“Esta presidência não pactuará com sombras”, avisa Daniel Gonçalves

Após múltiplos impasses, o executivo da junta de freguesia Avenidas Novas foi formalmente empossado, mas só conseguiu ser eleito à terceira tentativa. Para desfazer o congelamento do executivo, Daniel Gonçalves aceitou incluir o nome de Jorge Barata na governação, mas a lista foi rejeitada por votação democrática. O socialista Luís Goes Pinheiro considerou que todo o processo teve semelhanças de “circo” e de ópera bufa. Daniel Gonçalves lembra que a sua eleição “é a vitória da verdade sobre a intriga” e “é a consagração da decência”.

O ambiente prévio à Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas denunciava tensão no ar. Após a primeira tentativa falhada da eleição do executivo, no dia 27 de outubro, as atenções concentravam-se nas duas fações do PSD que estão guerra aberta pelo poder no território. O presidente da junta reeleito com maioria, Daniel Gonçalves, mostrava-se apreensivo com o desenrolar dos acontecimentos, sorrindo e admitindo ao “Olhares de Lisboa” que não sabia o que iria acontecer na sessão marcada para ontem à noite, dia 3 de novembro.

Executivo chumbado   

E o inusitado e a confusão total acabou por voltar a acontecer. Por decisão da Assembleia de Freguesia ad hoc na primeira tentativa de eleger o executivo para a autarquia, liderada pelo eleito Luís Goes Pinheiro (PS), o presidente da junta de freguesia ficou incumbido de apresentar um parecer jurídico para dar conta dos motivos legais que fundamentassem a eleição direta do executivo pelo presidente de junta. Mas o parecer, apresentado na sexta-feira a todos os eleitos, não convenceu a fação do PSD rival de Daniel Gonçalves, que respondeu com mais dois pareceres que apontavam em sentido contrário à de Gonçalves.

Paulo Lopes e Miguel Torres, os dois vogais que apresentaram a renúncia antes de ser eleitos, usaram da palavra para dar conta dos seus pontos de vista, pondo acento tónico na defesa “constitucional” de os eleitos terem “direto e a liberdade para renunciarem” ao cargo. Miguel Torres alegou não ter tempo para se dedicar à função, uma vez que os afazeres académicos não iriam poder ser compaginados com os “deveres autárquicos”.

Outras intervenções apontaram no mesmo sentido. Hugo Bogas de Sousa, do PSD, que reconheceu não ser jurista, invocou vários decretos de lei para rasteirar o parecer de Gonçalves, que “pecou por falta de substância” jurídica e que atentaria contra a “vontade e a liberdade” de Miguel Torres, ao querer impor a entrada “forçada” no executivo de “alguém que tem todo o direito” de recusar a pertença a um órgão municipal “em que não se revê”.

As conversas em surdina sucederam-se na plateia e o mal-estar foi subindo de tom. A sessão foi suspensa por alguns minutos. Daniel Gonçalves procurou conforto emocional junto da família (filha e netas) e foi confidenciado perplexidade com aquilo que estava a acontecer aos olhos de toda a gente: a imposição de elementos no seu executivo que não eram da sua confiança, com Jorge Barata à cabeça.

Solidariedade dos partidos da oposição com presidente eleito

Com a indecisão e as dúvidas a pairara no ar, Daniel Gonçalves usou da palavra para pôr um ponto final na polémica. Rendido às circunstâncias impostas, anunciou que iria aceitar os vogais propostos pela Concelhia do PSD de Lisboa, incluindo o nome de Jorge Barata no seu executivo. Mas deixou uma breve declaração de indignação: “Vou ter o Jorge Barata no executivo. Estão não é minha lista. Foi imposta por Luís Newton. Tirem daí as vossas conclusões…”, declarou.

