A Câmara Municipal de Lisboa reconhece que enviou dados dos ativistas russos à embaixada de serviços consulares da Rússia, mas estes já foram apagados. A autarquia rejeita ainda, “de forma veemente, quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo”.
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) confirma, esta quinta-feira, ter enviado dados de três ativistas russos residentes em Portugal para a embaixada de serviços consulares da Rússia, “conforme procedimento geral adotado para manifestações”. Os dados, porém, já foram apagados.
Em comunicado enviado às redações (que publicamos na integra), a autarquia explica que, no âmbito de uma manifestação – ‘Concentração em Solidariedade com Alexei Navalny e apelo à sua libertação imediata’ – recebeu os dados dos três organizadores, conforme previsto na lei.
Os dados pessoais foram remetidos «para a PSP/MAI e à entidade/local de realização da manifestação (no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia), conforme procedimento geral adotado para manifestações», poder ler-se ainda.
Posteriormente, a Câmara presidida por Fernando Medina indica ter recebido uma reclamação em que se solicitava o «apagamento dos dados pessoais [dos organizadores] relativamente à Embaixada Russa/serviços consulares e outras».
De acordo com o previsto na Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a autarquia encaminhou então à embaixada russa o pedido e «procedeu-se à eliminação dos dados pessoais», garante.
A Câmara informa, além disso, que depois deste caso foram «alterados os procedimentos internos» e nas manifestações que se realizaram seguidamente já «não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas».
Lamentando que a «reprodução de procedimentos instituídos para situações de normal funcionamento democrático não se tenha revelado adequada neste contexto», a Câmara de Lisboa «rejeita de forma veemente quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo». Mais ainda. A autarquia advoga que a maioria destas acusações têm apenas como «propósito o óbvio aproveitamento político».
Recorde-se que o caso foi avançado pelo jornal Expresso, de acordo com o qual estes dados foram também encaminhados para o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, em Moscovo. O caso foi descoberto por uma das ativistas russas em causa, Knesia Ashrafullina, que, por acaso, numa troca de emails sobre as regras da manifestação, reparou numa mensagem reencaminhada, com o seu nome e email, juntamente com um ficheiro PDF anexado, no qual se encontravam os dados das três pessoas que estavam a organizar o protesto.
Entretanto, a Amnistia Internacional já pediu esclarecimentos urgentes à Câmara de Lisboa sobre a partilha de dados de ativistas russos em Portugal com as autoridades russas, a propósito de uma concentração na cidade, considerando o caso gravíssimo. Da Esquerda à Direita, as reações não tardaram e Carlos Moedas chegou mesmo a pedir a demissão de Menina, se os factos se confirmassem.
No seguimento de notícias várias, sobre o “envio para a Rússia de dados pessoais de ativistas russos”, vem a CML esclarecer o seguinte:
COMUNICADO DA CML
- No dia 18 de janeiro 2021, o município de Lisboa rececionou uma comunicação respeitante à intenção de levar a cabo uma manifestação designada “Concentração em Solidariedade com Alexei Navalny e apelo à sua libertação imediata”.
- Conforme previsto na Lei (Decreto-Lei n.º 406/74), foram rececionados os dados dos três organizadores. Essa informação foi remetida pelos serviços técnicos da CML para a PSP/MAI e à entidade/local de realização da manifestação (no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia), conforme procedimento geral adotado para manifestações.
- Na sequência do reencaminhamento desses dados foi rececionada uma reclamação junto do município em que se solicitava:
- a) Ao abrigo do artigo 17º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), o apagamento dos nossos dados pessoais relativamente à Embaixada Russa/serviços consulares e outras;
- b) Ao abrigo do artigo 15º do mesmo Regulamento, o acesso aos dados pessoais existentes no sentido de aferir a existência de partilha com outras entidades.
- Foram desencadeados os procedimentos internos com vista à análise da situação, nomeadamente provocada a intervenção do Encarregado de Proteção de Dados.
- Na sequência da intervenção deste Encarregado e dando-se sequência ao solicitado pelos requerentes:
- a) Foi comunicado, ao abrigo da legislação em vigor, que as entidades recetoras deveriam proceder à eliminação dos dados;
- b) Procedeu-se à eliminação dos dados pessoais, nos termos da Lei.
- Na sequência dessa análise, foram alterados os procedimentos internos desde 18 de abril e, nas manifestações subsequentes para as quais foi recebida comunicação (Israel, Cuba e Angola) não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas.
- A CML tem cumprido de forma homogénea a Lei portuguesa, aplicando os mesmos procedimentos a todo o tipo de manifestações, independentemente do promotor e do destinatário da mesma.
- A CML lamenta que a reprodução de procedimentos instituídos para situações de normal funcionamento democrático não se tenha revelado adequada neste contexto. Ciente dessa realidade, os procedimentos foram desde logo alterados, em conformidade com o Regulamento Geral de Proteção de Dados, para melhor proteção do direito à manifestação e à liberdade de expressão, pilares fundamentais do Portugal democrático.
- A CML rejeita de forma veemente quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo, a maioria das quais tem apenas como propósito o óbvio aproveitamento político a partir de um procedimento dos serviços da autarquia.