ADEUS A JORGE SAMPAIO

Eram 12h58, quando terminaram as cerimónias públicas do funeral de Jorge Sampaio, cujo corpo foi transportado pelo filho, André, e pelo corpo de segurança pessoal do ex-Presidente para o jazigo de família. Minutos antes, a Bandeira que cobriu a urna foi entregue por Marcelo Rebelo de Sousa – comandante Supremo das Forças Armadas – à viúva de Jorge Sampaio, Maria José Ritta.

Portugal e o resto do mundo reuniram-se, hoje, para a derradeira despedida a Jorge Sampaio, o ex-Presidente da República e o «homem bom» que morreu esta sexta-feira de manhã no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, na sequência de problemas respiratórios. Depois do velório e das homenagens prestadas ontem, hoje foi o dia do funeral do «construtor de pontes» que foi antecedido de uma sessão evocativa no Mosteiro dos Jerónimos, com cerca de 300 pessoas.

O presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, fez questão de salientar que «Jorge Sampaio não amou Portugal pela força, amou Portugal pela fragilidade».

«Sampaio amou Portugal no calor imparável dos seus sonhos de jovem: liberdade, igualdade, Democracia, socialismo, fraternidade. Amou Portugal na fraternidade para com os perseguidos e na sua defesa na barra de uma Justiça pré ordenada», disse ainda. «Amou Portugal na militância solidária com os seus próximos, mas também com os mais distantes. Amou Portugal nos sem-teto, a quem ajudou a dar teto; nos sem horizonte, a quem ajudou a dar razões de esperança».

Os filhos do antigo Presidente da República, Vera e André, recordaram hoje o seu pai como «um homem bom, que sabia que na vida e na política nada se pode fazer sozinho».

Coube à filha mais velha o primeiro discurso na cerimónia oficial no claustro do Mosteiro dos Jerónimos, numa intervenção em que quis recordar o pai com a «autenticidade e proximidade com que falava com os filhos», destacando «o nosso pai era um homem bom, atento e disponível, para quem as pessoas contavam cima de tudo, não as pessoas em geral, mas cada pessoa com nome e rosto».

Segundo a filha, «não gostava de arrogância e cultivava a amizade e a camaradagem porque sabia que, na vida e na política, nada se pode fazer sozinho».


Por seu turno, o filho André Sampaio, visivelmente emocionado, recordou o pai como um homem «popular sem ser populista, sempre próximo sem nunca banalizar a proximidade, que foi estadista e simultaneamente cidadão comum, que foi amado sem gostar de ser venerado».

O homem que, como presidente da Câmara de Lisboa, iniciou o processo de erradicação das barracas, dando os primeiros passos para transformar a capital portuguesa numa cidade moderna, e que, mais tarde, na Presidência da República, foi «militante da causa timorense», e, segundo o filho, um «lutador e pacificador, sabia ouvir e sabia decidir, valorizava a convergência, mas também os momentos de divergência, foi um homem justo, corajoso, mas sem medo de chorar, foi um homem bom, um pai extraordinário».

O filho do antigo chefe de Estado deixou um agradecimento especial ao atual e antigos Presidentes da República, ao presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro, bem como à família do antigo chefe de Estado Mário Soares, falecido em 2017, e ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres,

«Foi notória a comoção quando se expressaram, mas também quando nos abraçaram», realçaram.

Em espanhol, André Sampaio fez uma saudação especial ao Rei de Espanha, Filipe VI, presente nas cerimónias, dizendo que «o pai gostava muito da sua família», agradecendo ainda as manifestações de amizade e afeto de Portugal a Timor, do Brasil, a São Tomé, da Guiné a Moçambique.

«E aqui estamos nós a partilhar convosco a emoção do dia mais triste das nossas vidas», referiu, numa intervenção que terminou com uma palavra dedicada à mãe e viúva de Jorge Sampaio, Maria José Ritta; «Estamos aqui para ti e sempre contigo».

