Jorge Sampaio foi homenageado pela autarquia de Lisboa 30 anos depois da sua tomada de posse como presidente da Câmara Municipal, aproveitando a ocasião para afirmar que Lisboa deve ser pensada num horizonte de 20/30 anos. Há 30 anos, o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa e futuro Presidente da República, Jorge Sampaio, introduziu o «conceito» do moderno planeamento estratégico de Lisboa. Passadas três décadas, a Câmara Municipal de Lisboa promoveu, ontem, uma homenagem ao antigo Chefe de Estado que contou com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, na altura adversário de Sampaio na corrida à Câmara da capital, e de António Costa, que foi diretor de campanha do antigo presidente da Câmara e da República.
Jorge Sampaio considerou que a ocasião servia para «celebrar Lisboa e os lisboetas», aproveitando para propor a elaboração de um plano estratégico para Lisboa em 2050, defendendo que o desenvolvimento da cidade deve ser pensado num horizonte de 20-30 anos.
«Com a aceleração do tempo e o tropel de desafios que enfrentamos, com a transição demográfica, digital e energética a rondar e as alterações climáticas já bem patentes, importa pensar Lisboa no horizonte de 20-30 anos. Importa agora articular uma visão e um plano estratégico para 2050», afirmou o antigo chefe de Estado.
Para Jorge Sampaio, «cabe planear as mudanças que urge fazer para responder aos desafios que se perfilam e que são de natureza estruturante, na quádrupla dimensão da sustentabilidade económica, social ambiental e cultural», lembrando que existe por parte dos munícipes, «uma maior apetência por uma participação ativa nas decisões locais que influenciam diretamente as suas vidas, o que é um aspeto muito positivo que urge saber potenciar mais ainda», mas ressalvou que, «quanto mais alargada é a participação, maior é a diversidade de opiniões e mais forte o potencial de divergência e conflito».
«Daí que continue a ser fulcral a pedagogia da formação de consensos, a atenção e o cuidado de pôr no cerzir de acordos agregadores das pessoas em torno de interesses comuns. A meu ver, este é também um desafio cada vez mais premente nos tempos que correm», alertou.
Jorge Sampaio considerou também que Lisboa, ainda que «longe dos cânones das cidades ideais, tem conseguido avançar pela modernidade, sem deixar de se renovar também como uma espécie e lugar de imaginários fora do tempo».
Acabou com as barracas
Por seu turno, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, elogiou a «extraordinária dignidade de Jorge Sampaio no exercício das suas funções», realçando a influência que teve na resolução de «problemas críticos», designadamente em matéria de Habitação e na extinção das então existentes barracas.
Fernando Medina destacou ainda que, da presidência de Jorge Sampaio na Câmara da capital, nasceu um «conjunto muito significativo de ideias» que, ainda hoje, estão a ser colocadas em prática. «Já na altura, a sustentabilidade ambiental estava explanada no Plano estratégico de Lisboa. À época, já estava planeado o corredor verde de Lisboa, um projeto do arquiteto Ribeiro Telles», referiu.
Do ponto de vista do autarca lisboeta, «existiu na altura, quatro linhas de força/ideias que marcam o presente e o futuro da cidade, são elas: a consciência que a capital pode ser dimensionada, tendo em conta que é uma grande capital global; Lisboa é um grande centro e motor do desenvolvimento da região de Lisboa; combate à exclusão social; e, por último, sustentabilidade ambiental».
No final do seu discurso, o autarca entregou ao antigo chefe de Estado o galardão de Lisboa Capital Verde Europeia 2020, salientando que esta nomeação se deveu, em grande parte, ao trabalho desenvolvido pelo executivo municipal liderado por Jorge Sampaio que tinha «uma ambição para Lisboa: fazer desta cidade a capital Atlântica da Europa».
Fundador da Lisboa europeia
Já para o Primeiro Ministro, António Costa, o Moderno Planeamento Estratégico de Lisboa «é efetivamente um marco fundador da Lisboa europeia», atribuído o mérito a Jorge Sampaio.
«O grande mérito da presidência de Jorge Sampaio e toda a sua equipa foi facto de terem compreendido que não era possível pensar Lisboa, sem pensar além de Lisboa. Porque Lisboa é a capital do país, porque é uma capital Europeia, porque é o centro de uma área metropolitana particularmente dinâmica. E, em 1989, a coesão interna da cidade e a resolução dos problemas internos da cidade implicava valorizar a competitividade da cidade no quadro metropolitano, no quadro nacional e no quadro internacional e que Lisboa tinha de ser e podia ser como grande motor da competitividade e da afirmação do país», afirmou.
Entre outras medidas tomadas nos anos 90 pelo executivo autárquico de Jorge Sampaio, António Costa salientou ainda que este «novo desafio do Portugal europeu e aquele mandato de 89 foi decisivo», tendo marcado a cidade do ponto de vista da «coesão interna», ficando marcado, principalmente, pelo facto de «terem conseguido erradicar dezenas de milhares de barracas que existiam em grandes áreas da cidade».
«Creio que foram cerca de 23 mil fogos construídos nessa altura para erradicação das barracas da cidade de Lisboa», recordou o primeiro-ministro.
