PRÉMIO SARAMAGO RETRATA VIDA MARGINAIS REAIS

Afonso Reis Cabral venceu, esta terça-feira, 8 de outubro, o Prémio Literário José Saramago. O escritor de 29 anos foi distinguido com um dos maiores galardões literários em Portugal graças a “Pão de Açúcar”, um livro que retrata a vida de Gisberta Salce Júnior, sem-abrigo transsexual assassinada na cidade do Porto O autor de “Pão de Açúcar” é o vencedor do Prémio Literário José Saramago, atribuído de dois em dois anos pela Fundação Círculo de Leitores. O anúncio foi feito esta terça-feira, ao final da manhã, pela presidente do júri do prémio, Guilhermina Gomes, na sede da Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos, em Lisboa, com a presença da vereadora da cultura, Catarina Vaz Pinto.

Narrado na primeira pessoa, Pão de Açúcar, publicado em setembro de 2018 pela editora Dom Quixote, parte da história verídica de Gisberta, uma transexual que foi assassinada na cidade do Porto, em 2006. Segundo Ana Paula Tavares, membro do júri do Prémio Saramago, o romance «lida com o espesso e confuso mundo da memória e retira do esquecimento acontecimentos que os jornais e os relatórios da polícia tinham tratado de forma redutora e parcial com silêncios e omissões que o autor se propõe aqui a revelar».

já para António Mega Ferreira, que também integrou o júri do prémio, trata-se de «uma das obras ficcionais mais arrebatadoras e poderosas dos últimos anos». Manuel Frias Martins, a quem coube fazer o elogio da obra e do escritor, considerou que «este é um romance que reforça a minha convicção de que de facto as melhores obras são também aquelas que nos obrigam a dizer que não é só de literatura que tratamos quando tratamos de literatura» –

No discurso de aceitação do prémio, entregue pelo presidente da Fundação Círculo de Leitores, Paulo Oliveira, o escritor de 29 anos começou por dizer que gostava de dizer «obrigado como uma criança. Mas, entretanto, o tempo tropeçou e parece que deixei de ser criança». Contudo, há coisas que ainda o espantam como se fosse ainda pequeno e, por causa disso, disse, «qual puto: ‘obrigado’».

«Nesta época do bom moralismo, dos bons sentimentos públicos, só espero que haja muitos artistas que produzam em quantidade por todos os outros. Até lá faço, o que posso», disse, acrescentando que esta é a «procura da natureza humana no seu melhor e no seu pior. Inspirei-me num caso real».

Afonso Reis Cabral disse ainda que «houve vários momentos belos e tristes na escrita deste romance». Um dos mais belos e também mais tristes foi quando entregou as páginas do romance a uma amiga, Ariana Mascarenhas, «para as ler na cama do hospital». Foi a ela que dedicou o prémio. «Doente, a Ariana teve o maior gesto de generosidade gastou com o que escrevi o pouco tempo que lhe faltava.»

No entender da ministra da Cultura: «Às vezes só a ficção pode dar resposta ao mistério e fazer incidir uma luz a onde as notícias não chegam».

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Do ponto de vista de Graça Fonseca, que esteve presente na cerimónia desta terça-feira, é sobretudo a atenção para o tema escolhido por Afonso Reis Cabral, que deu «voz e uma nova vida àquilo que os outros vão esquecendo».

«Às vezes só a ficção pode dar resposta ao mistério e fazer incidir uma luz onde as notícias não chegam», afirmou a ministra da Cultura, considerando ser este «um dos aspetos mais notáveis desta obra, que trata com talento literário e também com imensa dignidade e sentido ético um tema tão sensível e tão fundamental que nunca pode ser esquecido – o preconceito contra a comunidade homossexual».

«Pode ser ficção, mas às vezes precisamos de ficção para entender a realidade», disse ainda Graça Fonseca, agradecendo ao autor por ter «trazido de volta um tema que, nos dias que correm, nunca podemos esquecer».

Por último, Guilhermina Gomes anunciou que, a partir da próxima edição, “a idade limite” do Prémio Literário José Saramago vai passar a ser “os 40 anos à data de publicação da obra a concurso”. Criado em 1998, depois de José Saramago ganhar o Prémio Nobel, o prémio tinha, até então, distinguido escritores com idade não superior a 35 anos por uma obra de ficção, romance ou novela, publicada em qualquer país da lusofonia nos dois anos anteriores à atribuição do galardão.

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