Moradores de Marvila denunciam “estado de abandono prolongado” da freguesia, mas Gebalis repudia críticas  

Comissão de Moradores de Marvila denuncia “estado de abandono” da freguesia e reclama por medidas urgentes da parte da Câmara de Lisboa. Moradores exigem a manutenção dos elevadores dos prédios para que as pessoas mais velhas ou com problemas de saúde possam deixar de ser “reféns” nas suas próprias casas. A Gebalis diz que as avarias nos elevadores foram provocadas pela rotura da canalização de um dos prédios e por ato de “vandalismo” no outro. A Gebalis responde que “as afirmações de ‘abandono prolongado’ não refletem o esforço e o investimento que têm sido feitos” na freguesia.

Os moradores de Marvila organizaram uma ação de protesto no dia 11 de setembro para contestar e denunciar a “grave” situação de “abandono” registada em alguns lotes dos bairros municipais desta freguesia localizada na zona oriental de Lisboa.

Em entrevista ao “Olhares de Lisboa”, Tiago Gonçalves, da Comissão de Moradores de Marvila, confirma o descontentamento face ao facto de os protestos dos moradores terem caído em saco roto, responsabilizando a Câmara de Lisboa pelo estado de “abandono” de “todo o bairro”.

“No dia 11 de setembro foi realizado o protesto com os moradores dos lotes 554, 555 e 556 do B. Condado, em Marvila, e confirmámos a gravidade das situações que temos vindo a denunciar: mais de três meses sem elevadores a funcionar, falta de condições mínimas de higiene nas zonas comuns, infiltrações e problemas estruturais não resolvidos, e obras paradas sem explicações. Ficou claro que estas situações não resultam de casos pontuais, mas de um abandono prolongado a que os marvilenses estão sujeitos há décadas. Esta é uma situação que não acontece apenas nestes lotes, mas é uma triste realidade por toda a freguesia”.

Uma das reivindicações dos moradores prende-se com a inoperacionalidade dos elevadores dos prédios, que estiveram avariados durante um largo período de tempo, mas o protesto alcançou parcialmente um dos objetivos pretendidos: voltar a dar vida a estes equipamentos – ainda que, entretanto, o problema tenha ressurgido.

“Durante o protesto, em menos de 24 horas, a CML/Gebalis pôs a funcionar 2 dos 4 elevadores que estavam avariados há mais de 3 meses. Isso só prova que é possível intervir quando há vontade. Mas a exigência mantém-se: queremos os 4 elevadores a funcionar com regularidade e segurança. Apesar disso, no dia 15/09, apenas um dos elevadores que foi colocado a funcionar se mantinha dessa forma, estando o outro parado”.

Como a intervenção da Câmara de Lisboa não solucionou definitivamente as avarias dos elevadores, Tiago Gonçalves – que é candidato da CDU à presidência da Junta de Marvila — sublinha que a população não calará a sua voz até verem uma solução definitiva para “a prioridade absoluta”, que “é o funcionamento integral e seguro dos 4 elevadores”.

Em simultâneo, “exigimos resposta urgente a infiltrações, falta de escoamento das águas pluviais, problemas estruturais nas habitações e o restabelecimento das condições de higiene nas zonas comuns. É inadmissível que a CML/Gebalis informe os moradores que as obras terminaram quando visivelmente não é o caso”

No entender de Tiago Gonçalves, porta-voz dos moradores, Marvila está a ser “marginalizada” e esquecida pela Câmara. “Estas condições degradantes não acontecem por acaso. São resultado de anos de desinvestimento e de abandono. Marvila, infelizmente, continua a ser tratada como freguesia de segunda”.

Moradores reféns nas suas próprias casas

O ativista na luta pelos direitos dos marvilenses refere que os moradores estão a viver uma situação “desumana”, estando alguns deles, com problemas de saúde, reféns nas suas próprias casas, uma vez que não conseguem sair à rua.

“A partir do momento em que todos os moradores são obrigados a subir a pé até aos seus andares, a desumanidade está a tocar à porta de todos. Alguns exemplos dessa desumanidade são: um dos moradores, depois de ter tido alta do Hospital Curry Cabral, não conseguiu regressar a casa porque mora num andar alto e os elevadores estão avariados. Teve de ser encaminhado para um lar; há também vizinhos com mais de 90 anos, pessoas com mobilidade reduzida e até doentes dependentes de oxigénio que ficaram prisioneiros nas suas próprias casas”.

Para Tiago Gonçalves, a posição quer Gebalis, quer da Câmara de Lisboa relativa a este caso não colhe aceitação entre os moradores.

“A resposta tem sido insuficiente e marcada por desculpas, muitas vezes assentes, ora no preconceito; ora num “investimento” feito como nunca. O que é certo é que estes moradores pouco ou nada sentem desse investimento”.

Faltam explicações da Câmara

Se nada for feito, a Comissão de Moradores prevê intensificar a luta. “Tentámos fazer a entrega destas conclusões pessoalmente ao presidente da Câmara e ao executivo municipal. Mais uma vez não tiveram a dignidade e a coragem de virem ao encontro dos moradores para lhe darem as devidas explicações. Foi então proposta uma nova reunião, nestes mesmos lotes, para o próximo dia 20 de setembro, sábado, pelas 10h00, ou numa outra data/hora a acertar com o Eng. Carlos Moedas e os Vereadores Municipais”.

O dirigente associativo aproveita para sublinhar que os moradores já acreditam em promessas. “Não precisamos de promessas, precisamos de soluções que se vejam na vida das pessoas”.

