A última sessão da Assembleia Municipal de Lisboa deste mandato ficou marcada pelos discursos de despedida da presidente do órgão municipal. Rosário Farmhouse despediu-se com algumas críticas ao funcionamento da AML, mas afirma partir de consciência tranquila. A homenagem ao historiador António Borges Coelho, que morreu há poucos dias, constituiu um dos momentos altos da sessão.
O relatório preliminar do Elevador da Glória, um documento de 35 páginas que aponta para várias falhas, como material inadequado utilizado no cabo, foi conhecido na segunda-feira. O assunto pairava sobre sessão da Assembleia Municipal, a última do quadriénio 2021-2025, mas ficou simplesmente a “pairar” no ar porque Carlos Moedas não compareceu nesta sessão, nem tão-pouco João Ferreira, da CDU, que havia dito à RTP que iria confrontar o presidente da Câmara com o assunto no decurso da Assembleia Municipal.
Com a ausência de Carlos Moedas e do vice-presidente da Câmara, Anacoreta Correia, da última sessão da Assembleia, as atenções dos deputados concentraram-se nos discursos de “despedida” de vários deputados deste órgão municipal, como é caso de Carlos Reis (PSD), Bruno Mascarenhas (Chega), que se candidatou a presidente de câmara e foi eleito vereador do município olisiponense, Gonçalo da Câmara Pereira (PPM), entre outros.
Bruno Mascarenhas “congratulou-se” com o afastamento dos autarcas ligados ao caso Tutti Frutti das listas dos partidos que concorreram às eleições autárquicas.
Por outro lado, o agora vereador lembrou algumas das posições do seu partido levadas a cabo nestes quatro anos, nomeadamente a necessidade “imperiosa” de a Ponte 25 de Abril ser alvo de “uma intervenção de fundo”, mas também os “avisos” e os “relatórios” apresentados na Assembleia sobre o Elevador da Glória.
“Estupefacta” com “momentos de grande hostilidade”
Mas a despedida mais notada recaiu sobre a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, que deixa o cargo após quatro anos como responsável máxima pela casa da democracia lisboeta. Rosário Farmhouse admitiu que, ao longo da sua vida, passou para situações “muito complexas”, em que viu de todo, enquanto presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), mas não estaria à espera de assistir a episódios que raiaram a degradação moral. Neste quadro, Rosário Farmhouse declarou-se “estupefacta” por ter presenciado “momentos de grande hostilidade”, onde a urbanidade entre os deputados ficou, muitas vezes, à porta da Assembleia.
Numa despedida com um tom crítico, a ainda presidente da Assembleia Municipal de Lisboa lamentou que, nos últimos quatro anos, “nem sempre” tenha visto “Lisboa no centro das discussões”.
Para ilustrar a sua experiência na presidência da AML, para a qual foi escolhida em 2021, depois de ter sido eleita deputada municipal pelas listas do Partido Socialista, confessou ter sido “dos desafios mais difíceis da minha vida”.
“E eu achava que já tinha tido momentos profissionais muito difíceis”, desabafou, no seu último discurso, a socialista que já lidou profissionalmente com temas complexos como pessoas refugiadas e crianças em risco.
Assumindo as “dificuldades em definir a fronteira entre liberdade de expressão e ofensa”, declarou mesmo ter-se sentido “estrangeira” no órgão autárquico.
“Vivi momentos muito tristes”, constatou, apontando a tragédia do ascensor da Glória, que causou 16 mortos, como “sem dúvida o pior”.
Nem tudo foi negativo, sublinha presidente AML
Rosário Farmhouse diz, no entanto, que cumpriu “um ato de cidadania”, durante o qual também conheceu “pessoas fantásticas” e viveu “momentos únicos”, como a Jornada Mundial da Juventude, a celebração dos 50 anos do 25 de Abril ou a assembleia geral das crianças.
Destacando que “nunca tantas pessoas se envolveram” na política da cidade como neste mandato. Rosário Farmhouse lamentou, por outro lado, as poucas presenças do presidente de câmara nas reuniões na AM, e apelou para que o edil tenha “maior disponibilidade do presidente da câmara para as sessões da Assembleia”.
Apesar de todas a scontingências, a responsável referiu que a Democracia “foi cumprida” e que o executivo municipal não se pode lamentar de “bloqueio” à sua ação, até porque “quase todas as propostas apresentadas pela câmara foram aprovadas (…) só me lembro de apenas cinco que foram rejeitadas pela Assembleia”, justificou.
A propósito do cargo de presidente da AML, concluiu que “tem uma dimensão e exigência que precisavam de um estatuto diferente das outras assembleias”, uma vez que diz respeito “à maior câmara do país”, que tem naturalmente “o maior orçamento” para ser gerido.
Para a presidente da AML, o modelo remuneratório das presenças dos deputados municipais deveria ser revisto, deixando a sugestão para que se pense “numa outra forma de remunerar o escrutínio do trabalho da câmara municipal”, que não o modelo das senhas de presença.
Nas palavras finais do discurso, desejou que os novos deputados se concentrem “no essencial” e prometeu ficar atenta no acompanhamento da cidade que a viu nascer, mas “mais à distância, mais tranquila e talvez mais feliz”.
Homenagem ao historiador António Borges Coelho
Por iniciativa da bancada da CDU, a AML cumpriu um voto de pesar pela memória do historiador António Borges Coelho, resistente antifascista e militante histórico do PCP – partido do qual acabaria por desfiliar-se já nos pós 25 de Abril –, falecido no dia 17 de outubro.
Pela CDU, Fernando Correia recordou a obra e a intervenção cívica de António Borges Coelho, um historiador e intelectual que “levantou a bandeira dos condenados da terra”.
Nascido em Murça, Vila Real, foi nas terras de Trás-os-Montes que o intelectual ganharia “consciência política” ao assistir à “miséria” e desigualdades socais que grassavam no interior, sendo, também por isso, que pôs de lado o “sonho de ser escritor” para se dedicar à causa da igualdade e da fraternidade.
Já depois de ter vindo para Lisboa, como estudante da Faculdade de Direito, a consciência social agudizou-se, mas também a sua intervenção na clandestinidade. A ditadura não gostou e pôs a PIDE à perna do então jovem idealista. Borges Coelho acabaria por ser preso e cumpriu uma pena de 6 anos de cadafalso no Forte de Peniche, ao lado de outros presos políticos.
Para Fernando Correia, Borges Coelho foi o primeiro historiador português a “pôr a arraia miúda” dentro da História, provando que “o todo é a soma de todas as partes”.
A CDU propôs um voto de pesar pela morte do historiador e um minuto de silêncio em sua honra. O voto foi aprovado por todas as forças políticas, com exceção do Chega, que se absteve, mas todas as bancadas respeitaram o minuto de silêncio em memória do historiador do povo.