A APPA luta pelas tradições do bairro de Alfama há mais de 30 anos

A Associação do Património e da População de Alfama (APPA) surgiu em 1987 com o objetivo de defender o património daquele bairro histórico da cidade que, mais de três décadas depois, tem novos problemas, como a especulação imobiliária e a transformação do bairro num sítio focado para o turismo. Lurdes Pinheiro, presidente da APPA alerta que “70% das casas” são de alojamento local e é isso que a associação quer travar.

Lurdes Pinheiro, presidente da Associação do Património e da População de Alfama (APPA) desde 2011, conta, ao Olhares de Lisboa, que o bairro de Alfama tem vindo a transformar-se ao longo dos tempos. A APPA foi fundada a 1 de setembro de 1987. O objetivo era defender, conservar, recuperar e divulgar o património cultural daquele bairro típico da cidade. “A associação surgiu numa altura que a solução ou era a recuperação ou a morte das casas” que até então existiam no bairro. Na época, ainda não se falava de especulação imobiliária ou alojamentos locais. Os principais problemas eram, essencialmente, a necessidade de recuperar as habitações devolutas e preservar a memória do bairro.

“Este bairro sempre teve muita atividade económica”, recordou Lurdes Pinheiro. Na sua opinião, a agregação das freguesias e a crise de 2011, levou a que “Alfama fosse perdendo serviços públicos”, tais como os correios, o banco, ou até mesmo a junta de freguesia. Ao mesmo tempo, fala ainda da perda do comércio tradicional, que foi dando lugar às lojas de souvenirs (lembranças turísticas). “Até com os transportes acabaram, só passam aqui dois ou três autocarros”, lamenta a presidente da APPA. A responsável fala ainda numa “perda da proximidade” com os poderes políticos. Por isso, reforça que outro dos objetivos desta associação é criar precisamente essa proximidade com os habitantes de Alfama.

Apoio a pessoas carenciadas

“A freguesia de Santa Maria Maior é uma freguesia muito grande, com um orçamento de 10 milhões de euros”. Por isso, “não está vocacionada para proteger a população”, atira Lurdes Pinheiro, que, apesar de nunca ter morado em Alfama, conhece de perto os problemas deste bairro. Atualmente, a APPA continua a defender a história e a cultura de Alfama, mas também desenvolve o seu trabalho na área social, apoiando famílias e pessoas carenciadas. A associação é procurada “por pessoas que estão agora a receber cartas de despejo. Temos muita gente assim aqui no bairro”, explica Lurdes Pinheiro.

A responsável salienta ainda que muitos destes moradores “são pessoas de idade” e não conseguem arrendar outra habitação a um custo acessível em Lisboa. “Eu acho que Alfama vai ser como Óbidos”, ou seja, com turismo, mas sem moradores, afiança a presidente da APPA. “Mais de 60% ou 70% das habitações que aqui existem são dirigidas para o alojamento local”, atira a responsável. Por isso, defende que exista uma mudança nas políticas de habitação. “Lutamos para que as casas que estão fechadas sejam abertas para a habitação com preços acessíveis, mas, para isso, tem de haver uma lei para todo o país”. Lurdes Pinheiro ressalva ainda que “neste momento, Lisboa só tem hotéis e alojamentos locais”.

Encontrar soluções adaptadas a cada caso

“Há ruas onde não há ninguém a morar. Por isso é que nós estamos aqui na luta para que exista habitação dentro do bairro”. Contudo, defende que a solução não se resolve apenas “com os programas de renda acessível”. Neste sentido, fala da importância de existirem gabinetes locais, onde “cada caso pudesse ser analisado em concreto e houvesse uma solução adequada a cada situação”. Para além da identidade do bairro, a APPA defende também as suas tradições. “Há uns anos, lutámos para que a Câmara não construísse o Museu Judaico dentro do bairro”, recordou a presidente da associação. Porém, sublinha que esta contestação apenas se deveu à arquitetura pensada para o museu, e não pela sua temática.

Aliás, todos os estrangeiros são bem-vindos a Alfama, reforça Lurdes Pinheiro, que explica que este bairro sempre foi ponto de encontro de “pessoas de todo o mundo” e “todo o país”, que vinham para Lisboa à procura de uma vida melhor. Para além dos apoios sociais, a APPA promove ainda ações culturais e de integração dos imigrantes que vêm viver para Alfama. A maioria dos imigrantes é oriundo de países asiáticos, como o Nepal, o Bangladesh, ou a Índia, mas também do Brasil e de países europeus. “Nós queremos pessoas a viver no bairro. Não importa se são estrangeiros, porque também temos que integrar os estrangeiros”, sublinha a responsável, admitindo, porém, que Alfama também deve ser acessível para os portugueses.

Iniciativas culturais

“Estes encontros culturais servem também para integrar a cultura dessas pessoas e para eles se integrarem”, conta Lurdes Pinheiro. Igualmente, a APPA também organiza passeios comentados, destinados à população local e também a turistas que visitem o bairro. Isto é uma das formas de a associação financiar a sua atividade, a par com as quotizações e o apoio mensal de 250 euros da Junta de Santa Maria Maior. Juntamente a isto, a APPA tem ainda parcerias com instituições locais. Uma delas é o Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), que oferece consultas de psicologia grátis a quem não pode pagar.

Centro de Enfermagem Queijas

Ao mesmo tempo, tem ainda acordos com estabelecimentos comerciais, onde a associação vai buscar comida para distribuir a cerca de 80 famílias carenciadas, todos os meses. Recentemente, a associação candidatou-se aos subsídios Bip Zip, da Câmara Municipal de Lisboa, mas não foi selecionada. O objetivo era alargar o número de pessoas apoiadas, através de apoios para pagar a renda, a água ou a luz, explica a presidente da APPA. Esta associação tem um orçamento anual a rondar os 15 mil euros.

“Todo o dinheiro é canalizado para as atividades e os gastos com a luz, a água, os telefones, e com a funcionária que aqui está”, explica Lurdes Pinheiro, salientando que a APPA também compra alguns produtos alimentares para distribuir. Esta associação está sediada no Largo de Santa Luzia, junto ao miradouro, num espaço que pertence à CML e que foi cedida à APPA. A associação tem, atualmente, mais de uma centena de sócios. Por fim, Lurdes Pinheiro salienta ainda que, apesar de todas as mudanças dos últimos anos, “Alfama ainda continua a ter este sentimento de bairro” que sempre o caracterizou e é isso que a associação quer continuar a manter.

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