Foi encontrada, na passada segunda-feira, dia 24 de outubro, a espada de D. Dinis no seu túmulo, situado no Mosteiro de Odivelas. O objeto é considerado um exemplar raro e seguiu para análise e estudo no Laboratório José de Figueiredo, e a autarquia defende que a espada deve ficar no concelho, no futuro Museu de Odivelas. Recorde-se que esta estava dada como desaparecida há quase 700 anos, e foi encontrada debaixo do esqueleto do monarca.
Segundo a Câmara de Odivelas, a descoberta da espada de D. Dinis surgiu na sequência do projeto de conservação e restauro da arca tumular e do estudo aos restos mortais do rei. A espada agora descoberta é feita de ferro, com um punho de prata com aplicações de esmalte de várias cores e uma bainha de madeira que poderá estar revestida com couro, e é considerada uma peça de valor excecional, uma vez que existem poucos exemplares europeus de espadas régias.
Para a arqueóloga Maria Antónia Amaral, da Direção Geral do Património Cultural (DGPC), e contactada pelo Olhares de Lisboa, esta é “uma espada excecional” e não existem muitos exemplares recolhidos em contextos arqueológicos. No entanto, em 2020, a mesma equipa, revela, já tinha descoberto uma ponteira no túmulo do rei, mas só em 2022 é que se descobriu que a mesma era referente à espada agora encontrada. “A espada estava coberta por uma bolsa e a sua decoração está relacionada com o período em que viveu o rei”, acrescenta Maria Antónia Amaral, explicando que este artefacto estava “bem conservado, uma vez que o punho é feito de prata dourada, o que permite uma melhor conservação ao longo dos anos”.
Por sua vez, “a bainha também estava bem conservada”, e só falta ver a lâmina, “que parece ser em ferro”. A espada encontra-se neste momento a ser analisada no Laboratório José de Figueiredo, responsável por realizar “intervenções de conservação e restauro de bens culturais móveis de interesse nacional e de interesse público”, conforme se pode ler no site da DGPC. Maria Antónia Amaral defende que a espada deve ficar em Odivelas, no futuro Museu da cidade, assim como tudo o que está dentro do túmulo do rei D. Dinis.
A mesma opinião é defendida pela Câmara de Odivelas. “É fundamental que a espada se mantenha em Odivelas, no local que D. Dinis escolheu para fundar um Mosteiro, respeitando a determinação do rei e ao mesmo tempo perpetuando a sua memória para as gerações futuras”, explicou ao Olhares de Lisboa o vereador com os pelouros da Cultura e Gestão Patrimonial, Edgar Valles. Ainda de acordo com o autarca, esta decisão teve em conta as “opiniões de especialistas na área da museologia, história e arqueologia”, que dizem que o melhor é colocar a espada “num espaço expositivo no Mosteiro de Odivelas, para fruição pública”.
“Contudo, se tal não for possível, acho que a espada deve ficar ou no Museu Nacional de Arte Antiga ou no Museu Nacional de Arqueologia”, explica Maria Antónia Amaral, acrescentando que, para além da descoberta deste artefacto, foi ainda possível encontrar, dentro do túmulo de D. Dinis, “têxteis referentes ao final do século XIII, e início do século XIV e que representam aspetos das vestimentas daquela época”.
Para Edgar Valles, “esta descoberta reveste-se de grande importância, tendo em conta que foi encontrada in situ [no local]”, salientando ainda que “ a consolidação, os estudos associados e a criação e preparação das condições museográficas para expor a espada, irão ser determinantes para o conhecimento e consequente enquadramento no projeto expositivo, com todas as condições de conservação, salvaguarda e segurança inerentes a este e a outros objetos que venham a retirar-se do túmulo”.
O objetivo da conservação e estudo dos restos mortais do Rei D.Dinis é descobrir vários aspetos relacionados com a vida (fisionomia, estatura ou as patologias de que padecia o monarca) e a morte (processo de sepultamento escolhido, vestes reais, entre outros) do Rei D. Dinis, um dos principais monarcas portugueses.
