A Cerâmica de Rafael na coleção do Museu Bordalo Pinheiro

A exposição pode ser visitada de 15 dezembro 2017  a 25 novembro 2018 e destaca as mais originais e representativas peças de faiança de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), pertencentes à coleção de cerâmica e de azulejo do Museu Bordalo Pinheiro.

Oeiras Viva Quadrado Fundo Preto

A narrativa expositiva percorre três núcleos: as formas, funções e temas de cerca de 150 peças criteriosamente escolhidas pela sua originalidade e inovação. O visitante é convidado a refletir sobre conceitos como os de tradição e modernidade; criação artística e produção industrial; a construção de um gosto nacional. Estabelece-se, em paralelo, um diálogo entre a cerâmica e alguma obra gráfica do artista, evidenciando as suas relações intrínsecas e de influência mútua.

O azulejo, por sua vez, é apresentado como um conjunto diferenciado: assinalam-se as questões formais e funcionais próprias desta tipologia de peças, destacando-se as diferentes temáticas e de que modo elas se articulam com a restante obra artística de Rafael.
A exposição ocupa dois espaços do museu: a Galeria de Exposições Temporárias exibe as peças de cerâmica; a Sala de Cerâmica, no edifício principal, acolhe o azulejo. Desafia-se, assim, a um novo olhar sobre as peças de cerâmica artística, utilitária e azulejaria do artista, sublinhando a relação com a obra gráfica, a pintura e o recurso à fotografia, propondo, no seu todo, uma abordagem transversal à obra de Rafael Bordalo Pinheiro.

Temas
Explora as principais temáticas representadas pelo artista, que espelham o gosto do período sob o seu olhar particular. Salientam-se as referências à Natureza: o artista cria uma narrativa através da representação de naturezas vivas ou naturezas mortas, capturas do instante ou na construção de diálogos fictícios entre animais.

As referências ao passado histórico-artístico nacional e europeu são plasmadas em obras de grande ecletismo e invenção narrativa, onde se evoca o período da Renascença e das Descobertas marítimas.

O retrato em barro, aspeto original entre a sua obra cerâmica por ter um caráter eminentemente escultórico, concilia o perfil físico e psicológico de figuras que privaram intimamente com Rafael Bordalo Pinheiro. Apresentam-se também outros retratos de figuras públicas da época.

Centro de Enfermagem Queijas

Destaca-se a presença do humor e da crítica social e política, aspeto de grande originalidade no contexto da produção cerâmica portuguesa. O humor é exemplo maior da contaminação da obra gráfica, que o artista trabalhou desde a década de 70, e sua materialização na tridimensionalidade.

Forma
Aborda a herança artística da olaria portuguesa, erudita e popular, reapropriada por Rafael Bordalo Pinheiro para criar novas peças. As formas têm um tratamento plástico diverso, desde a justaposição de elementos decorativos até a redução à sua forma pura, apenas recorrendo a vidrados. O registo etnográfico estende-se a outras expressões como o trabalho de cestaria, do vime, do couro e da renda que são transpostos em cerâmica.

As formas do real podem ser simplesmente convertidas em cerâmica, quer sejam da natureza ou de objetos do quotidiano, buscando por vezes efeitos decorativos, através da sua disposição intencional.

A arquitetura em cerâmica é um caso paradigmático, sendo o neomanuelino de maior significado histórico e mental.

Função
Aponta o esforço do artista em conciliar as técnicas artesanais com o incremento da indústria e da produção em série. Ainda, explora a forma pela qual procurou valorizar e aliar a produção artesanal e industrial, com o intuito máximo de criar objetos de qualidade nas suas valências artística e utilitária, tentando responder às necessidades de mercado e êxito da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.

São apresentadas diversas tipologias de função em peças isoladas, como caixas, jarras, mísulas, luminária e molduras, com sucesso comercial. Também, uma outra tipologia, de conjuntos de peças como os serviços de jantar, café e chá, únicos ou produzidos em série.

No fabrico destas peças são utilizadas diversas matérias plásticas, como o barro branco ou vermelho, e posteriores tratamentos como o vidrado, esmaltado, a pintura, e aplicação de elementos tridimensionais, que servem o propósito decorativo do artista.

Azulejo

A azulejaria assume-se como conjunto diferenciado na obra cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro. A sua criatividade manifesta-se, sobretudo, na recriação de padrões de tradição islâmica e renascentista ou na apropriação de elementos decorativos naturalistas, frequentes na cerâmica caldense. A criação de novos padrões, influenciados pela moderna corrente Arte Nova, são expressão maior da
originalidade do artista.

A par do azulejo padrão, na sua maioria relevado e moldado em série, Rafael Bordalo produziu também azulejos pintados, únicos, onde apontamentos da natureza e composições humorísticas marcam presença. Produzido com grande qualidade técnica, desde o início da laboração da Fábrica de Faianças para revestimento cerâmico de interiores e exteriores, o azulejo foi também aplicado em mobiliário e representado em peças de cerâmica, sobrepondo-se o efeito plástico e decorativo à sua implícita funcionalidade.