Seguidamente, os elementos eleitos dos vários partidos mais à esquerda (PS, Livre e BE) manifestaram solidariedade com o autarca eleito, reprovando os jogos de bastidores que causaram as entropias na engrenagem numa “normal” eleição de um executivo de uma junta de freguesia, convertendo aquilo que deveria ter sido um ato formal e normal, numa completa “palhaçada”, para usar uma expressão ouvida, várias vezes, durante a sessão.

Foi então que a Mesa ad hoc da Assembleia de Freguesia convocou os eleitos para votarem, novamente, a lista do executivo. E, quando se pensava que tudo ficaria resolvido, voltou a acontecer um novo impasse. A aprovação da lista voltou a ficar em “banho maria”, isto é, não passou no escrutínio eleitoral. Teve 9 votos contra, 9 votos a favor e 1 voto em branco, registando-se um empate técnico que obrigou a voltar tudo à estaca zero.

Votação uninominal

A Assembleia suspendeu os trabalhos “para se encontrar um caminho”, nas palavras de Luís Goes Pinheiro. Passado mais de meia hora, os trabalhos foram retomados, mas agora com uma nova modalidade de votação: uninominal, ou seja, os votos passaram a ser por nomes individuais de cada vogal e não pela lista do executivo.

Com a votação dividida, todos os nomes acabaram por ser eleitos, já o ponteiro do relógio tinha passado a marca horária que indica o início de um novo dia.

O presidente da Assembleia de Freguesia ad hoc entregou a pasta à nova Mesa Assembleia, liderada agora por José Toga Soares (CDS), Paula Carvalho (IL) e Mafalda Pereira (CDS), 1ª e 2ª secretárias, respetivamente.

O “circo” na Assembleia

Admitindo cansaço por todo o processo, Luís Goes Pinheiro (PS) aproveitou para enaltecer a civilidade registada pelos elementos da Mesa ad hoc em todo o imbróglio, enaltecendo a “convivência democrática” entre forças políticas antagónicas: PS, CDU e Chega.

O responsável, ex-secretário de Estado Adjunto e da Modernização Administrativa no Governo de António Costa, deu os parabéns ao presidente “democraticamente eleito” Daniel Gonçalves, mas criticou a “falta de transparência” que nublou todo o processo.

“O presidente Daniel (Gonçalves) vai ter um mandato muito difícil. Todos assistimos à vergonha passada aqui durante estas duas semanas, a todo este circo para formar o executivo. Teremos um presidente que não confia em quem com ele vai trabalhar, sendo todos do mesmo partido (PSD)…”, atira.

Aos olhos de Goes Pinheiro, o cenário de governação que se perspetiva “obriga a oposição a estar vigilante” e a “que cumpra aquilo que interessa: resolver os problemas da freguesia” e não guerras palacianas que minem a confiança dos eleitores nos eleitos.

Executivo formado à terceira tentativa

Depois de duas tentativas frustradas para formar o executivo, foi apenas à terceira que os fregueses conseguiram ouvir o discurso de tomada de posse do presidente da junta de freguesia de Avenidas Novas.

Daniel Gonçalves aproveitou para criticar os membros do seu partido que alegadamente tentaram “impedir” a sua governação. “Volto hoje a esta tribuna com a consciência limpa e a convicção acesa. Não regresso por vaidade de cargo, mas por dever de carácter. Falo não apenas como presidente, mas como servidor de uma comunidade que me recorda, todos os dias, que a política só tem sentido quando é serviço e não ambição”.

Para Daniel Gonçalves, servir as Avenidas Novas não é apenas cumprir uma função: “É honrar um compromisso moral com todos aqueles que acreditam que a integridade ainda tem lugar na vida pública. Cada palavra que aqui pronuncio carrega o peso das vossas esperanças e a força da vossa confiança. É em vosso nome que volto a assumir este compromisso, mesmo com os problemas que se adivinham, como puderam presenciar, mas com entrega total, consciente de que liderar esta freguesia é, antes de tudo, um ato de serviço ético, de coragem cívica e, agora muito mais, de combate intransigente pela verdade e pela lisura de processos”.