A vereadora Filipa Roseta está de saída da Câmara. Mas os moradores mostram-se alheios a quem vá ocupar na pasta da Habitação, mas reclamam por maior compromisso a quem venha a tomar conta da vereação.

“Esperamos que qualquer mudança traga mais seriedade e mais compromisso para resolver os problemas dos moradores de Marvila. Não baixaremos os braços — seja quem for o responsável político, a nossa exigência mantém-se”.

Gebalis responde a críticas

Em esclarecimento escrito enviado à nossa redação, a Gebalis, por seu turno, repudia as acusações da Comissão de Moradores de Marvila de que a freguesia esteja votada ao “abandono total”.

No entender deste organismo municipal, a Gebalis e a Câmara Municipal de Lisboa “têm um compromisso firme com a reabilitação e melhoria dos bairros municipais de Marvila. As afirmações de ‘abandono prolongado’ não refletem o esforço e o investimento que têm sido feitos e que estão planeados para a freguesia que, pelas 4886 frações municipais existentes, é tida como uma área prioritária nas nossas intervenções”.

Segundo a Gebalis, nos últimos anos, e em particular através do Programa “Morar Melhor Lisboa”, “temos vindo a implementar um vasto conjunto de obras de reabilitação e conservação em diversos bairros de Marvila, como o Condado, Armador, Flamenga e Marquês de Abrantes. Estes projetos representam um investimento superior a 39 milhões de euros (39.908.854,73 €) e visam responder às necessidades dos moradores”.

Para a Gebalis, este valor “contrasta significativamente com os 7.901.328,27 euros adjudicados no período 2009 a 2021”.

Elevadores têm plano de manutenção “contínuo”

A par do edificado, “e também por reconhecermos a importância vital dos elevadores para a mobilidade e bem-estar dos moradores, especialmente idosos e pessoas com mobilidade reduzida”, a Gebalis “tem operacionalizado um plano de manutenção, reparação e modernização contínuo para os 279 elevadores existentes em Marvila”.

Segundo a Gebalis, entre 2018 e 2021, o investimento em elevadores “situou-se nos 643 mil euros em manutenção e quase 100 mil euros em reparação e modernização”.

Para o período de 2022 a 2025 (estimado a dezembro de 2025), o investimento previsto em manutenção “ascende a mais de 1,1 milhões de euros, e em reparação/modernização a quase 1,4 milhões de euros.

Rotura de canalização e vandalismo provocaram paragem

A Gebalis refere ainda que os dois elevadores dos Lotes 554/555 “estão funcionamento” e que “foram alvo de modernização”, em 2024, com valor de intervenção de 33 mil e 300 euros.

A empresa municipal explica que no início de julho de 2025 “registou-se uma rotura na canalização de água no edifício, com danos nos poços dos elevadores, que fez com que os elevadores ficassem imobilizados, mas, após processo de contratação e adjudicação da reparação e devida intervenção, os elevadores “ficaram em funcionamento a 12/09/2025”.

Na avenida João Paulo II, no Lote 556, a Gebalis confirma que o elevador 1 “está em funcionamento”, mas o elevador 2 se encontra “parado”

Em relação ao elevador 1, a Gebalis explica que última avaria reportada ocorreu no dia 8 de setembro, “tendo o elevador ficado a funcionar no dia 12 do corrente mês”. “A avaria foi o desligar do botão de stop da cabine, tendo sido suficiente fazer o reset na placa de comando e o elevador ficou em normal funcionamento; foi ainda substituída a iluminação da cabina”.

A Gebalis confirma, no entanto, que o elevador 2 está efetivamente inativo, mas aponta para a “evidência de vandalismo com roubo de placas, cuja substituição não é possível de fazer nos prazos desejáveis”, até porque os elevadores são antigos e já não haverá peças no mercado, mas avança que a previsão de reposição do funcionamento do elevador é até final do corrente mês.

Mais de 8 milhões investido na reabilitação de apartamentos

Para além das “grandes obras de reabilitação”, a Gebalis defende que “tem investido significativamente na reabilitação de frações habitacionais. Desde 2022 até à presente data, foram investidos mais de 8,7 milhões de euros na reabilitação de 303 casas, com um plano ambicioso para 2025”.

Quanto às obras paradas, a Gebalis assegura que “todas as intervenções em curso têm acompanhamento e que os prazos são comunicados”. Em alguns casos, como na Flamenga, alterações de projeto ou a necessidade de aprovações específicas “podem levar a ajustes nos cronogramas, mas sempre com o objetivo de garantir a qualidade e segurança das obras”.

“Disponível para o diálogo”

Relativamente às críticas da Comissão de Moradores ao alegado “virar de costas” da Câmara e da Gebalis aos problemas de Marvila, a empresa municipal diz que “está sempre disponível para dialogar com as Comissões de Moradores. Já reunimos e continuaremos a reunir com os representantes dos moradores para ouvir as suas preocupações, explicar as intervenções em curso e procurar as melhores soluções para os problemas identificados, incluindo os relativos aos elevadores”.

“O nosso objetivo é garantir que as avarias sejam resolvidas com a maior celeridade possível e que a manutenção preventiva seja eficaz”.

A empresa reitera ainda o seu “compromisso com os moradores de Marvila e continuará a trabalhar em estreita colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa para garantir que a freguesia tenha as condições de habitabilidade e qualidade de vida que os seus residentes merecem. Estamos abertos ao diálogo e à colaboração com todas as partes interessadas para alcançar este objetivo comum”.

Foto de capa: Gebalis

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