PS e CDU denunciam recuo democrático em Lisboa e Moedas pede que o deixem governar

Na sequência da aprovação da proposta de Regimento da Câmara Municipal de Lisboa, documento que define o funcionamento do órgão executivo do município, os partidos de esquerda na oposição (PS, CDU, Livre e BE) votaram contra esta deliberação, acusando Carlos Moedas de se furtar ao debate democrático e de tentativa de silenciamento da oposição. O edil responde, pedindo que deixem governar quem o povo elegeu para governar.

Na quarta-feira, dia 19 de novembro, em reunião privada do executivo municipal de Lisboa, a proposta de regimento apresentada por Carlos Moedas teve os votos contra de todos os vereadores de forças políticas de esquerda, designadamente PS, Livre, BE e PCP.

Os vereadores do Partido Socialista consideram que o novo Regimento da Câmara Municipal de Lisboa, apresentado pelo presidente da Câmara e aprovado com o apoio dos vereadores do Chega, representa um “retrocesso grave e um ataque claro ao pluralismo e ao funcionamento democrático do órgão autárquico”.

Para os socialistas, o documento aprovado “reduz direitos da oposição, limita a transparência e enfraquece a fiscalização do executivo, contrariando o espírito da lei e as boas práticas de convivência democrática”

“Um regimento deve garantir equilíbrio institucional e condições para que todas as forças políticas exerçam plenamente o seu mandato. O que hoje foi aprovado faz o contrário: cria desigualdades entre vereadores, concentra poderes no presidente da Câmara e procura silenciar quem tem a responsabilidade de escrutinar”.

Com esta proposta, “a oposição perde totalmente o direito de agendar propostas e passa a ser apenas o presidente a decidir o que é discutido. Reduz-se o tempo de intervenção dos vereadores, fixa-se um limite ao número de propostas de alteração que podem ser apresentadas às iniciativas do presidente da Câmara”, dizem os socialistas.

Vereadores socialistas admitem ir para os tribunais

Neste contexto, o período antes da ordem do dia fica restringido, “tanto no tempo como no tipo de assuntos que podem ser abordados. “Já nas reuniões públicas descentralizadas, os vereadores sem pelouro perdem o direito a responder aos munícipes”.

Ao transformar a Câmara “num espaço menos plural, menos aberto ao debate e menos respeitador das diferenças políticas”, Moedas aponta para “um caminho revanchista e pouco democrático, recusando qualquer autocrítica e responsabilizando a oposição por impasses que, no mandato anterior, resultaram apenas da sua própria gestão”.

Os vereadores do PS reafirmam que Lisboa “merece um presidente de Câmara que não tema o escrutínio do restante executivo, que não limite direitos e que não substitua o debate político por regras destinadas a condicionar a oposição”.

Para os socialistas, a cidade precisa de instituições fortes, “não de lideranças que procuram esconder fragilidades através de normas restritivas”.

Nesse sentido, os vereadores do PS admitem impugnar judicialmente o novo regimento aprovado em reunião de Câmara.

Comunistas acusam Carlos Moedas de agir como autocrata 

A CDU também já se manifestou cabalmente contra esta medida, alegando que esta proposta de Carlos Moedas, aprovada por PSD, CDS, IL e Chega, “afasta da Câmara Municipal a discussão e votação de matérias fulcrais para a vida da cidade, em áreas que vão da gestão orçamental ao urbanismo, passando pela alienação de património, transportes, educação, saúde, ação social, cultura, entre outras”.

O PCP refere que apresentou uma proposta, rejeitada por PSD, CDS, IL e Chega, que visava “assegurar a continuidade e o reforço da democraticidade do órgão, da sua capacidade de escrutínio e decisão nas referidas áreas, mantendo os termos essenciais das delegações de competências vigentes em anteriores mandatos, com algumas adaptações”.

Com a proposta do PCP, “manter-se-ia na Câmara Municipal a competência de decidir sobre aspetos como alterações orçamentais; alienação de património, particularmente de imóveis com possível uso habitacional; licenciamento de operações urbanísticas de impacte relevante e ou semelhante a uma operação de loteamento e limitações à emissão de deferimento de Pedidos de Informação Prévia; fixação de contingentes no setor do táxi; gestão das refeições escolares; medidas de ação social escolar; competências em matéria de habitação, estacionamento, saúde, cultura, entre outras, decorrentes do processo de transferência de competências para os municípios”.