Estes trabalhos, sublinha Maria Antónia Amaral, estão a ser feitos devido à necessidade de preservar o túmulo de D. Dinis, que segundo a mesma, “estava com muito lixo e sem condições para ter um rei”. A arqueóloga acrescenta ainda que “abrir um túmulo é muito dispendioso e que necessita de uma autorização por parte do Ministério da Cultura”. Para já, os trabalhos encontram-se ainda na chamada ‘fase de campo’, onde se inclui a exumação dos restos mortais do monarca. Os próximos passos serão a análise e a preservação de todo o espólio encontrado no túmulo de D. Dinis, que de acordo com Maria Antónia Amaral, “tem uma grande importância para a História de Portugal e de Odivelas”.
Futuro Museu de Odivelas ainda não tem data prevista
A conservação e restauro do túmulo de D. Dinis está a ser realizada pela autarquia de Odivelas, em parceria com a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), contando com um investimento municipal superior a 215 mil euros, e poderá demorar vários anos a ficar concluído. O futuro Museu de Odivelas, garante ainda a autarquia, terá “todas as condições de conservação e segurança adequadas”, e está em desenvolvimento, assim como o Projeto de Requalificação do Mosteiro. “A execução deste projeto, dada a complexidade e a dimensão deste Monumento Nacional, terá o tempo necessário para responder a todas as condicionantes de uma área classificada e protegida legalmente”, acrescenta Edgar Valles, sem, no entanto, avançar com uma data prevista para a concretização deste espaço museológico, cuja programação está a ser desenvolvida e estudada desde 2018.
Desde aí, está a ser “preparado, através de um grupo de trabalho, um projeto museológico, fundamentado nos sete séculos de história e vivências do Mosteiro, com o desenvolvimento de estudos nas diversas áreas de investigação”, acrescenta o autarca, sendo que, para já, já foi “reunida uma parte significativa de espólio histórico, artístico e arqueológico, que correspondem a várias cronologias desde” a fundação do Mosteiro, no século XIII, até ao encerramento do Instituto de Odivelas, em 2015. Por isso, para além da espada e de documentos relacionados com o Rei D. Dinis, o futuro Museu de Odivelas irá ainda contar a história do Mosteiro, através de diversos artigos históricos.
“Espada não deve ser mais importante que o Rei”, diz historiadora Máxima Vaz
Já para professora e historiadora Máxima Vaz, também ouvida pelo nosso jornal, considera também que esta descoberta é importante para o concelho de Odivelas, mas reforça “que a espada não deve ser mais importante que o Rei”, e lamenta que não tenham surgido novos dados sobre o estado do monarca. Recorde-se que as últimas informações sobre o Rei D. Dinis foram descobertas em 1938, quando o túmulo do mesmo foi aberto para ser mudado de lugar, devido às obras de restauro do Mosteiro de Odivelas.
Na altura, explica, descobriu-se mais alguns pormenores sobre o Rei D. Dinis, tais como a cor do cabelo (ruivo), e a forma como foi sepultado. O monarca foi enterrado com um manto com “fios de ouro ou metal dourado”, juntamente com “fios de trama que formavam desenhos” como “uma série de pinhas, açores, e flores de lis”. Na mesma altura, após se levantar o manto que cobria o rei, “reconheceu-se que a cabeça se encontrava de lado sobre uma almofada, na atitude de quem dorme, e o corpo também ligeiramente inclinado sobre o lado esquerdo”, e a sua barba ruiva e longa “estava ligada à pele que se separava um pouco dos maxilares”, assim como os cabelos, que estavam “presos aos ossos pela pele”.
“Os dentes estavam muito bem conservados e nenhum caído ainda”, explica a historiadora, citando um relatório daquela altura, acrescentando que “o tronco estava revestido de uma espécie de colete de lã branca, parecendo de flanela, e o braço direito conservava-se dobrado sobre o peito e o esquerdo descaído para o lado”. Para Máxima Vaz, D. Dinis foi um “Rei muito importante para Portugal, e sobretudo para o concelho de Odivelas, porque se não ele não tivesse construído o Mosteiro, Odivelas teria sido apenas uma aldeia rural”.
“O Rei D. Dinis não era um rei de guerra, era um diplomata, preferia resolver os conflitos com um acordo”, acrescenta Máxima Vaz, salientando que o monarca “marcou a história de Portugal”, e que, para além do Mosteiro de Odivelas, construiu também a Universidade de Coimbra. “Graças a este Rei, Odivelas ficou marcada por muitos acontecimentos da História de Portugal. Por exemplo, quase ninguém sabe que a D. Filipa de Lencastre morreu em Odivelas”, adiantou a historiadora.
Fotos: Município de Odivelas