Se há freguesia de Lisboa que sentiu com mais intensidade o impacto do aumento de turistas na cidade, essa é a Misericórdia. Com os seus 2,19 km² de área e 13.044 habitantes (em 2011), recebe diariamente centenas de turistas.A freguesia da Misericórdia, que integra a Baixa lisboeta, é uma das que mais sofre com o problema do lixo, não fossem o Bairro Alto e o Cais do Sodré, pontos de diversão noturna, parte integrante do seu território.
A tradicional canção diz “cheira bem, cheira a Lisboa”, mas por estes dias o cenário da Misericórdia não é bem esse. Um passeio matinal pelas ruas do Bairro Alto é suficiente para sentir mau cheiro, ver copos nos rodapés das portas, caixas de pizza e outros objetos no meio do chão, assim como uma calçada portuguesa pintada de negro que é lavada somente com água.
Os moradores queixam-se que o rápido crescimento do turismo e da diversão noturna não tem permitido “aos serviços de limpeza encararem esta realidade de 32 toneladas de lixo por dia de uma forma eficaz”.
O lixo no chão, sublinham, “atrai ratos, baratas e pombos”, que são “uma fonte de problemas para a saúde pública”.
Os moradores defendem a necessidade de mais sensibilização e responsabilização, através de “coimas fortes para as pessoas entenderem de forma clara que há regras”.
Corrupio de turistas
De facto, entre o Largo do Chiado e Santos, é um vai-vem constante de centenas de turistas, com malas e tróleis, a subir e descer as ruas íngremes. São, hotéis, hostels e alojamentos locais (prédio sim prédio não) a contribuírem para o grande volume de lixo produzido.
Um «maná para a economia», mas um transtorno para os habitantes e comerciantes, que se queixam da falta de limpeza das ruas, do lixo abandonado, «onde calha». E culpam, não os serviços de recolha dos resíduos, mas a falta de civismo das pessoas. Um problema para o qual pedem solução rápida, por questões óbvias de higiene e aparência da cidade.
Apesar deste problema, ainda é um prazer andar por esta freguesia de Lisboa, com tantas atrações, que justifica a atratividade que tem junto dos turistas. São as ruas estreitas, o novo comércio -que surge a cada passo – moderno e aperitivo, os miradouros que encantam quem nos visita. São ainda os cafés de qualidade, onde se perdem manhãs e tardes à volta de um livro ou de um computador. É descer as ruas típicas e antigas e ver o Tejo em fundo, e passear à sua beira no final da tarde.
Há muitos prédios recuperados, mas ainda há muitos a necessitar de recuperação urgente. Não só para hotelaria, mas também para quem aqui vive. Em termos de habitação a queixa que mais se ouve é a das pessoas mais idosas a serem despejados das casas para aí serem instaladas mais habitação destinada ao turismo.
Um dilema que vai estar, mais cedo do que tarde, em cima dos eleitos. Entre o turismo e os residentes, terá de haver um meio termo. Que teima em ser encontrado.
A freguesia da Misericórdia é «fértil» em monumentos e pontos de interesse a visitar, nomeadamente Ascensor da Bica; Ascensor da Glória; Bairro Alto; Capela do Convento dos Cardais; Igreja antiga do Convento de Jesus; Convento dos Paulistas; Igreja da Nossa Senhora da Encarnação; Igreja de São Roque; Igreja de Santa Catarina; Largo de São Pedro de Alcântara; O Adamastor; Miradouro de Santa Catarina.
Um paraíso para os comerciantes
Os dois anos que tem como comerciante de uma loja de produtos vegetarianos e vegan, permitem a Alexandra Pardal, de 44 anos, ter uma opinião firme sobre a freguesia da Misericórdia. “É um sítio espetacular para ter um projeto, para ter uma loja. Estamos muito bem situados”, considera esta empresária da Rua das Chagas.
Mas existe aspetos menos positivo. Segundo a comerciante, “existe um grave problema, a higiene na rua. Não culpo as entidades, porque fazem as recolhas e as limpezas, mas sim as pessoas. As pessoas não têm cuidado, urinam em todo o lado. Há a questão das beatas que é um dos principais motivos de sujidade».
Também há a situação dos lixos produzidos pelas pessoas. “Ou as pessoas não sabem onde pôr o lixo ou não há caixotes suficientes”. Porque “deixam lixo constantemente aqui à porta”.
Insegurança
A viver à mais de 60 anos no mesmo bairro, e proprietário de uma alfaiataria, José Ferreira, da Calçada do Combro, conhece a zona e os seus hábitos em detalhe. Tem uma opinião um pouco negativa em relação ao que se passa na freguesia: “está um pouco mais suja do que era. Mais barulhento, mas isso compreende-se, tem a ver com o turismo”.
Mas, do ponto de vista deste comerciante, o pior é o sentimento de insegurança gerado pelo tráfico de droga: “traficam na esquina da rua Marechal Saldanha. São inoportunos e até tratam mal as pessoas”.
“Comercialmente nada melhorou. Tínhamos lojas de bairro de todos os géneros, desde mercearias a tinturarias, e muitas fecharam”, alerta este comerciante.
O fotógrafo do bairro
Começou a trabalhar na loja de fotografia na rua do Poço dos Negros, desde os 12 anos, e, por causa disso, Edgar Filipe conhece, como poucos, a maioria dos habitantes do bairro. Pelas suas lentes de fotografo passaram muitas pessoas, que o escolheram para imortalizar os momentos mais marcantes das suas vidas.
Para Edgar Filipe, de 69 anos, “este era um bairro muito bom. Mas agora não. É um bairro muito envelhecido e os idosos que ainda cá vivem, estão a ser despejados. A zona está um pouco descaracterizada. Tem muitos estrangeiros. Há muito lixo, que eles próprios produzem e são um pouco indisciplinados”. Apesar dos contentores existentes, Edgar Filipe acusa os turistas de não colocarem o lixo nos sítios próprios: “São capazes de pôr ao lado”.
Refere também o desaparecimento do comércio tradicional “e o que aparece de novo, é só na área dos comes e bebes”.
Delicadeza do comércio tradicional
Natural da Argentina, Sebastião Figueiras, de 49 anos, adotou Portugal como pais de acolhimento há 20 anos. Tem uma loja gourmet especializada em chá aberta já lá vão cinco anos. “Sempre pensei que era bonito recuperar uma forma de comércio, com esta delicadeza, como havia no comércio tradicional. Conversar com as pessoas, fazer um embrulho em condições”, defende.
“Gosto muito deste bairro, pelo ambiente que tem o bairro. Há pessoas incríveis, que algo muito raro encontrar numa capital, mas que são muito genuínas, muito lisboetas, muito educadas”, refere este comerciante da rua das Gaivotas.
Como ponto negativo, em sintonia com as outras pessoas com quem falámos, “está a recolha do lixo. Há meses em que funciona bem e outros em que não. No entanto, há melhorias. A triagem está a funcionar muito bem”.
Nos 50 anos, que tem de vivência neste bairro, Luís Lopes, de 69 anos, já assistiu a muitas mudanças. Mas, apesar das mudanças, gosta de viver e trabalhar na rua de São Bento, onde tem a sua loja de antiguidades.
“Apesar de gostar do bairro, que já teve melhores dias a nível comercial”, aponta, como algo menos positivo, o desaparecimento do comércio de bairro e o enorme afluxo de turismo que, para o bem e para o mal, tem alguma influência na vida do bairro.
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