Mas, com esta deliberação de Moedas, estas são competências sobre as quais o presidente “passa a poder decidir sozinho”.

Aos olhos do vereador comunista João Ferreira, o chumbo da proposta do PCP e a opção do Chega de aprovar a delegação de competências de Carlos Moedas “configuram um desrespeito pela vontade expressa no recente sufrágio, que não atribuiu maioria absoluta a nenhuma força política”.

João Ferreira acusa os signatários da proposta de terem deixado “cair a máscara às forças políticas em questão”, mas, da parte do PCP, “contarão com empenhado escrutínio, denúncia e intervenção, para garantir a democraticidade e acerto das decisões a tomar, no interesse da cidade de Lisboa e de todos quantos nela vivem e trabalham”.

Moedas pede para oposição aceitar resultados eleitorais

Reagindo à oposição do PS e da CDU ao novo regimento da Câmara de Lisboa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, à margem da instalação dos Órgãos do Município de Lisboa 2025/2029, em Lisboa, 11 de novembro de 2025, considerou que os diferentes partidos no executivo têm de aceitar o resultado eleitoral, lembrando que foi a oposição a dialogar com o Chega. “Quem andou em diálogo com o Chega foi a oposição”, respondeu aos jornalistas.

Quanto à intenção do PS em impugnar judicialmente o novo regimento da CML aprovado, sob críticas dos partidos de esquerda quanto ao “retrocesso democrático”, Carlos Moedas deu uma alfinetada nos detratores da sua deliberação.

“Eu só teria uma palavra em relação a isso. Eu acho que os partidos políticos têm que aceitar a democracia, aceitem o resultado eleitoral que tivemos em Lisboa, aceitem que eu sou o presidente da Câmara de Lisboa e, sobretudo, aceitem aquilo que são os parceiros jurídicos da própria Câmara Municipal, dos seus funcionários, dos juristas”, disse Carlos Moedas.

O edil lembrou que aquilo que foi apresentado “é a realidade em muitas outras câmaras municipais”, frisando ser “um presidente de consenso” e que as reuniões de câmara “serão sempre isso (de consenso)”, alegando ainda que é seu objetivo dar mais eficácia às reuniões.

“Eu tive reuniões de 10 horas, de 15 horas. Portanto, se eu resisti, continuarei a resistir a toda essa parte formal da política. Mas o meu intuito é, sobretudo, a parte do conteúdo da política, que é estar com as pessoas e, portanto, gostava que as reuniões de câmara fossem mais eficientes, mais eficazes e que não fossem horas e horas e horas”, explicou.

O autarca salientou que o que o preocupa é a não aceitação do resultado eleitoral por parte dos socialistas.

“Eu sou presidente há quatro anos, temos mais quatro anos pela frente e sinto sempre do lado do PS que há uma dificuldade muito grande em aceitar isso”, afirmou, lembrando que está sempre “de braços abertos para o diálogo”.

Em relação ao facto de o Regulamento ter sido aprovado com o apoio do Chega, Carlos Moedas disse ter visto tanto o PCP como o Bloco “a dialogar com o Chega”, frisando que no começo da reunião quem estava a “tentar, de certa forma até influenciar, o voto desses vereadores não era a coligação, eram os outros partidos que estavam nesse diálogo”.

Carlos Moedas reiterou que esse diálogo “é normal” e tem que ser feito em qualquer câmara, respeitando “a democracia e os eleitos da democracia” e que “cada pessoa vota em consciência e cada vereador vota nessa consciência”.

Lembre-se que, o atual mandato, Carlos Moedas governa em minoria, com oito eleitos da coligação PSD/CDS-PP/IL, ficando a um de obter maioria absoluta, o que exigiria a eleição de nove dos 17 membros que compõem o executivo da capital. Na oposição estão quatro vereadores do PS, um do Livre, um do BE, dois do Chega e um do PCP.

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