A freguesia da Estrela é um mosaico heterogéneo de moradores antigos e recentes. Nota-se um forte investimento na recuperação das habitações para a classe média-alta, na zona da Lapa
Para moradores e visitantes, a freguesia da Estrela está a «sofrer uma péssima revolução urbanística» e, como salientam alguns moradores, a Madragoa está a transformar-se num «grande centro» de alojamento local, correndo-se com os antigos moradores para as zonas periféricas da cidade.
Um facto, é que as transformações urbanísticas e arquitetónicas, principalmente na Lapa, não agradam à maioria dos habitantes. Muitos dizem que os novos prédios são “horríveis” e consideram “desajustados” os materiais utilizados face ao restante edificado do bairro. Aos imóveis antigos têm sido acrescentados andares, numa zona conhecida por casas com menos de três pisos, e abertas garagens, assim os desvirtuando. Há mesmo palacetes onde as intervenções incluem a utilização de inox e de zinco.
Contudo, uma grande verdade é que o bairro da Lapa, à semelhança do resto da cidade, não escapou ao olhar atento dos investidores imobiliários e está a sofrer profundas transformações. Das construções pombalinas, caracterizadoras do bairro do século XVIII, já não existe praticamente nada. Quem lá vive apoia a requalificação dos imóveis, mas não da forma como esta está a ser feita. “Estão a descaracterizar tudo. Não sou contra a reabilitação dos edifícios, alguns estavam a cair, mas têm de manter alguns aspectos da traça antiga, para não destoar tanto. Quem está a construir aqui pensa apenas em dinheiro”, critica Fernanda Braga, 62 anos, a viver naquela zona nobre da cidade há seis décadas.
A maioria dos moradores até poderia estar de acordo com estas alterações no bairro. No entanto, como salientam, os bairros populares são feitos de pessoas e, assim, da forma como estão, deixam de o ser. Se reabilitassem e mantivessem os moradores, apoiavam a requalificação. Mas não é o que fazem”, dizem os moradores.
Numa freguesia predominantemente residencial, a falta de comércio e a limpeza das ruas são outras das queixas dos moradores, que sublinham também a escassez de espaços comerciais em todo o bairro, em especial na Lapa.
Sendo uma zona marcada pela presença de embaixadas, Assembleia da República e residência oficial do primeiro-ministro, a Estrela é uma zona marcada pela presença de residentes antigos, mas, também de novos moradores, que estão a ocupar as casas recuperadas um pouco por toda a freguesia.
Entregou remédios a Salazar
António Mota, de 82 anos, reformado, é uma figura conhecida do bairro da Estrela. Trabalhou durante mais de 60 anos numa farmácia perto da Calçada da Estrela e, noutros tempos, era quem levava os medicamentos a Oliveira Salazar, quando o ditador fazia alguma encomenda na farmácia.
Conhece quase toda a gente e, para este morador, “é um bairro extraordinário. Tem muito sossego, não há situações anormais”. Mas, sublinha, “há um problema complicado: não tem comércio nenhum”.
Para António Mota, que mora próximo do Jardim da Estrela, uma das melhores coisas que este bairro oferece é a segurança. Pois, “aqui estamos completamente seguros”.
Contudo, é muito critico em relação ao presidente da junta, principalmente “por as ruas andarem cheias de lixo e ele não mandar limpar. Na zona onde moro, andam a pôr lá montanhas de lixo e ele não resolve nada”.
Falta comércio
A falta de comércio também é apontada por Fernando Carvalho, de 66 anos, reformado, como uma das mais graves carências da freguesia da Estrela. “Há alguns cafés e restaurantes, mas fora isso não há nada”, adianta este eleitor da Rua de Buenos Aires.
Uma das mais-valias deste bairro, segundo este morador, é “a tranquilidade” e o facto “das pessoas serem agradáveis. Toda a gente se conhece”.
À parte a falta de comércio, Fernando Carvalho não encontra nenhum defeito neste bairro típico de Lisboa que “tem os seus prós e contras”.
Para Adriana Kosturenko, 49 anos, empregada de balcão, e moradora na Rua de São Domingos, este bairro “é um pouco simples, não há nada para ver. Só há embaixadas e um restaurante e mais nada”.
Após 12 anos a trabalhar neste bairro, esta cidadã ucraniana Adriana Kosturenko identifica o que falta: “Noutros bairros há muitas lojas para ver ou um centro comercial”. Apesar de sentir a falta do comércio, Adriana aprecia muito a calma do Jardim da Estrela que “adora”.
Já foi bom para viver
Já Marco Marques, de 42 anos, do ramo da construção civil e a habitar na Rua do Quelhas, é perentório: “Este bairro já foi melhor para viver”, esclarecendo que conhece “o bairro há 12 anos, conheci aqui a minha mulher, e isto está para pior. A tradição está a esfumar-se. Há mais turistas do que o normal. Estão a despejar os moradores que cá viviam. A população está cada vez mais envelhecida. Aproveitaram na altura para fazer os hostels. E agora está mais triste”. Segundo Marco Marques, o bairro só adquire mais vida “na noite de Santo António”.
Apesar destes reparos, Marco Marques encontra algumas melhorias no bairro: “estão a arranjar as casas e é um ponto forte a favor do bairro”.
Se este morador fosse o presidente da junta de freguesia “não tinha tantas zonas pagas junto aos parques. E arranjava uma forma de haver apoios para a habitação para os mais necessitados e, depois para outras, para as que tem capacidade para as adquirir”.
Ambiente diferente
Maria Augusta Paiva, de 73 anos, reformada, moradora frente ao ISEG, foge um pouco ao consenso sobe este bairro, ao afirmar que “não gosto muito deste bairro”. E explica porquê: “Estava habituada a viver noutro sítio na Praça das Flores. O ambiente aqui é totalmente diferente”.
Esta moradora aponta um problema complicado que, considera, necessita de uma atenção imediata: “arranjar o chão da rua. Arranjaram o chão na rua das Madres, mas puseram pedra sobre areia e, claro, aquilo não se segura. Agora as pedras estão a soltar-se. Têm que que arranjar novamente”. E, sublinha, não é nada seguro.
É quase unânime a opinião dos moradores sobre a escassez de comércio. “Aqui há muita falta de comércio. Anima um pouco os bairros, refere Maria Augusta Paiva.
A freguesia
A Estrela é uma freguesia pertencente à Zona do Centro Histórico da capital. Criada no âmbito da reorganização administrativa de Lisboa de 2012, que entrou em vigor após as eleições autárquicas de 2013, resultando da agregação integral das antigas freguesias da Lapa, Prazeres e Santos-o-Velho,
Na Estrela existem alguns dos monumentos mais emblemáticos da cidade de Lisboa, nomeadamente a Basílica da Estrela; Casa de António Sérgio; Conjunto do Palácio das Necessidades; Igreja de São Francisco de Paula; Museu Nacional de Arte Antiga; Palácio de São Bento.