O «homem tranquilo, fleumático, britânico» que é Sampaio, na definição de Costa, foi capaz de «decisões de rutura que tomou num determinado momento e marcaram a sua vida», nomeadamente quando conseguiu, como candidato à Câmara de Lisboa, unir a esquerda, incluindo o PCP de Álvaro Cunhal, em torno da candidatura.
O Primeiro Ministro enalteceu o período em que Jorge Sampaio presidiu à Câmara Municipal de Lisboa, de 1989 a 1995, apontando-o como um «momento fundador», mas assinalou também o seu papel na crise académica de 1962 e a sua candidatura às eleições presidenciais de 1996.
«A verdade é que Jorge Sampaio tem uma característica absolutamente extraordinária que é o que fez toda a sua carreira cívica e política: é que, nos momentos de grande impasse, nos momentos em que parecia que não havia nenhuma solução, nos momentos em que parecia que já não havia caminho a seguir, ele surpreendeu sempre e encontrou sempre o caminho para seguir», afirmou António Costa, no Cineteatro Capitólio, em Lisboa.
Dirigindo-se ao antigo Presidente da República, António Costa acrescentou: «Há uma coisa que lhe quero dizer, não como primeiro-ministro, enfim, talvez também como amigo, porque não consigo deixar de o ser, mas quero dizer-lhe, como cidadão, muito obrigado, muito obrigado por tudo o que fez e pelo que permitiu a Lisboa fazer ao longo destes 30 anos».
Segundo o também ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a gestão autárquica de Jorge Sampaio foi «um marco fundador pelo conjunto de elementos de planeamento” produzidos nessa altura, mas foi igualmente fundador do ponto de vista político, pela solução coligatória que foi então possível encontrar».
Do fim das barracas à EXPO’98
Tal como António Costa, também Marcelo Rebelo de Sousa relembrou que os anos entre 1989 e 1996 ficaram marcados «por uma prioridade estratégica sobre o ordenamento urbanístico», da responsabilidade de Jorge Sampaio e do então Governo.
Entre outras medidas, o Presidente da República salientou «o combate aos bairros de lata e “o arranque da Expo 98, na Lisboa Oriental, por demais tempo esquecida e que haveria de inserida no enquadramento estratégico global».
«Jorge Sampaio personificou essa nova Lisboa. Foi o grande protagonista da mudança de visão, da movida jovem, da mobilidade pessoal e social, da preparação do século que estava a chegar. Ao mesmo tempo que liderava a oposição nacional, concorria à chefia do Governo e depois à Presidência da República. Foi incansável, determinado, inabalável. Desmentindo aqueles que o viam como um intelectual, mas não realista, sonhador, mas não fazedor, utópico mas não capaz de chegar ao povo mais humilde, mais sofrido, mais marginalizado», relatou o atual Chefe de Estado.
O Presidente da República elogiou a «liderança clara, dialogante de Jorge Sampaio na Câmara de Lisboa», à qual disse ter sido uma «oposição atenta e incómoda, mas construtiva, como vereador», lembrando que as eleições autárquicas de dezembro de 1989 foram um «período inesquecível». O chefe de Estado recordou a campanha para as autárquicas de 1989 que os dois disputaram, considerando que foi «única, pelo confronto de ideias, de estratégias, de projetos para Lisboa, um confronto vivo, mas elevado, polarizador, mas civilizado, mobilizador, mas racional, mais do que emocional».
Perante Jorge Sampaio e o primeiro-ministro, António Costa, o chefe de Estado referiu ter sido testemunha da gestão autárquica «da perspetiva mais isenta e mais livre para poder julgá-la, como amigo de muito tempo antes, mas adversário». Como vereador, disse ter sido um «adversário convergente na estratégia, mas divergente em alguma ou algumas, embora poucas, decisões ou opções do quotidiano, solidário na busca de soluções jurídicas, administrativas ou políticas, complexas, mas sintonizado com a linha nacional da área que representava»
«Pois é com esse testemunho que reconheço, como cidadão que sou e autarca que era, a Jorge Sampaio a vivência ímpar e inspiradora que foi a sua notável presidência da Câmara de Lisboa. Tal como é, agora já na posição de Presidente da República Portuguesa, que lhe tributo a gratidão de todos os portugueses por esse exemplo pioneiro e civicamente essencial: o de ter sido o primeiro Presidente da República em democracia a palmilhar, antes de o ser, os caminhos árduos, mas galvanizadores, da responsabilidade autárquica», afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa assinalou que Jorge Sampaio foi «autarca local e Presidente da República, o primeiro em democracia» até ao momento, concluindo: «Portugal louva e agradece, penhorado, e não esqueceu, não esquece nem nunca esquecerá».
No seu entender, a gestão autárquica de Jorge Sampaio «lançou um repensar estratégico de largo fôlego, para uma nova Lisboa, a fazer e a refazer, após o longo, criativo, mas impressionista consulado de Nuno Abecasis, abrindo caminho para a execução que largamente caberia também a João Soares».
No início da sua intervenção, o Presidente da República declarou que falar do seu antecessor Jorge Sampaio «é inevitavelmente falar da sua inteligência, da sua cultura, do seu cosmopolitismo, do seu ecumenismo, da sua sensibilidade, do seu idealismo, da sua militância preocupada, sempre preocupada com a liberdade, a democracia, a justiça, o socialismo e, claro, Portugal».