Da esquerda para a direita: Mariana Caldas de Almeida e Pedro Bebiano Braga (investigação e gestão de coleções), Catarina Vaz Pinto, (Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa), João Alpuim Galvão (diretor do Museu Bordalo Pinheiro)

Quem foi Rafael Bordalo Pinheiro

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) nasceu em Lisboa, numa casa que privilegiou sempre o ambiente artístico.

O pai, modesto funcionário do Estado, era também escultor e pintor; o irmão, Columbano Bordalo Pinheiro, é autor de retratos de referência de toda uma geração de artistas como os que aparecem representados no célebre “Grupo do Leão”. A irmã mais velha, Maria Augusta, foi exímia em bordados e rendas que muitas vezes expôs.

Tendo em conta a personalidade das principais figuras culturais à época, Bordalo Pinheiro viria a destacar-se pela modernidade militante, pelo otimismo visceral e pela insuspeita tranquilidade com que atravessou a vida agitada. Para ele, a História devolve-se num palco onde a intriga é sempre a mesma, mais farsa ou mais comédia, iludindo a tragédia. Socorre-se do riso e do humor para provocar a assistência mais ou menos adormecida, o seu país ainda fortemente atrasado, preguiçoso e trafulha nos modos. Descrê do sistema de rotativismo
monárquico, mas não é um grande entusiasta da República. Sabe que Portugal é sobretudo um peão às mãos interesseiras do John Bull e do Kaiser.

É neste contexto político e social que preside à criação do Zé Povinho, incarnação do povo português, esperto e matreiro, amoral: se pudesse, trepava para as costas dos que o cavalgam a ele. Não gosta de trabalhar e prefere resignar-se a combater. O manguito é o seu gesto filosófico perante os desacertos do mundo. Esta descrença não foi para Rafael Bordalo Pinheiro um estado de alma, antes uma espécie de filosofia social, ancorada na ciência do seu tempo, dominada pelas teorias de Darwin e a morte de Deus. Por isso ele foi tão
diferente dos seus contemporâneos, artistas como ele.

Trabalhando em jornais, venerava as máquinas e as novas possibilidades de edição. Prezava o trabalho em equipa, improvisar, dominar a cadeia de produção em posição estratégica, apto a intervir em todas as suas fases. Usou a arte como sistema complexo e múltiplo de comunicação, misturada e intensificada pelo texto.

Homem do seu tempo, apaixonado pelo progresso técnico, deixa-se envolver pelos projetos do irmão empresário e embarca na aventura de fundar uma fábrica capaz de renovar as artes populares do barro. Age, aqui, como homem das «Arts and Crafts», próximo de John Ruskin que talvez nem conhecesse.

Saliente-se a modernidade do projeto. Implantado numa pequena cidade de província, as Caldas da Rainha, sonha alimentar-se da alma e das técnicas de oleiros tradicionais propondo-lhes,simultaneamente, outra coisa: mais urbana e mais erudita, a louça por si desenhada é um misto de revivalismo romântico e de citações Arte Nova que então se afirmava em toda a Europa.

Não era ele o único artista do seu tempo que amava o povo e o conhecia profundamente, nos defeitos e nas qualidades. Mas talvez tenha sido ele o único a partilhar ensinamentos e aprendizagens, fossem tipógrafos ou ceramistas. Humanista, considerou a arte não uma entidade transcendental e uma atividade de elites, mas um trabalho capaz de servir social e economicamente. O razoável sucesso dos seus empreendimentos permite, de resto, considerar que, apesar das diatribes, acreditava nas possibilidades de desenvolvimento do país.

Quem, vindo do meio artístico, encarou no seu tempo a arte como investimento, suscetível de gestão e ampla divulgação? Como trabalho em série, assumindo que a novidade se inscreve em continuidades profundas? É aqui que reside a modernidade de Bordalo e é tudo isto que o torna um nosso exato contemporâneo. Porque sempre olhou o futuro que ajudou grandemente a nascer, em todas as áreas que o seu génio tocou.

Raquel Henriques da Silva (adaptado)

O Museu Bordalo Pinheiro

O Museu Bordalo Pinheiro tem origem na importante coleção bordaliana reunida pelo poeta e panfletário republicano Ernesto Cruz de Magalhães, grande admirador da obra de Bordalo que, em 1913, encomenda o projeto para a moradia do Campo Grande, iniciando aí a instalação da sua coleção particular.

O Museu abre ao público em 1916, ainda confinado ao primeiro andar, mas em 1922 havia já sofrido remodelações, designadamente a criação de novas salas expositivas. Nesta data era significativo o número de atividades de divulgação da obra do artista, entre exposições temporárias temáticas, conferências, a criação do Grupo de Amigos Defensores do Museu e iniciativas para legar o museu ao Município de Lisboa, ideia que o fundador do museu acalentava desde a sua criação e que viria a concretizar-se em 1924.

