À margem de uma iniciativa pela defesa da construção de habitação pública no Restelo, o candidato comunista à Câmara de Lisboa não fecha a porta a um entendimento com os socialistas. João Ferreira adianta que os comunistas estão abertos ao diálogo à esquerda, mas prefere esperar pelos resultados das eleições.
O candidato comunista à presidência da Câmara de Lisboa convocou os jornalistas para uma conversa em frente ao terreno onde deveria ter nascido um projeto de habitação pública no Alto do Restelo. O terreno está vedado. Foi tomado pelos arbustos e pela erva, que já secou, e dá conta do estado de abandono a que foi sujeito.
Nos terrenos camarários do Alto do Restelo foi aprovada, por proposta da CDU e aprovação do PS, a construção de habitação pública ao abrigo do Programa de Ação para Comunidades Acessíveis (PACA) — uma medida aprovada em 2018, na altura com Fernando Medina como presidente – medida aprovada com os votos dos vereadores do PS e da CDU.
“A alteração de 2021 é coassinada pelos vereadores da CDU e do PS e previa mais de 400 casas com custos acessíveis”, disse aos jornalistas presentes esta quinta-feira, 9 de outubro, na ação de campanha da freguesia de Belém, reivindicando a construção de “400 casas prontas a avançar”.
João Ferreira assinalou que o PACA previa a construção 400 casas a preços acessíveis, mas que ia mais longe do que a simples construção de prédios de habitação. “A proposta da CDU propunha uma solução urbanística de qualidade, que previa a construção de serviços de proximidade, comércio, escolas e creches, transportes públicos, etc. Era uma solução que iria qualificar esta área, mas este terreno, que pode vir a ser alienado pela Câmara, tem uma capacidade de edificação sensivelmente do dobro daquela que estava prevista”, porque era um projeto que “tinha a preocupação de não ter uma volumetria excessiva, porque houve a preocupação de ouvir os moradores, de integrar as preocupações dos moradores. Era uma boa solução urbanística e produzia 400 e tal casa a preços acessíveis”.
Todavia, “a primeira coisa que Carlos Moedas fez foi meter o projeto na gaveta”, atira João Ferreira.
O economista Josué Caldeira, candidato da CDU à freguesia de Belém, intromete-se na conversa para revelar que as “culpas” pela estagnação do PACA no Restelo devem ser repartidas entre Carlos Moedas e alguns moradores da zona. “A construção deste projeto não avançou porque sofreu o impedimento de Moedas, mas também dos setores mais retrógrados e reacionários da freguesia de Belém, que dizem ‘habitação pública aqui, é um bocado chato’, porque este bairro está tão valorizado e, com a construção de habitação pública, os preços iriam descer de forma abrupta…”
Abandono do projeto “é decisão política” de Moedas
João Ferreira opta por não comentar a declaração do seu camarada, mas sublinha que o “meter na gaveta” do projeto é essencialmente “uma decisão política” de Carlos Moedas, lembrando que a habitação municipal contempla a construção dos bairros sociais, mas também a oferta de habitação para famílias de “rendimentos médios, a chamada classe média”, ou seja, pessoas que “tendo rendimentos médios não conseguem chegar à habitação” por via da inflação galopante dos preços das casas atualmente. “Este projeto seria dirigida a estas pessoas”.
Para João Ferreira, a cidade necessita de promover uma verdadeira democratização do acesso à habitação. “A cidade de Lisboa está hoje polarizada pelos mais ricos dos ricos da área metropolitana, mas temos também os pobres dos pobres. Precisamos de construir uma cidade moderna, cómoda, funcional, mas que seja para todos, que permita esta mistura social em todas as freguesias. Não queremos criar guetos, nem uma cidade onde apenas possam habitar as elites”
Na opinião de cidade do candidato comunista, o avanço da urbanização do Alto do Restelo seria o exemplo perfeito da sua visão de cidade.
