Já com calo de promessas vãs, os moradores do bairro São João de Brito, em Lisboa, voltam a alimentar a esperança de ver o bairro reabilitado. Resistiram mais de 45 anos na margem da cidade, sempre na esperança de obterem a licença de habitação e, finalmente, «legalizarem-se».
Uma indefinição legal com mais de 45 anos, em solo municipal, gera mais uma situação insólita. Imagine: nas traseiras da Avenida do Brasil, em plena Freguesia de Alvalade, os moradores não são donos dos terrenos, mas apenas das casas e, por isso pagam, à Câmara de Lisboa, renda e IMI. Mas não podem vender, nem arrendar.
De facto, o núcleo urbano situado entre o aeroporto de Lisboa e a Avenida Brasil é um território singular. Bairro de autoconstrução, situado em terrenos municipais, e surgido na sequência do 25 de Abril de 1974, sempre viveu numa grande indefinição jurídica: nem legal, nem ilegal. Cada morador construiu a sua casa, a partir de um plano de fiscalização que «ordenou» os lotes de terreno e permitiu a criação de arruamentos.
Apesar disso, e quando ainda há muito por concretizar ao nível das infraestruturas, os residentes começaram a ter de pagar renda à câmara municipal, além do IMI. Agora, começam a vislumbrar uma solução para o problema, havendo promessas de, dentro de 2 anos, a situação estar resolvida.
Neste momento, segundo afirma a presidente da Associação de Moradores do Bairro São João de Brito, Fátima Martins, existe a esperança de se iniciarem, brevemente, as obras de renovação das infraestruturas para o bairro ser requalificado.
Construído numa época de grande convulsão política (estamos a falar dos anos subsequentes à revolução do 25 de Abril, por isso finais de 1974/75), em que os instrumentos de regulação urbanística estavam ainda longe de ter a sofisticação e a eficácia que têm hoje, e com graves carências habitacionais, a solução encontrada para solucionar o problema de falta de casas, agravada com o retorno de cidadãos portugueses das ex-colónias, foi o da autoconstrução. As pessoas iam chegando e fazendo as suas casas onde lhes era permitido.
Construído em terrenos municipais
Num processo semelhante ao de tantos outros, o bairro nasceu assim na antiga freguesia de São João de Brito, à margem das mais elementares regras de ordenamento territorial. Mas havia uma diferença face aos restantes. Se a generalidade desses bairros viria, mais tarde, a ser categorizada como uma Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI), o São João de Brito nunca foi considerado como tal, salienta a presidente da Associação de Moradores,
A razão é muito simples: os terrenos onde está implantado são, na sua grande maioria, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa e foi a autarquia a dar autorização, durante o Período Revolucionário em Curso (PREC), para a instalação dos novos habitantes. Estava criada uma situação singular. Mas, a partir de então, os residentes daquele bairro passaram a sentir-se abandonados pelos poderes públicos. «Nós é que construímos tudo o que aqui temos, ninguém nos deu nada», afirma Fátima Martins, lembrando que esta foi a solução encontrada, na altura, por milhares de famílias para fazer face ao agudo problema da falta de habitação disponível no mercado. Registava-se, desde a década anterior, um forte movimento de êxodo rural, que tinha sobretudo como destino a capital portuguesa e a sua crescente periferia. Uma situação agravada pelo processo de descolonização, que obrigou ao regresso de muitos.
Solução passa pela requalificação do bairro
Todo este imbróglio jurídico está pelos vistos em via de resolução. Em julho de 2018, foram dados os primeiros passos quando a Câmara de Lisboa prometeu, pela voz do então vereador do urbanismo, Manuel Salgado, requalificar os espaços públicos do bairro, num investimento de 4,1 milhões de euros, lembra a presidente da Associação.
Na altura, Manuel Salgado explicou que a requalificação se prende com «obras de urbanização e arranjos de espaço público», incluindo saneamento, eletricidade, iluminação pública, abastecimento de água, combate a incêndios, telecomunicações, arruamentos viários e estacionamento, rede de circulação pedonal e arquitetura paisagista.
São estas promessas da Câmara de Lisboa que Fátima Martins quer ver cumpridas, dentro do «tal prazo» de dois anos.
Anteriormente, no dia 7 de junho, realizaram-se as primeiras escrituras de aquisição de lotes de terreno do bairro. O presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, José António Borges, recordou que esta era «uma luta com mais de 40 anos», salientando que esse acto «mudará de modo muito decisivo e concreto a vida dos moradores», que travaram durante 40 anos um combate «com alguma dureza e muitas incertezas».
«As casas são mesmo vossas», afirmou, na ocasião, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, acrescentando que «aquilo que era um sonho vai transformar-se em realidade». Na sua intervenção, Fernando Medina garantiu que não ficarão por dar os passos seguintes: a resolução da questão da Rua das Mimosas, que obriga a alterações no PDM (Plano Diretor Municipal) e a requalificação do espaço público do bairro.
São todas estas promessas que a Associação de Moradores, que representa os moradores das 130 casas do bairro, quer ver cumpridas.