Visão humanista

Por seu turno, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que a República deve louvar-se por ter sido presidida por um cidadão como Jorge Sampaio, um exemplo de rigor ético, honradez e vigilante defensor da democracia, nunca cedendo à demagogia e ao populismo.

Num discurso em que se referiu à sua profunda ligação pessoal, profissional e política com o chefe de Estado de Portugal entre 1996 e 2006, o líder do executivo caracterizou Jorge Sampaio como «um exemplo de rigor ético, de sobriedade e honradez pessoal, de simpatia e empatia humana, de proximidade às pessoas, sobretudo às mais desfavorecidas, excluídas ou esquecidas».

«Fazia isso com a autenticidade que punha em tudo e com a seriedade que nunca cedia à demagogia ou ao populismo. Nestes tempos de tantas tentações antidemocráticas, este património é fundamental. Mostra-nos como se pode ser um atento e vigilante defensor da democracia, não pactuando nunca com aquilo que a desvirtua ou desvaloriza, e fazendo tudo para denunciar e corrigir o que nela está mal, mas usando sempre esse combate e a denúncia dessas fraquezas para aperfeiçoar e reforçar a democracia – e nunca contra ela, para a depreciar ou desacreditar», defendeu António Costa.

Para o primeiro-ministro, em suma, a democracia portuguesa «pode e deve orgulhar-se por ter sido servida por um político maior como Jorge Sampaio e a República deve louvar-se por ter sido presidida por um cidadão exemplar como ele».

«Jorge Sampaio era ao mesmo tempo prudente, arrojado e astuto, resiliente e perseverante. Um homem generoso e inspirador. Com a coragem de deixar a emotividade exprimir-se em lágrimas, porque um homem chora quando precisa mesmo de chorar», acrescentou.

«Vai perdurar e inspirar muitas gerações»

Já o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, recordou «o amigo Jorge Sampaio, que escolheu colocar as suas qualidades ao serviço de causas» e cujo exemplo «vai certamente perdurar e inspirar muitas gerações».

«Jorge Sampaio foi um ilustre português e o seu exemplo vai certamente perdurar e inspirar muitas gerações», afirmou Ferro Rodrigues, recordando Sampaio como «uma pessoa de grande saber, cultura, inteligência e generosidade».

A segunda figura do Estado insistiu para que, no momento do seu desaparecimento, seja feita a Sampaio a «homenagem devida, recordando-o nas suas múltiplas facetas: o grande advogado, o grande político, o enorme ser humano e um dos melhores servidores da causa pública da sua geração».

«E, permitam-me, recordando também o amigo. Ao contrário do que muitas vezes se diz, na política também se fazem amigos. E Jorge Sampaio teve muitos e grandes amigos na política, com quem debateu e partilhou ideias, muitas vezes pela noite dentro, influenciando-se mutuamente, e que marcaram o seu trajeto», vincou, lembrando alguns dos seus «queridos amigos» que também já morreram.

Para o presidente do parlamento, «se este é um momento de dor e de tristeza, é também um momento para lembrar quão afortunado foi Portugal por ter tido em Jorge Sampaio um dos seus cidadãos mais ilustres, e que é, desde há muito, e por direito próprio, uma referência política do Portugal democrático».

«Nunca quis ser herói, mas foi»

Por seu turno, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, realçou que Jorge Sampaio «amou Portugal pela fragilidade».

«Aqui se fizeram mais de 500 anos de história, aqui se afirmou e afirma tanta da nossa história, tanta da nossa cultura, tanto do nosso humanismo, tanta da nossa portugalidade. Portugalidade de ir e de voltar, ou de partir ficando, de descobrir raízes nas lonjuras dos oceanos e dos continentes. Aqui, o que sentimos como nosso só pode e deve ser por nos lembrar o Universal. Aqui, amar o que somos é amar pessoas com nomes, com rostos, aqui tem sentido evocar alguns dos nossos maiores e agradecer-lhes a vida que deram à nossa vida. Jorge Sampaio é um desses maiores», afirmou o chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu a grandeza de Sampaio «na história que sentiu, que pensou, que construiu, com a suprema delicadeza de quase pedir desculpa por estar a construí-la, na cultura que era o seu respirar, no que lia, no que via, no que ouvia, no que discernia, no que ensinava, no humanismo fundado numa ética de compaixão, de partilha e de serviço».

