Lisboa recorda os cidadãos mortos pela PIDE na Revolução dos Cravos

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) inaugurou, esta quarta-feira, 3 de abril, uma placa de homenagem às quatro pessoas assassinadas no dia 25 de Abril de 1974, junto à sede da PIDE ( Policia Internacional e de Defesa do Estado) , na Rua António Maria Cardoso, no Chiado. Esta placa vem substituir a que existia até então, mas que não continha dados correctos relativos aos quatro cidadãos, e conta com um QR Code, onde é possível conhecer as biografias de cada um deles.

A antiga sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, no Chiado, tem agora uma nova placa de homenagem às quatro pessoas assassinadas no dia 25 de abril de 1974. Esta cerimónia está inserida nas Comemorações Municipais dos 50 anos do 25 de Abril e pretende recordar este episódio. A colocação desta nova placa partiu da iniciativa de vários cidadãos, um deles Pedro Vieira, que após ler sobre este acontecimento num jornal, em 2017, avançou com uma petição, que recolheu cerca de 400 assinaturas, com o intuito de homenagear estes quatro cidadãos com a atribuíção de uma rua a cada um.

A petição foi levada à Assembleia Municipal de Lisboa (AML) em 2018, e foi aprovada por unanimidade. “Há pouca coisa sobre este episódio e, graças às redes sociais, pensei lançar uma petição”, contou ao Olhares de Lisboa o responsável pelo documento, que depois da aprovação na AML, foi remetido à Comissão de Toponímia, que rejeitou a ideia, uma vez que “já havia toponímia suficiente sobre o 25 de Abril”. “Deixei o assunto adormecido, mas depois tive um clique e pensei em fazer isto outra vez”, acrescentou Pedro Vieira, explicando que lançou uma nova petição, que recolheu, desta vez, 1100 assinaturas.

Placa tem um QR Code que remete para a biografia de cada cidadão

“Voltei novamente à AML, voltou a existir uma votação unânime, e remeteu-se o assunto para a vereação da Cultura”, recordou, lembrando que isto aconteceu em 2021, quando já tinha tomado posse o atual executivo camarário. “Houve pistas de que a vereação iria alinhar e verificou-se que havia uma placa errada”, disse Pedro Vieira, acrescentando ainda que a nova placa manteve o texto original da primeira, mas que conta agora com um QR Code que remete o utilizador para o site do Museu do Aljube Resistência e Liberdade, onde é possível conhecer as biografias destes quatro cidadãos.

No discurso de inauguração, Pedro Vieira disse ainda que “uma coisa que sempre me inquietou foi o facto de estes nomes estarem incorretos e estas pessoas não serem lembradas”. Por isso, “quis repor a verdade e apelar à CML para corrigir este detalhe”, lembrou, salientando que “é com grande júbilo que vejo esta placa corrigida. A batalha pela memória nunca termina. Há várias narrativas do 25 de Abril e esta estava incorreta”. Para além de Pedro Vieira, houve ainda outra interpelação relacionada com o tema, desta feita pelo movimento cívico Não Apaguem a Memória (NAM), que promove iniciativas de evocação de acontecimentos históricos e das suas memórias.

Perpetuar a memória

O movimento não tem ligações partidárias e vive das quotizações dos sócios e donativos da comunidade. Nesta cerimónia, esteve presente o presidente desta associação, Eurico Reis. “Nós devemos apurar o que aconteceu no passado, com todo o rigor e com maior isenção”, considerou. “ Temos que apurar a verdade e mostrar a verdade, para que essa verdade seja conhecida, reconhecida e divulgada”, prosseguiu, lembrando ainda que é “fundamental preservar a memória”. “A memória tem duas importâncias”, disse ainda Eurico Reis. Ou seja, a primeira é “recordar e mostrar o que aconteceu”, e a segunda “impedir de cometermos os erros que foram cometidos, ou por nós próprios, ou pelas gerações anteriores”, afirmou.

