LEI BASE DE HABITAÇÃO EM DISCUSSÃO NA A.R.

Na primeira reunião plenária de 2019, a Assembleia da República debateu a requisição de habitações devolutas e a impenhorabilidade de casas para satisfação de créditos fiscais ou contributivos.
A Assembleia da República discutiu a criação da Lei de Bases da Habitação, com projetos de PS, PCP e BE, que propõem a requisição de habitações devolutas e a impenhorabilidade de casas para satisfação de créditos fiscais ou contributivos.

Enquanto o presidente da Associação Lisbonense dos Proprietários, Menezes Leitão, «já veio a terreiro» defender que a requisição de habitações devolutas «é inconstitucional, típica de um estado totalitário» e, por isso, não exclui levar o assunto às instâncias europeias, o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, Romão Lavadinho, considerou positiva as propostas sobre a requisição de habitações devolutas e subsídios de renda para idosos, lembrando, contudo, que as mesmas não «resolvem todos os problemas».

Das propostas que mereceram mais reações nos últimos dias, destaca-se a liquidação total do empréstimo bancário das casas penhoradas, medida que integra os projetos de PCP e BE e à qual o PS manifestou ter «muitas dúvidas do grau de execução, uma vez que a atual política de concessão de crédito à habitação tem regras muito mais rigorosas e muito mais apertadas».

Para a criação da Lei de Bases da Habitação estão em cima da mesa três projetos de PS, PCP e BE, com propostas semelhantes para garantir o direito à habitação a todos cidadãos e que reforçam o papel do Estado neste âmbito.

Descartando para já a apresentação de iniciativas legislativas para a Lei de Bases da Habitação, PSD e CDS-PP pretendem participar na discussão, em sede de especialidade, com contributos aos projetos existentes.

Apresentada em abril, a iniciativa legislativa do PS propõe a requisição temporária de habitações devolutas, a criação de um regime especial de fixação de renda, a atribuição de subsídios de renda para idosos e «a impenhorabilidade da casa de morada de família para satisfação de créditos fiscais ou contributivos».

Em outubro, o PCP avançou com um projeto de Lei de Bases da Habitação, defendendo o papel do Estado na promoção do arrendamento, uma política pública de solos contra a especulação imobiliária, a expropriação dos edifícios devolutos públicos ou privados, a impenhorabilidade da casa de primeira habitação para satisfação de créditos fiscais ou contributivos e «a extinção do empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente com a entrega da fração ou edifício».

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O último projeto de lei a ser apresentado à Assembleia da República foi o do BE, em 21 de dezembro, que prevê a criação do Serviço Nacional de Habitação e sugere que «as habitações que se encontrem injustificadamente devolutas, abandonadas, em degradação ou em ruínas estão sujeitas a penalizações definidas por lei, regimes fiscais diferenciados e requisição para ser efetivado o seu uso habitacional», assim como «a impenhorabilidade da casa de morada de família para satisfação de créditos fiscais ou contributivos e a extinção do empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente com a entrega da habitação em causa ao banco».

Na sessão plenária ficou bem marcada a cisão ideológica que, em matéria de habitação, continua a separar os partidos da esquerda (que querem atribuir ao Estado a função principal de assegurar o direito constitucional à habitação) dos partidos da direita, que defendem que isso não pode ser feito à custa de confiscos à propriedade privada. No debate, que marcou a primeira sessão plenária de 2019 notou-se em especial a ausência do Governo, que não se fez representar nesta discussão.

Helena Roseta, autora do projecto de lei apresentado pelo PS, em Abril de 2018, defendeu que o documento é apenas um ponto de partida, uma base de trabalho, que não está concluído nem fechado, mas sim aberto a todas as propostas e soluções, sublinhando que «há muito trabalho pela frente» e pedindo que «apesar das nossas diferenças, enquanto deputados e membros de partidos, estejamos à altura de fazer uma lei que melhore a vida das pessoas». .

Os partidos da esquerda (PS, BE e PCP) destacam que a habitação é o único direito consagrado na Constituição que não tem uma Lei de Bases para o definir e defender. CDS-PP e PSD notaram que redigir uma Lei de Bases não foi prioritário, nem sequer para os partidos que sustentam a actual maioria, uma vez que a apresentaram no final da legislatura. Álvaro Castelo Branco, do CDS/PP mostrou-se claro na oposição que o seu partido fará «a leis de bases que defendem o direito à habitação com prejuízo de outro direito constitucional, como é o direito à propriedade privada». O PSD, pela voz de Jorge Paulo Oliveira, argumentou que «o ciclone ideológico da esquerda sobre a propriedade privada não resolveu nenhum dos problemas identificados, e que, decorridos três anos de encenações, os resultados continuam confrangedores».

Participação do Estado

A proposta do PS já mereceu um parecer da Associação Nacional de Municípios em que é pedida uma «maior ponderação, por forma a encontrar uma resposta mais equilibrada, adequada à distribuição de responsabilidades e proporcional nos respectivos meios a repartir entre os vários responsáveis pelas políticas públicas e sua execução». Resumindo: não basta retirar dos limites ao endividamento municipal as necessidades financeiras para implementar os programas locais de habitação, é preciso «haver presença e participação do Estado, através do OE ou de outros instrumentos e mecanismo financeiros».

A proposta volta a não gerar consenso entre proprietários e inquilinos. Assim, o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, está em «completo desacordo» com a proposta que prevê a requisição de habitações devolutas, considerando que a medida é de uma «violência e crueldade inusitada».

Segundo este dirigente associativo, esta proposta «constitui uma violência, uma tentativa de à força, sem recurso à inteligência, pôr de pé uma coisa que nem sabe bem do que é que se trata. Estas medidas são dirigidas diretamente para Lisboa cidade, porque no resto do país é diferente. Mesmo no caso do Porto, o problema da falta de habitação para determinadas camadas não se põe da mesma forma. O preço das rendas novas no Porto é metade do que é pedido em Lisboa».

Por seu turno, o presidente da Associação Lisbonense dos Proprietários (ALP), que considera a mesma «claramente inconstitucional e típica de um Estado totalitário». Menezes Leitão afirma que vai levar o assunto às instâncias internacionais,  tendo «previsto um encontro com uma delegação de proprietários europeus para colocar o assunto no quadro europeu das instituições internacionais».

Enquanto os representantes dos proprietários contestam totalmente os projetos em discussão, os inquilinos aplaudem a proposta do PS. O presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, considerou positiva as propostas sobre a requisição de habitações devolutas e subsídios de renda para idosos. Lembrou, no entanto, que as mesmas não «resolvem todos os problemas».

«A opinião da AIL é a de que avançar com uma solução que não resolve o problema na sua totalidade pode não ser mau, como temos vindo a dizer sempre. Qualquer solução que possa ajudar a resolver ou minorar os problemas dos inquilinos parece-nos positivo. Agora isto não resolve o problema», frisou, citado pela Lusa.

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