RECORDAR É VIVER «FADISTAGENS» DE OUTRAS ERAS NA BICA

A Bica teve sempre os seus fadistas e fados. Aí nasceram para o fado Natividade Pereira e a amiga Márcia Condessa e, também, Fernando Farinha. E, para mais tarde recordar, foi construído um mural de homenagem ao fado.

O Largo de Santo Antoninho, no bairro da Bica, foi o ponto de encontro para a homenagem a 120 personalidades do fado em Lisboa. Uma homenagem em forma mural, onde cada artista tem gravado o seu nome numa placa de cerâmica.

A obra, da autoria do artista plástico Pedro Gomes e do arquiteto João Regal com produção da Galeria Ratton, poderá ser replicada em outros locais da freguesia como forma de dar continuidade e alargar esta homenagem.
Segundo Pedro Gomes “a junta de freguesia teve a ideia de homenagear o fado, porque o fado é muito importante para a freguesia.  Sugeri esta solução, que é homenagear individualmente 120 personalidades do fado, num espaço designado pela junta”.

O bairro sempre teve os seus fadistas e os seus fados, e embora não existissem casas de fado no seu pequeno território, elas povoavam as redondezas e o seu quotidiano. Houve em tempos, diariamente, fados no Verão, onde a Natividade Pereira se estreou a cantar, lá pelos anos 30 do século passado, com vinte anos, acompanhada da sua amiga Márcia Condessa, num concurso de fado entre bairros, organizado pelo semanário A Canção do Sul.

Os concursos entre bairros ou coletividades, que já no tempo de infância de Natividade Pereira eram frequentes, funcionavam como um incentivo para a revelação de novas vozes, tendo ela ganho um deles, no Coliseu dos Recreios, para grande orgulho da sua Bica.

No fundo, para o arquiteto João Regal, que planeou o espaço, em função da estória fadista do bairro, “o largo onde está inserido este mural, tem uma importância no bairro e na freguesia, tem uma dimensão ligada ao fado. É um largo que vive das diferenças de cotas, com dois muros de contenção. Na verdade, não estão de costas um para o outro, mas não estão frente a frente”.

Do ponto de vista do arquiteto, esta obra nasce fruto do trabalho de equipa e da partilha de ideias com o Pedro Gomes que permitiu que «todas as peças se encaixassem e criassem um certo ritmo. É uma coisa que se pretende contemporânea, mas muito contida”.


Já Ana Viegas, responsável da Galeria Ratton, recorda que “O Pedro Gomes veio propor-nos este desafio de fazermos uma peça”. Assim, “ele concebeu um molde e nós fabricamos”.

A responsável da Galeria Ratton sublinha que “após esta colaboração com o Pedro Gomes, a nossa ideia será partir para outros projetos” com o artista.

O evento, que teve uma forte participação popular, foi «abrilhantado» com uma Noite de Fado, que contou com as atuações dos fadistas: Lena Silva, Cátia Tinoco, Jéssica Crispim, Artur Maia, Luís Morgado e Augusto Correia, acompanhados à guitarra portuguesa por Tiago Santos e à viola por João Machado.

Viva o fado…

Para Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, “o fado tem uma importância enorme na junta da Misericórdia e em todos os seus bairros, em particular no bairro da Bica”.

Carla Madeira salienta que “esta iniciativa, iniciada há uns anos, tem como objetivo homenagear todos os fadistas da freguesia”. Assim, recorda, “começámos por homenagear o grande Fernando Farinha – o miúdo da Bica”, neste mesmo largo.

“Na altura – acrescenta – como não lhe podíamos dar-lhe nome de rua porque, além de não termos ruas disponíveis, existe uma rua com o seu nome e, por isso, resolvemos dar o seu nome a uma das salas da Junta de Freguesia – a Sala Fernando Farinha”.

Desde então, a junta de freguesia assumiu “o compromisso de, ao longo dos anos, homenagear os vários fadistas que passaram pela freguesia”.

A presidente da freguesia da Misericórdia referiu, ainda, que se aperceberam da existência de muitos fadistas, “E, nem vivêssemos todos 100 anos, iríamos conseguir homenagear todos. Por causa disso, pensamos em criar um mural, com o nome de todos os fadistas que passaram pela freguesia. Aliás o mural está concebido de modo a que se possam acrescentar no futuro peças, que é uma forma muito simbólica que a freguesia da misericórdia tem de homenagear esses fadistas”, adianta a edil.

A responsável autárquica recordou ainda que foi Lisboa que propôs o fado de Lisboa como património imaterial da Humanidade.

“Conheço o trabalho do artista Pedro Gomes, uma vez que já é a segunda vez que trabalha sobre o fado”, sublinha Sara Pereira, diretora do Museu do Fado desde 1999. “Acho que é uma iniciativa extraordinária, prestar homenagem a 120 nomes de gerações e estilos tão distintas, num largo tão pequeno”, defende Sara Pereira.

A diretora do Museu do Fado considera, por outro lado, que “a solução que o Pedro e o arquiteto encontraram é extremamente feliz. Ficamos com a memória de todos estes artistas que construíram e constroem a história do fado”.

“O bairro da bica está muito ligado ao fado. Há muita gente que aqui nasceu e viveu, como o Fernando Farinha, a Marina Mota e a Rita Ribeiro. Não há melhor lugar para fazer esta homenagem lida, com pessoas de todas as gerações”, refere Tiago Torres da Silva, letrista da Marcha da Bica. “Fui muito feliz aqui, porque sou padrinho da Marcha da Bica desde 2003”.

O fadista João Chora sente-se “muito lisonjeado por este reconhecimento, fazer parte deste mural, onde estão inclusas 120 personalidades do fado”. Considera ser “muito bom as pessoas serem lembradas enquanto estão vivas e ver o seu trabalho reconhecido”.

Numa carreira que já se prolonga há mais de 30 anos, João Chora sublinha já ter “dado muito ao fado, tanto cá dentro como lá fora, em sítios tão longínquos como Macau, São Tomé ou Cabo Verde”.

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