«Compaixão não condescendente, não sobranceira, não assistencial, antes identificação plena pelo sofrimento, a privação, o abandono sem esperança e, por isso, partilha integral e compromisso de serviço dos outros», completou.

Recorrendo à «lição de há um ano atrás dada pelo cardeal e poeta José Tolentino de Mendonça, neste mesmo lugar, nas comemorações do Dia de Portugal», Marcelo Rebelo de Sousa descreveu o amor de Jorge Sampaio por Portugal como «algo que, precisamente por estar colocado dentro da história, sujeito aos seus solavancos, está exposto a tantos riscos», e não como «idealmente emoldurando-o para que permanecesse fixo numa imagem de glória e desejando que ela não se modificasse jamais».

«Jorge Sampaio não amou Portugal pela força, amou Portugal pela fragilidade. E, recordava-o Tolentino de Mendonça, quando é o conhecimento da fragilidade a inflamar o nosso amor, a chama deste é muito mais pura», reforçou.

«Nunca quis ser herói, mais foi, em tantos e tantos dos seus lances de vida, heroico. Daquele heroísmo discreto, mais lírico do que épico, mais doce do que impulsivo. Firme, mas doce. E também por isso o recordamos com doçura. E lhe agradecemos o amor que nunca negou a Portugal, à sua maneira de amar Portugal», acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa.

«Amou Portugal na militância solidária com os próximos, mas também com os mais distantes no universo. Amou Portugal nos sem teto a quem ajudou a dar teto, nos sem horizonte a quem ajudo a dar razões de esperança, no sujar as mãos de intelectual nas obras de que se fazem as casas, as escolas, as ruas, os bairros, as cidades, as metrópoles. Amou Portugal na saga do povo timorense, no abraço aos povos vindos de fora», prosseguiu, lembrando a sua passagem pela Câmara Municipal de Lisboa, o exercício da Presidência da República e a sua atividade mais recente de apoio a refugiados estudantes sírios e, ainda há dias, afegãos.

O Presidente da República terminou o seu discurso declarando que, «para Jorge Sampaio, Portugal nunca foi uma abstração, nunca foi uma fortaleza fechada, egoísta e distante», e citando o poema “Uma pequenina luz”, de Jorge de Sena, lido antes pela atriz Maria do Céu Guerra nesta sessão evocativa. «Foi um grande senhor da sua e da nossa pátria. Uma pequenina, mas enorme luz bruxuleante que deu vida e dá vida a Portugal e ao mundo», concluiu.

A cerimónia

No fim desta sessão evocativa, soou o hino nacional e de seguida, pelas 11:55, o cortejo fúnebre partiu dos Jerónimos em direção ao Cemitério do Alto de São João, em Lisboa com escolta de honra pela Avenida da Índia, Avenida 24 de Julho, Avenida da Ribeira das Naus, Praça do Comércio – momento em que cinco caças F-16 sobrevoam o local – Avenida Infante D. Henrique, Avenida Mouzinho de Albuquerque, Praça Paiva Couceiro e Rua Morais Soares.

O cortejo fúnebre fez a última paragem no cemitério do Alto São João, em Lisboa, às 12:38 de hoje, mais cedo do que inicialmente previsto, e foi recebido por aplausos de populares.

No cemitério estava formada uma guarda de honra constituída por 165 militares dos três Ramos das Forças Armadas, comandada pele capitão-de-fragata Silva Caldeira. A guarda de honra é composta pela banda da Armada, o estandarte da Marinha, uma companhia de fuzileiros, outra de comandos e uma outra de militares do Centro de Formação e Técnica da Força Aérea na Ota. À passagem da urna, foi executada uma marcha fúnebre e o pelotão de fuzileiros executou três tiros de salva.

No interior do cemitério, e depois de cumpridas as formalidades de um funeral de Estado, deu-se início à cerimónia privada, reservada à família.

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