ressurgido sobretudo em autarquias socialistas e comunistas, defendendo que os presidentes de câmara sociais-democratas “não ficam a olhar” para este problema. Mas José Luís Carneiro, que fez a viagem de comboio entre Sintra e Lisboa, acompanhado pelos candidatos às autarquias da grande Lisboa, defendeu nas primeiras horas desta terça-feira que as palavras de Luís Montenegro sobre bairros de lata revelam uma “grande desumanidade” e que é preciso proteger os portugueses que trabalham, por exemplo, nas limpezas.
Luís Montenegro falava, na terça-feira, num almoço com todos os autarcas do distrito de Lisboa, a que só faltaram os independentes Isaltino Morais (Oeiras) e Sérgio Galvão (Torres Vedras) e no qual se centrou, sobretudo, nos problemas da habitação e segurança na Área Metropolitana de Lisboa.
“Estas candidaturas que nós aqui temos não são dos que ficam a olhar e observar o renascimento de núcleos de barracas. Não há que ter problemas de falar nas palavras como elas são: de barracas, de bairros de lata”, afirmou.
O também primeiro-ministro salientou que este tipo de habitação tinha sido “erradicada por um governo com a mesma inspiração ideológica”, referindo-se aos executivos liderados por Cavaco Silva.
“Voltaram devagarinho, aqui e ali, nesta margem e naquela do lado lá, a ressurgir, sobretudo – tem que se dizer também – em câmaras governadas pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista. É muito curioso observar que este novo movimento de ressurgimento de bairros de lata e de barracas aconteceu em municípios geridos pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista”, acusou.
Carneiro desmente Montenegro
Eram 05 horas desta quarta-feira, quando José Luís Carneiro, acompanhado pelos candidatos da Grande Lisboa, iniciou uma viagem de comboio entre Sintra e Lisboa. Ainda antes do nascer do sol, José Luís Carneiro disse que as palavras do primeiro-ministro revelam uma ” grande desumanidade” e desafiou Montenegro a pedir explicações ao Ministério das Infraestruturas, uma vez que a construção de barracas está a acontecer em terrenos do Estado.
“Entendi ser uma declaração, como aliás já é costume, de uma grande desumanidade, porque o doutor Luís Montenegro devia saber que as pessoas que saíram de Lisboa, muitas delas por falta de resposta habitacional, por falta de condições de vida, aumentou o número de sem-abrigo e muitos procuraram nas periferias de Lisboa a resposta, que é uma resposta com muita indignidade”, respondeu José Luís Carneiro aos jornalistas no final da primeira ação de campanha no dia, em Faro.
Na opinião do secretário-geral do PS, esta situação deveria “interpelar o primeiro-ministro do país para responder aos cidadãos sobre aquilo que está a fazer para responder à habitação”.
“Já agora faço uma pergunta que gostava que o doutor Luís Montenegro pudesse responder: o doutor Luís Montenegro, por acaso, tem consciência de que uma parte onde mais barracas estão a nascer é dentro dos terrenos do Estado e do Instituto de Habitação”, questionou.
Segundo Carneiro, se o primeiro-ministro não tem conhecimento desta situação “deve visitar e deve perguntar” o que está o Ministério das Infraestruturas “a fazer para responder a um problema grave do ponto de vista social”.
A viagem contou com quatro candidatos do PS, além do secretário-geral, naquele que foi um comboio socialista, onde também couberam as propostas do partido para a mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa e a “preocupação” de Carneiro com as subconcessões na CP que o Governo se prepara para aplicar.
Montenegro, que ainda não respondeu ao líder do PS, voltou a fazer, durante o almoço, a defesa das recentes medidas do Governo na área da habitação, salientando que os apoios fiscais à construção para arrendamento cobrem rendas “a partir de 400 euros” e até 2.300 euros e referiu que em muitos concelhos do distrito de Lisboa muitos não conseguem pagar as rendas elevadas que aí se praticam.
“Eu quero que o país perceba que nós estamos a agir de A a Z para haver precisamente esta garantia de eficácia, esta garantia de eficiência em todos os contextos territoriais do país”, afirmou, apelando aos autarcas para ajudarem nesta tarefa de explicar as medidas do Governo.
