O designado bullying está na ordem do dia e a comunidade escolar está preocupada com o fenómeno, que não é novo, mas se tem vindo a agudizar com as redes sociais. A Escola Amélia Rey Colaço tem uma linha vermelha que jamais pode ser pisada. Os bullies ficam automaticamente excluídos de todas as atividades lúdicas promovidas pela instituição e vão para casa uns dias para refletir sobre as suas ações. O Instituo de Apoia à Criança dá alguns concelhos para lidar com o problema.
Uma empresa de material escolar e o Instituto de Apoio à Criança (IAC) estabelecerem uma parceria para chamar a atenção do problema do bullying nas escolas. A designada “Aula Contra o Bullying”, uma iniciativa organizada pela Giotto, em parceria IAC, andam a percorrer as escolas do país para sensibilizar a comunidade escolar, mas também os encarregados de edução da necessidade de se refletir sobre este fenómeno social que, muitas vezes, está escondido sob a capa do medo.
Desta feita, a iniciativa decorreu ontem, 16 de outubro, na Escola Básica e Secundária Amélia Rey Colaço, em Linda-a-Velha.
Segundos os dados apresentados na ação, 33% das vítimas frequentam o 1º ciclo do Ensino Básico; 93% das vítimas e agressores frequentam o mesmo estabelecimento de ensino; 24% dos denunciantes são os próprios encarregados de educação; os agressores têm idades que rondam os 13 anos.
Procurar perceber contexto social do agressor
Todavia, para o presidente da direção do IAC, a frieza dos números não transparece totalmente a realidade dos factos, pois não reflete as circunstâncias pessoais e familiares dos agressores. Manuel José Ataíde, que é psicólogo clínico, considera que as crianças ou adolescentes agressores provém, muitas vezes, de lares destruturados, onde se geram filhos “sem amor”, onde as crianças são, elas próprias, vítimas de maus tratos. Esta desamor e falta de empatia geram, por sua vez, crianças “revoltadas”, sem sentimento de pertença à escola, a nada. E, como consequência, podem servir de um caldo social que gera bullies.
Embora os casos de bullying sejam frequentes, principalmente em contexto escolar, não podem ser considerados normais do “ser criança”, defende o responsável.
Atualmente, um em cada quatro alunos é vítima bullying e está em risco de desenvolver outras complicações.
Para que estes casos se resolvam da melhor forma e sejam minimizados os impactos negativos nas vítimas, é importante contar com o apoio e compromisso de todos (professores, funcionários, direção da escola, encarregados de educação, colegas, comunidade, etc.).
Para o perito, uma situação de bullying não pode ser ignorada, sob o risco de se agravar e trazer sérias consequências, tanto para quem é vítima, como para quem agride.
“Normalidade” da agressividade
Porém, Manuel José Ataíde sublinha que é importante contextualizar que a “agressividade faz parte da natureza humana”, que é até necessária “para haver o crescimento das crianças”. O presidente do IAC exemplifica com as “cenas de pancadaria” entre as crianças e os adolescentes ocorridas nas escolas. Na sua opinião, as contendas, principalmente entre os indivíduos do sexo masculino, advêm do facto de os jovens (dos 12 aos 20 anos) não utilizarem o córtex pré-frontal, “utilizam a amígdala cerebral, que é instinto”. “O meu grupo de amigos mais chegados nasceu de cenas de pancadaria (…) Não devemos fazer um drama de algo que é normal. Dramático é os filhos que são ignorados pelos pais”.
Para o especialista, a agressividade num jovem “é normal”. Anormal é quando um adolescente “é certinho” e não pisa o risco. Mas agressividade é distinta da violência. “A violência é mau uso que se faz da agressividade. Miúdos à pancada não é bullying, mas quando há humilhação, na vida real ou na realidade virtual, pode ser caracterizada por bullying”.
O responsável refere, porém, que muitos dos pais que são chamados à escola para responder por situações de bullying dos educandos, demonstram comportamentos “piores do que os próprios filhos”.
Em jeito de conclusão, o psicólogo e presidente do IAC defende que toda a comunidade que rodeia o agressor deve estar preocupada para a necessidade de “criar uma cultura de pertença na escola”, na sociedade, mas também nas próprias famílias.