Neste caso em concreto, “a PIDE assassinou pessoas que pacificamente estavam aqui A manifestar-se contra eles. Houve estes quatro mortos, mas houve feridos. O que aqueles canalhas assassinos fizeram foi preparar rajadas sobre as pessoas, mostrando aquilo que eles eram: assassinos”, prosseguiu Eurico Reis, salientando que esta placa deve servir para “relembrar o que é que a PIDE era e mostrou no primeiro dia da liberdade”. “A memória também nos deve guiar para o que está a acontecer hoje, para aquilo que está a acontecer, para as duplicidades. As FP-25 foram julgadas e condenadas. O MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal) nunca foi julgado”, acrescentou.

Contar factos

Para o responsável do movimento, é esta “duplicidade que mata a democracia”, como “estes assassinos, naquele dia, mataram quatro pessoas e feriram outras. Vamos preservar a memória, para que se conheça o que aconteceu, mas também para nos ajudar a lutar pela democracia e pelo Estado de Direito”, concluíu Eurico Reis. Nesta placa, constam agora os nomes de Fernando dos Reis, Fernando Giesteira, João Arruda e José Barneto, os quatro cidadãos mortos enquanto participavam na manifestação pela extinção da PIDE/DGS no dia 25 de Abril de 1974. Na cerimónia de inauguração desta placa, esteve ainda a Diretora Municipal de Cultura, Laurentina Pereira, representantes de todos os partidos eleitos na Câmara Municipal de Lisboa, e ainda os vereadores Filipa Roseta, Diogo Moura e Filipe Anacoreta Correia.

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Este último começou a sua intervenção a lembrar que “a memória faz-se de factos. Muitas vezes, o 25 de Abril é referido como uma revolução que teve poucos mortos, associada à simbologia das flores e a uma simbologia pacífica”, mas a verdade é que existem “factos e houve aqui uma circunstância em que morreram” quatro pessoas. “A mim, impressiona-me particularmente saber que houve um jovem de apenas 17 anos” que foi morto neste acontecimento, prosseguiu Anacoreta Correia, sublinhando a importância de construir a memória “sem narrativas”.

“É o aspecto mais difícil. Nós, por exemplo, na CML, temos insistido em que haja também a afirmação do 25 de novembro, onde, efetivamente, houve duas vidas fatídicas. As narrativas, às vezes, levam-nos a acentuar mais uns factos do que outros e nós não podemos deixar de ver todo o processo que foi determinante para a interrupção de um regime para o outro”, acrescentou o vice-presidente da autarquia lisboeta.

CML recorda lugares históricos da revolução com o projeto ‘Lugares de Abril’

“É de realçar o empenho que houve da cidade e de todas as pessoas envolvidas na colocação desta nova laje”, reconheceu o autarca. Por sua vez, o vereador com o pelouro da Cultura da CML, Diogo Moura, acrescentou que “a memória não pode ser esquecida de maneira nenhuma”, aproveitando ainda para agradecer a toda a equipa da Direção Municipal da Cultura e do Departamento de Património Cultural. “Este é um assunto que não vem de agora”, recordou o vereador, lembrando que esta placa resulta de vários pedidos de cidadãos para “relembrar e corrigir aquilo que era um erro nos nomes destes quatro cidadãos”.

“Também acompanhei o Pedro nas várias apresentações que fez”, recordou Diogo Moura, sublinhando que, para além desta iniciativa, a CML continua a recordar a revolução e os seus acontecimentos através do projeto ‘Lugares de Abril‘, com placas evocativas em diversos pontos da cidade. “Muitas vezes não conhecemos aquilo que é a verdade dos acontecimentos. É isso que também as tecnologias nos ajudam a trazer”, através do QR Code presente em todas estas placas.

“Tudo aquilo que foi falado, a história, a memória, ela não pode ser perdida, deve ser relembrada todos os dias, até porque os desafios da democracia continuam-se a manter, e estão sempre à nossa frente”, concluíu Diogo Moura, agradecendo a todos os cidadãos que contribuíram para a correcção desta placa evocativa junto à antiga sede da PIDE.

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