Paulo Julião celebra 30 anos de carreira em 2024

Paulo Julião tem 30 anos de carreira e, ao longo deste período, trabalhou com várias marchas populares de Lisboa. Este ano, não irá colaborar com nenhum bairro, para se focar na celebração desta data. Em entrevista a Olhares de Lisboa, revela que vai deixar de fazer figurinos para as marchas, mas quer continuar ligado a este universo, passando a ser um mentor das gerações mais novas.

O figurinista Paulo Julião nasceu há 49 anos em Vila Franca de Xira e veio viver para Lisboa “com 16, 17 anos”, altura em que começou a colaborar com o Parque Mayer. “Comecei muito cedo a desenhar figurinos e, na altura, fui convidado a fazer figurinos para uma revista à portuguesa com o Fernando Mendes, a Rosa do Canto e o José Raposo, que se chamava ‘A Rir é Que a Gente se Entende’. Nessa altura, Paulo Julião é convidado pelo irmão da atriz Rita Ribeiro, António Semedo, para fazer os figurinos para a Marcha dos Olivais.

O ano era 1994 e marca o primeiro ano de Paulo Julião a fazer figurinos para marchas populares. Nesse mesmo ano, o figurinista, então com 19 anos, ganha a categoria de Melhor Figurino no concurso lisboeta. “Isso despertou o interesse por quem eu era, e isso fez com que eu nunca parasse e os convites [para colaborar com outras marchas] choviam”, disse o profissional, formado em Estilismo na It Moda. Porém, passou também pela King’s College London, na capital inglesa. Aqui, teve ainda a oportunidade de colaborar com os musicais ‘Cats’ e ‘Fantasma da Ópera’.

Figurinista trabalhou com quase todos os bairros lisboetas

Paulo Julião conta ainda que, depois dos Olivais, colaborou com outros bairros como a Graça, Bica, Mouraria, Marvila, Benfica, Lumiar, Penha de França ou Santa Engrácia. “É mais fácil dizer quais os bairros que não fiz”, brinca o profissional. Contudo, acrescenta que gostava muito de ter colaborado com Alfama, mas nunca surgiu a oportunidade. “As pessoas estão sempre muito contra Alfama, porque estão sempre a ganhar, mas a verdade é que eles merecem. É uma marcha exímia naquilo que faz e apresenta e dá gosto de ver, porque é uma marcha profissional”, conta. 

Em três décadas, venceu em 2019 o prémio de Melhor Figurino/Cenografia com São Vicente Carnide, em 2018, o Melhor Figurino com Carnide,  e ainda o Melhor Figurino e Cenografia, com Marvila, em 2007.

Nos anos 90, em 1997, conquistou o Melhor Figurino, com Campolide, e, em 1994, o Melhor Figurino e Cenografia, com a Marcha dos Olivais.

Paulo conta que, ao longo de todos estes anos, cruzou-se com muitas pessoas que marcaram o seu percurso nas Marchas Populares de Lisboa. Algumas delas são por exemplo Fernando Duarte e Mário Monteiro, antigos responsáveis das Marchas da Bica e da Madragoa, respetivamente. Contudo, lembra ainda personalidades como Carlos Mendonça e Joaquim Guerreiro, com os quais o figurinista teve a oportunidade de privar e aprender. “Sei que devo ser o terceiro figurinista mais premiado nas Marchas de Lisboa”, atrás do “Carlos Mendonça e Joaquim Guerreiro”. De todas as marchas em que participou, a mais marcante e que “marcou um ponto de viragem” na sua carreira, foi a Marcha de Marvila de 2007.

Inspiração nas viagens que faz

“Houve um investimento brutal” nesse ano, recordou o figurinista. Desta forma, lembrou que cerca de metade do orçamento daquela marcha foi exclusivamente para os figurinos e cenografia. “Nesse ano, fizemos estampagem de tecidos, com cartas de jogo impressas nas saias das mulheres e peças de dominó estampadas nos casacos dos homens”, lembrou ainda. Na época, ressalva, esta era uma técnica ainda pouco explorada. Para o profissional, a fonte de inspiração “nunca são outras marchas”, mas sim aquilo que observa nas viagens que faz. “Basear-me noutras marchas é olhar para o passado. Baseio-me, sim, em coisas que trazem o futuro”, sustenta.


