A TRAGÉDIA DA PRACETA 1 DE DEZEMBRO

Família de Odivelas em vias de ser despejada de casa. Com um filho menor e uma perna amputada recentemente, o taxista Mário Vaz já se resignou a ter de viver “debaixo da ponte” e a perder o filho.

A sala de estar está escura. De cortinas fechadas a tapar a luz do dia. Mário Vaz está sentado a um canto, perdido nos seus pensamentos, de rosto fechado e a coçar a barba de 3 dias. O taxista medita sobre o “terrível momento” que está a atravessar. Já não lhe resta qualquer esperança de reverter a ação de despejo movida pelo atual proprietário do prédio, onde nasceu e reside há 52 anos, em Odivelas – o senhorio comprou o prédio e pretende renovar o seu apartamento e aluga-lo a 800 euros.

O inquilino do apartamento, como tantos outros da época, não tem qualquer contrato escrito e transitou da sua avó diretamente para os pais de Mário Vaz, e destes para ele próprio, sem qualquer formalismo legal.

A nova lei de arrendamento, vulgo “Lei Cristas”, aprovada no governo de Passos Coelho, mudou o panorama da habitação em Portugal e, agora, Mário Vaz e a sua família “nada podem fazer” para evitar serem despejados no final do mês de maio. Para cúmulo, o taxista, que está de baixa médica há uns meses, recebeu a notícia da ação de despejo no mesmo dia e na mesma hora em que “estava a descer as escadas do prédio para ir para o hospital. Quando me dei conta de que um senhor engravatado (agente de execução) queria falar comigo, tive um pressentimento de que algo de mal iria acontecer. Já não bastava ter de perder uma perna…”, explica, com olhos azuis a ameaçar marejar.

Nesse mesmo dia, Mário Vaz foi submetido a uma intervenção cirúrgica que lhe manietou o futuro. Para evitar males maiores, conta, resignado, ao OLHARES DE LISBOA, que a equipa médica do Hospital Beatriz Ângelo (Loures) tomou a difícil decisão de lhe amputar uma perna, devido aos graves problemas vasculares. Para quem ganha o seu sustento através da condução, esta decisão foi a machadada final na pouca esperança que ainda lhe restaria.

Sereno, o taxista anota que tentou por todos os meios chamar a atenção da Segurança Social e da Câmara de Odivelas para a “gravidade da situação”, cumprindo os formalismos próprios deste tipo de casos, mas apenas conseguiu uma grande mão cheia de nada. “Era para ter tido uma reunião com um doutor da Câmara, mas veio a pandemia e a reunião ficou sem efeito. Preenchi o formulário a requerer uma habitação social para a minha família, mas recebi uma resposta negativa porque a Câmara diz que não tem casas”.

Impossibilitado de se movimentar com normalidade, Mário Vaz explica que tem tentado por todos os meios procurar um novo lar, mas que não pode pagar “mais de 400 euros”, o montante total da sua pensão de baixa médica. O problema está no preço “exorbitante” que está a ser praticado em toda a cintura urbana de Lisboa. “Aqui, em Odivelas, estão a pedir 800 euros por um apartamento. Se pagasse essa renda ficava sem dinheiro para dar de comer ao meu filho”, sublinha.


A família Vaz está, assim, num beco sem saída, admite, uma vez que o vencimento da sua mulher – ganha o ordenado mínimo – e a pensão “não chegam para sobreviver” caso tenha de arrendar uma nova morada aos preços praticados atualmente.

Mário Vaz vive com um filho menor, de 13 anos, e a esposa e não tem pejo em admitir o cenário que o espera, se não houver a intervenção “milagrosa” de alguém que os ajude.

“Na Segurança Social já me disseram que vou ter de ir viver para um abrigo onde são acolhidos os toxicodependentes e os sem-abrigo. O meu filho vai ter de ir viver para a Casa do Gaiato. O meu cão vai para um canil, porque a instituição não acolhe crianças, nem animais”.

Sem família, “não tenho ninguém”, Mário Vaz pode estar prestes a perder quase tudo, mas mantém a dignidade de um príncipe. Perante a possibilidade de ter de ir viver para aquele género de instituição, rejeita liminarmente e assume que prefere “ir viver para debaixo de uma ponte”, mas lamenta que o seu cão não “dure mais de um dia na rua” porque está a habituado a ter “todos os miminhos”.

Se nada for feito, no dia 31 de maio, o agente de execução far-se-á acompanhar de dois agentes da PSP, “para evitar problemas”, para levar a cabo a ação de despejo que vai separar a família Vaz. Mário vai “para debaixo da ponte”, o filho seguirá para a referida instituição de acolhimento de menores, uma realidade que deixa o taxista “sem palavras” …

“O que hei de fazer à minha vida!?”

Patrão à séria

Nem tudo é negativo na vida do taxista. Mário está à espera de “ser chamado” ao hospital para lhe colocarem uma prótese na perna, mas não sabe quando será o momento. Com essa solução médica, o taxista poderia retornar ao seu posto de trabalho, até porque o patrão já lhe terá assegurado que vai adaptar um carro à sua nova condição, isto é, terá um táxi com os comandos manuais, para pessoas deficientes.

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