Crime e castigo
O diretor da Escola Amélia Rey Colaço revela ao nosso jornal que a sua instituição de ensino “é exemplar” na prevenção do bullying dentro de portas. Hernâni Pinto refere que no ano letivo passado os “casos foram residuais, apenas dois ou três” e aponta o sucesso ao modelo de gestão da escola.
O diretor assume que pauta a sua atividade pelo “humanismo” e pela compreensão de “todos os alunos”. “Quando o ano começa, recebo todos os alunos da escola. Acredito que esta sessão de boas-vindas é a mais importante de todas as aulas. Não somos de impor regras atrás de regras. Só lhes transmito duas ou três regras simples. Mas há uma linha que ninguém pode pisar: a falta de respeito pelo outro ou a violência reiterada sobre alguém. Um aluno da minha escola que ultrapasse essa linha e se torne num agressor, já sabe que vai ter que me encarar. E aí, desaparece o professor amigo e compreensivo e surge o professor realmente severo. Eles sabem disso e não abusam”, atira.
Apesar de não haver castigos de outra natureza que não sejam “ir uns dias para casa”, os agressores “perdem todas as regalias” promovidas pela escola, como visitas de estudo ou mesmo “idas à neve”, frequência de atividades lúdicas extraescola, entre outras benesses.
Segundo o diretor da Amélia Rey Colaço, esta metodologia tem produzido frutos na prevenção de casos de violência reiterada entre os alunos, mas admite que as escolas “não são santuários” e que a algazarra e, por vezes, as cenas de agressividade “fazem parte”. Mas -não significam propriamente bullying.
“O bullying tem de ser encardo um comportamento reprovável e que, nos casos mais graves, pode gerar situações muito perigosas para as vítimas. Se for alguém mais frágil do ponto de visto emocional, pode provocar verdadeiros abalos emocionais nos jovens e deixar marcas para a vida”, anota.
Dia Mundial de Combate ao Bullying
Esta sessão, que antecipa a celebração do Dia Mundial de Combate ao Bullying (20 de outubro), reuniu docentes do estabelecimento de ensino, especialistas do IAC e também os três embaixadores do projeto “Todos Pintamos Contra o Bullying”: Mimicat, vencedora do Festival da Canção, Márcia Lopes, coreógrafa, e Oker, artista urbano. Juntos, promoveram um momento de debate, reflexão e partilha, falando abertamente do impacto do bullying e do papel da arte como ferramenta de inclusão e empatia.
O projeto “Todos Pintamos Contra o Bullying” já envolveu mais de 25 mil alunos de todo o país, procurando promover um ambiente escolar mais seguro e com mais respeito por todos.
Lançado em 2024 pela empresa de material escolar Giotto em parceria com o IAC, o projeto promove sessões especiais para escolas – professores e alunos -, disponibilizando ainda sessões gratuitas para famílias, como vai acontecer no dia 20 de outubro. A iniciativa conta, habitualmente, com a presença de profissionais do IAC (psicólogos, juristas, sociólogos e especialistas em “envolvimento parental”, entre outros).
Como agir, como prevenir
Os especialistas referem que, em Portugal, estima-se que um em casa três alunos já tenha sido vítima de bullying. Muitos casos permanecem em silêncio por vergonha ou medo de represálias.
Neste contexto, os especialistas do IAC sublinham a importância da atenção, do diálogo e da denúncia na prevenção desta prática e partilham dez orientações para apoiar as famílias.
Conselhos práticos: Estar atentos aos sinais, como alterações de humor, isolamento ou medo de ir à escola são alertas importantes; não desvalorizar, pois o bullying não é “normal” nem faz parte do crescimento, exige atenção e ação imediata; criar um espaço de confiança e escutar sem julgamentos e com disponibilidade genuína; reforçar a autoestima, valorizando as conquistas para ajudar a contrariar o impacto emocional; explicar o que é o bullying, pois informação é proteção e quanto mais souberem, melhor saberão reagir; incentivar à denúncia, uma vez que pedir ajuda é um ato de coragem, não de fraqueza; manter o diálogo aberto diário, conversar sobre o dia a dia ajuda a identificar cedo os problemas; acompanhar a vida escolar, mantendo contato com os professores e colegas; procurar apoio especializado, pois os psicólogos e mediadores podem apoiar vítimas e agressores; atuar em conjunto com a escola, já que só uma resposta coordenada garante resultados.
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