Contudo, admite ainda que acaba por ir buscar também “características dos bairros” com os quais está a trabalhar.  Em 2024, Paulo Julião assinala três décadas de carreira. Por isso, e para estar focado na celebração, não irá trabalhar com nenhuma marcha. “Estou envolvido em três projetos diferenciados”, contou. Estes são “uma exposição, um livro sobre o meu percurso nas marchas e memórias de pessoas que me influenciaram muito, e ainda um terceiro projeto que não posso dizer”, revelou o profissional. “Também já alcancei o patamar de não ter que fazer figurinos para ser considerado um homem das marchas”, admite Paulo Julião, que quer continuar ligado a este universo, mas como mentor e consultor das novas gerações de figurinistas.

Consultor das novas gerações

“Há muita gente a desenhar figurinos para marchas, mas que não percebe de confecção ou de passar as ideias do papel. Quero trabalhar para os novos figurinistas”, explica o profissional, que tem um atelier no Areeiro, chamado Costume Lab. O figurinista fala também na importância de transmitir experiências e memórias do concurso às gerações mais novas, para que elas possam manter a tradição, mas também “definir um futuro” para as Marchas Populares.

Para além do concurso lisboeta, Paulo Julião desenha e confeciona fatos para telenovelas, anúncios publicitários, teatro, entre outros. “Eu tenho um atelier aberto todo o ano”, ressalva. Por outro lado, a parte “mais díficil” de fazer figurinos para marchas “é destacar-nos do trabalho dos outros e do nosso próprio trabalho. Muitas vezes é complicado sairmos do nosso próprio registo, da nossa área de conforto e daquilo que sabemos que vai resultar”, acrescenta.

Valores baixos para o trabalho envolvido

Sobre o concurso lisboeta, Paulo Julião considera-o muito importante para Lisboa. “São as festas da cidade, que nos fazem vir para a rua, querer estar com os outros, festejar a amizade”. O figurinista conta que, nestes 30 anos de carreira, apenas trabalhou com as Marchas de Lisboa, embora tenha tido convites para colaborar com as Marchas de Almada. “Infelizmente, o valor que eles investem não me dá margem de trabalho. Sou bastante exigente com o produto que entrego e com aquilo que faço”, justifica. Paulo Julião ressalva ainda que, se trabalhar, por exemplo, “cinco marchas” em simultâneo, necessita de uma equipa de 10 pessoas.

Por outro lado, se trabalhar apenas em uma, basta-lhe “mais uma ou duas pessoas”. Ultimamente, o figurinista tem recebido, em média, por cada marcha, cerca de 18 mil euros pelos figurinos. Na sua perspetiva, este é um “valor baixo” em relação ao trabalho e tempo dedicado. “Há figurinistas que lhes bastam três dias. Eu não consigo pensar num figurino sem um mês e meio de trabalho”, explica o profissional. Ainda na sua opinião, “um figurinista é um profissional com estudos na área. Eu estudei há 30 anos e continuo a estudar todos os anos”, para não cometer erros, sublinha.

Marchas optam cada vez mais por figurinistas sem formação

Ao mesmo tempo, Paulo Julião critica ainda a falta de formação de grande parte dos figurinistas que colaboram com as Marchas Populares de Lisboa. “Se olharmos para as 23 marchas, só existem quatro ou cinco a contratar figurinistas. As restantes têm curiosos que, muitas vezes, nem os desenhos sabem fazer”. A única excepção vai para os estilistas, como o caso de Dino Alves, que foi o responsável pelos figurinos da Marcha da Bica no ano passado. “São pessoas com formação de moda e podem trazer uma visão de moda para dentro das marchas, no sentido de modernizarem” o concurso, reforça Paulo Julião.

Porém, a grande tendência é ir buscar pessoas sem formação, até porque “sai mais barato” às comissões organizadoras. Por isso, lamenta, este fenómeno está a fazer com que muitos outros profissionais sejam preteridos. “Por exemplo, a Rosário Balbi, que tem muito nome e trabalha com muitas companhias de teatro, deixou de fazer marchas porque deixou de compensar”, acrescenta Paulo Julião.

N.R: nova atualização no dia 18/02/24 às 20h50

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