Moedas quer mais policias
Depois de o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, lhe ter pedido mais polícias para reforçar a segurança na capital, o primeiro-ministro voltou a apontar este valor como essencial na atividade económica, sobretudo para o turismo.
“A segurança não pode ser um bem para que nós olhamos e contemplamos, em termos de análise quantitativa face à realidade de outros países”, disse, defendendo a necessidade de fazer também uma análise qualitativa, por regiões e tipos de crime.
Montenegro advertiu que, mesmo na comparação com outros países, Portugal “já esteve melhor do que é hoje”.
Por essa razão, rejeitou que ao colocar a segurança como um eixo central da política do Governo, com “mais polícia na rua, que se veja, mais operações especiais de combate a crimes, que se vejam”, o executivo “não está a contribuir para o alarme social”.
A agenda do PSD no primeiro dia oficial de campanha para as eleições de 12 de outubro terminou com este almoço com autarcas de Lisboa na zona de Belém, com Luís Montenegro a regressar à estrada apenas na sexta-feira, já que participa, como primeiro-ministro, no Conselho europeu informal em Copenhaga, na quarta e quinta-feira.
Guerra aberta entre PS e CDU
Em disputa pelo mesmo eleitorado, as alfinetadas entre Alexandra Leitão e João Ferreira têm sido cada vez mais frequentes. Com a candidata socialista à Câmara Municipal de Lisboa (CML) a carregar no apelo ao voto útil e o candidato comunista a insistir em mostrar que a corrida à liderança da Câmara é feita a três, e não a dois.
A atiçar ainda mais os ânimos, Pedro Moz Caldas, candidato da coligação “Viver Lisboa” à presidência da Assembleia Municipal, acusou Carlos Moedas e o vereador comunista João Ferreira de terem feito uma espécie de “pacto de regime” para impedir a coligação “Viver Lisboa” de ascender ao poder.
“Pensar que roubando votos à CDU se pode derrotar Carlos Moedas, para além de uma chantagem incompreensível sobre o eleitorado, significa que no plano das ideias, do projeto, das propostas concretas para a cidade, já perdeu”, acusou João Ferreira em declarações à margem de uma ação de campanha com músicos independentes, no jardim da Estrela.
Esta guerra à esquerda começou há duas semanas quando Alexandra Leitão anunciou que convidou João Ferreira para vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa em caso de acordo com a CDU para a corrida a Lisboa, o que não se verificou.
As negociações com o PS existiram, mas o vereador eleito estranha que Leitão as detalhe. “Não temos por hábito trazer à praça pública conversas que são de caráter reservado, mas tendo havido a iniciativa do PS, que nos pediu reserva nas conversas, é importante dizer que estas conversas assinalaram as diferenças que existem entre o projeto e a visão que a CDU tem para a cidade e questões muito concretas do posicionamento do PS, não só durante os 14 anos em que foi governo na cidade, mas também durante os últimos quatro anos em que viabilizou a governação de Carlos Moedas”, respondeu João Ferreira, que, sem reconhecer que o PS pode estar a apelar um voto útil, retirando eleitores da CDU, admite que é possível ler algum nervosismo na coligação socialista, com apoio de Livre, Bloco de Esquerda e PAN.
“Acho que, eventualmente, revela alguma falta de confiança no seu projeto e na sua visão ou nas suas propostas para a cidade. Isto traz a ideia de algum desespero”, atira o comunista, contestando que a dispersão de votação encaminhe a vitória de Carlos Moedas: “Estamos focados em mostrar que temos para a cidade um projeto de governação da cidade, que é alternativo à gestão atual de Carlos Moedas. Estamos a disputar votos de muitos daqueles que há quatro anos votaram em Carlos Moedas e hoje têm razões para estar arrependidos. Não é ao roubar votos à CDU que se derrota Moedas.”
Hoje, a partir das 22 horas, a RTP realiza um debate com os nove candidatos à presidência da Câmara Municipal de Lisboa.