Construir pontes à esquerda
Questionado sobre as declarações de Alexandra Leitão sobre o plano de construir 4500 casas de habitação pública, prevendo o avanço do projeto do Alto do Restelo, João Ferreira deixa claro que a CDU “está para construir”, mostrando ser possível acordos com o PS. “Esta proposta foi subscrita pela CDU e PS, mostra que temos postura construtiva, seja de governo da cidade ou de posição de oposição. Também no Alojamento Local foi feito em coautoria entre PS e CDU”, refere.
A candidata à presidência da CML da coligação “Viver Lisboa” já garantiu que escolheria a CDU como “parceiro primordial” para conversações de propostas.
João Ferreira não fecha a porta a um entendimento após as eleições, mas, ainda assim, afirma que o quadro eleitoral “só se pode discutir depois dos resultados”, vincando, porém, que “o PS recupera soluções que avançou nos 14 anos de governação da cidade que não produziram uma única casa”.
“As parcerias com privados, por exemplo, nos moldes em que o PS as defende, já as defendeu durante os 14 anos de governação. Nenhuma funcionou. Estou a alertar para que se pense criticamente sobre essas soluções”, afirma, concretizando que “a CDU não defende que tenha de ser tudo produção única e exclusivamente municipal, até porque a Câmara Municipal não tem capacidade para isso.”
Moedas foi “suportado” pelos socialistas
Pedro Nuno Santos, ex-líder do PS, já veio a terreiro defender a candidatura de Alexandra Leitão, considerando que a CDU poderia vir a “arrepender-se” se prejudicasse a eleição do PS.
João Ferreira mostrou-se em desacordo com a posição dos socialistas e repetiu que os últimos quatro anos do PS na Câmara deveriam levar a “arrependimentos que ainda não foram vistos.”
“É bom que ninguém se esqueça que a ação de Carlos Moedas ao longo dos últimos quatro anos foi suportada em decisões fundamentais pelos vereadores do PS”, atirou, ilustrando com “os hotéis aprovados sem restrições”, “a descapitalização da Carris, com a transferência de recursos para eventos como a Web Summit” e a “devolução do IRS que privou a Câmara de 270 milhões de euros de receita que podia ser usada a favor de toda a cidade” e que poderia contribuir, em certa medida, para a resolução do problema da habitação.
João Ferreira lamentou ainda o valor que Carlos Moedas investiu em assessoria de Imprensa após o acidente do Elevador da Glória: “Foi uma coisa de todo o mandato. Gastaram-se recursos excessivos em propaganda. O melhor exemplo disso são os inúmeros placares que, em violação da lei, mesmo em período eleitoral, continuam a ser exibidos pela cidade.”
Jogo do “pinta/apaga”
No local, foi pintado um mural da CDU a exigir o cumprimento do PACA no Alto do Restelo, que a Junta de Freguesia mandou apagar duas vezes, mas a CDU insistiu em voltar a pintar – no dia 9 de outubro, o mural voltou a ser pintado, pela terceira vez.
João Ferreira, Ana Jara e Josué Caldeira, candidatos da CDU, estiveram junto a esse mural, reafirmando o compromisso da CDU “com uma Lisboa para todos, com habitação pública”.
Apesar da posição de força dos seus adversários neste jogo do gato e do rato, João Ferreira promete não desistir de lutar pela construção do projeto, considerando que o “apagamento” do mural não vai fazer a CDU abdicar da sua luta.
“Este mural da CDU-Belém foi pintado três vezes. Será tantas pintado tantas vezes e quantas as necessárias. Aqui podem nascer 400 casas com renda acessível, comércio e serviços de proximidade, equipamentos (escola, creche) e transportes públicos. Moedas meteu tudo na gaveta e apagou este mural. Não desistimos!”, pois “a vontade e a luta não se apagam”, atira.
Campanha para hoje
Hoje, dia 10 de outubro, o candidato comunista já esteve reunido com a população de Campo de Ourique; da parte tarde vai ter uma conversa sobre a “relação entre a cidade e o Rio Tejo”, no passeio do Neptuno (Parque das Nações) e termina a campanha com um desfile da Descida do Chiado (concentração no café A Brasileira), que vai contar com a presença do secretário geral da CDU, Paulo Raimundo.