Quando reabre, em 1926, já na posse da Câmara Municipal de Lisboa, remodelado e ampliado ao rés-do-chão, oferece ao público, além da obra gráfica, uma importante coleção de cerâmica e uma biblioteca, a que se sucedem novas incorporações fruto de aquisições e de doações de obras até então na posse de familiares de Bordalo e de colecionadores particulares.

A morte do fundador do museu, em 1928, lega, a Julieta Ferrão, a direção do equipamento e ao Grupo de Amigos Defensores do Museu o papel de promoção da obra bordaliana. Em 1942, o Museu é integrado no Serviço de Museus então criado pela Câmara Municipal de Lisboa e, em 1962, passa a ser gerido em conjunto com o Museu da Cidade e com o Museu Antoniano.

A construção, em 1992, de um edifício de raiz na zona posterior ao edifício do museu, constituiu uma tentativa de colmatar os problemas de exiguidade de espaço da moradia, permitindo a realização de exposições temporárias, relacionadas com a obra bordaliana, deixando à exposição permanente o seu carácter monográfico e biográfico, centrado na figura de Rafael Bordalo Pinheiro.

Depois de um período de encerramento, fruto de obras de consolidação estruturais, o Museu reabre ao público em 2005, após intervenção global de reabilitação e valorização de todo o conjunto edificado e área envolvente, com um novo programa museológico, baseado na atualização da investigação realizada. Os suportes expositivos foram concebidos de forma a permitir a rotatividade da coleção, habilitando assim a renovação cíclica da exposição permanente e, simultaneamente, a divulgação deste vasto acervo ao público.

O Museu Bordalo Pinheiro reúne a mais completa coleção bordaliana: 1200 peças de cerâmica; 3500 exemplares de gravura; 3000 originais, entre desenho e pintura; 900 fotografias de época; mais de 3000 publicações; um significativo acervo documental composto pelo espólio privado de Cruz Magalhães e do Grupo de Amigos relacionado com a história da constituição da coleção e da fundação do Museu, e pelo de Julieta Ferrão, primeira diretora da instituição.

O colecionador Cruz Magalhães

Colecionador, poeta, panfletário, crítico e humorista, Arthur Ernesto Santa Cruz Magalhães (1864-1928) participou ativamente nos movimentos e círculos intelectuais da sua época, frequentados por poetas, humoristas, pintores, políticos, e foi autor de obras de cariz diverso, da literatura à poesia e à crítica.

Casado duas vezes, sem descendência, dedicou a vida a causas políticas, sociais, culturais e filantrópicas, sendo olhado como um excêntrico. Sentimental em relação a aspetos simples da vida, tinha especial afeição pelos animais, de que é exemplo a dedicação ao seu “fiel amigo Hermínio” um cão de raça Serra da Estrela.

Uma situação financeira desafogada permitiu-lhe exercer a sua vocação filantrópica revelada pelas inúmeras doações a instituições de caridade, de que são exemplo a entrega das receitas provenientes das entradas no museu ao Asilo de São João e à Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha e o legado ao Município de Lisboa (1924) de todo o acervo do Museu e da própria moradia que ainda o acolhe atualmente – disposição mais tarde reafirmada no seu testamento – sem reter para si, ou para os seus herdeiros, qualquer contrapartida financeira.

O interesse de Cruz Magalhães em torno da obra de Bordalo e a dedicação que colocou na sua divulgação, estimularam a tertúlia bordaliana, impulsionaram a realização de exposições temporárias temáticas, conduziram à reflexão sobre a obra e a figura de Bordalo, envolvendo amigos, particulares e familiares do artista, que contribuíram decisivamente para a implantação do Monumento a Rafael Bordalo Pinheiro, no Jardim do Campo Grande (1921), para a concretização da atribuição da designação de Largo Rafael Bordalo
Pinheiro ao antigo Largo da Abegoaria, onde o artista faleceu, bem como para o exponencial enriquecimento do espólio artístico e bibliográfico do Museu em resultado de importantes ofertas, legados e doações.

Entre amigos pessoais e de tertúlia ligados ao círculo bordaliano contam-se Sebastião de Magalhães Lima, jornalista panfletário republicano; José Malhoa, autor de diversos retratos do escritor; António Carneiro, também autor de um retrato do escritor; Francisco Valença, caricaturista e admirador da obra bordaliana; Luís Xavier da Costa, investigador, crítico de arte e ensaísta; bem como Manuel Gustavo e Helena, filhos de Rafael Bordalo Pinheiro e que enriqueceram o acervo do museu com importantes doações.

 

Contactos
Campo Grande, 382
1700-097 Lisboa
T. 215 818 540
info@museubordalopinheiro.pt
www.museubordalopinheiro.pt

Quer comentar a notícia que leu?