“Nunca estive só”

Em comentário à campanha eleitoral em que supostamente foi abandonado pelo seu próprio partido, o autarca rejeita este cenário de “solidão”, alegando que esteve acompanhado pelo povo e pela juventude. “Muitos disseram que a caminhada foi solitária. Enganam-se. Nunca estive só. Caminhei com o pulso firme dos meus companheiros de coligação, com o coração generoso dos anónimos que acreditaram em nós, e com o olhar luminoso da juventude: essa que não se rende, que sonha e luta. Foi nela que encontrei a certeza de que o futuro só pertence a quem tem a coragem de o construir, nunca aos oportunistas de ocasião que, nestes casos, sempre aparecem”.

Daniel Gonçalves puxou dos galões para atribuir a vitória nas eleições ao mérito de “uma liderança firme” e desse projeto ter sido pensado “de forma transparente”.

“É a vitória da verdade sobre a intriga, do serviço sobre o interesse, da coragem sobre a complacência. Não é uma celebração de poder, é a consagração da decência”.

Governação “sem sombras”

Mas o autarca não tem dúvidas sobre o xadrez político onde vai ter de manobrar habilmente as peças para governar. “Não nos iludamos, cada conquista exige carácter. Nada nos foi dado. Tudo foi conquistado à força de persistência, ética e convicção. E é com essa autoridade moral que vos digo: esta presidência não pactuará com sombras, nem com arranjos”.

“A transparência será a nossa bandeira. O tempo do silêncio cúmplice acabou. A hora é de verdade, de rigor e de ética vivida — não declamada. Cada decisão será tomada à luz do dia, e cada passo será sustentado pelo princípio maior do serviço público: a integridade”, proclama.

Mas Daniel Gonçalves avisa que não cederá aos mal-intencionados. “Este mandato será um bastião de coragem, de honra e de justiça. Quem vier para construir, encontrará braços abertos. Quem vier por interesse, encontrará um muro intransponível”, pois “aqui, a única fidelidade é à freguesia, aos fregueses e ao futuro”.

Não obstante, ser firme “não é ser fechado”. “Não construiremos muros. Construiremos e alargaremos pontes. Respeito e diálogo serão o cimento desta comunidade. As divergências são bem-vindas, pois delas nasce o progresso. Democracia não é unanimidade — é convivência na diferença. E depois, saber decidir”.

Olhando para os objetivos do mandato, Daniel Gonçalves quer fazer das Avenidas Novas o espelho “daquilo que podemos ser: uma freguesia moderna, justa, solidária, inclusiva e humana. Um território onde a juventude encontra oportunidades, a cultura floresce e o património é tratado como memória viva. Empresa, escola, vizinhança, segurança, rua: tudo terá valor. Porque servir é cuidar — e cuidar é transformar”.

“Quem serve o povo não teme”

O autarca considera que a freguesia Avenidas Novas “será referência de boa governança freguesa, exemplo de integridade e farol de esperança”, uma vez que “quem serve o povo não teme. Quem acredita na verdade não se dobra. Quem age com ética vence sempre, mesmo quando perde”.

Para Daniel Gonçalves, a política “só vale a pena quando é um ato de amor à comunidade. E é com esse amor, com essa paixão e com essa fé que vos prometo: não retrocederemos”.

O autarca cita Aristóteles, Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa para sublinhar a ideia de que “a força do carácter é a arma mais nobre na luta pela verdade e pela justiça”.

“Peço-vos compreensão pelos instantes menos luminosos que aqui viveram…, mas, às vezes, só através das tempestades se percebe quem realmente permanece quando o vento passa”, conclui.

Constituição do executivo das Avenidas Novas

Presidência: Daniel Gonçalves

Vogais: Emília de Noronha, Marina Rodrigues, Nuno Miranda, Hugo de Sousa, Odília Vieira e Jorge Barata.

Mesa da Assembleia de Freguesia

Presidência: José Toga Soares

1ª Secretária: Paula Carvalho

2ª Secretária: Mafalda Pereira

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