MARCHAS POPULARES REGRESSAM EM 2022 – Coletividades em risco de fechar as portas

A crise sanitária paralisou o movimento associativo popular e, sem apoios governamentais e municipais, a Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa receia que muitas delas possam não reabrir portas, apesar de se terem reinventado e adaptado às circunstâncias provocadas pela pandemia. Mas, nestes tempos de recuperação e com o fim de muitas das medidas restritivas, que coincide com a tomada de posse de Carlos Moedas como presidente da Câmara de Lisboa, as coletividades lisboetas estão «prontas para a luta e voltarem, em força, aos desfiles das Marchas Populares na Avenida da Liberdade, em 2022».

A pandemia da covid-19 paralisou o movimento associativo popular. Mas, agora que estamos em tempos de retoma e que foram levantadas a maioria das restrições, a Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa (ACCL) estima que, sem apoios governamentais e municipais, cerca de 30% das estruturas existentes em Portugal possam não reabrir portas. Ou seja, são quase 10 mil associações em risco, num universo de 33 mil existentes no país, que podem atirar mais de 20 mil funcionários para o desemprego, «isto porque cada uma tem normalmente pelo menos dois colaboradores assalariados», refere Pedro Franco, presidente da ACCL.

«Há o risco de encerrarem por falta de apoios e condições para desenvolverem o seu trabalho. Não podemos esquecer que, durante cerca de dois anos, as coletividades não realizaram receitas. Os bares estiveram fechados, as atividades desportivas, de lazer, o teatro e outras tantas coisas que lhes permitiam realizar dinheiro para sobreviverem», assume Pedro Franco, falando de quase três milhões de associados que ficaram privados de ocupar os tempos livres nas coletividades que, em muitos casos, também serviam de centro de dia, onde os «sócios mais velhos se ocupavam jogando às cartas, lendo os jornais ou vendo televisão».

«As coletividades, que já estavam com problemas, com este ano e meio de encerramento viram agravadas a sua situação económica, tendo gasto a almofada financeira que possuíam», refere Pedro Franco, adiantando que, por isso, é natural terem algumas dificuldades em retomar as iniciativas.

Apesar ser contra «politica» de «mão estendida há procura dos subsídios», Pedro Franco defende a necessidade do Governo e dos Municípios olharem para este sector que representa «uma forma de estar na vida», assumindo uma grande importância para as comunidades locais. Porque, apesar das diferenças de cada uma, há um sentimento que as une: “o amor à camisola”.

Na perspetiva deste dirigente associativo, os poderes públicos, designadamente as autarquias, poderiam conceder mais apoios logísticos as coletividades, nomeadamente no pagamento de taxas municipais, como sejam as licenças de ruído e de ocupação do espaço público.

Pedro Franco que pede também o fim do pagamento à SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) da taxa de televisão, lembra que «quem faz parte de uma coletividade ganha uma segunda família. Embora passem por algumas dificuldades, a união continua a imperar». Segundo este responsável, «as coletividades são importantes pilares das comunidades em que se inserem. Sem elas muitas pessoas não teriam oportunidade de vivenciar determinadas experiências».

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Pedro Franco recorda aos poderes públicos que, «para além do espírito de grupo, as coletividades são também veículos de cultura e levam os costumes e as tradições portuguesas além-fronteiras. Um bom exemplo disso são os Ranchos Folclóricos das Casas Regionais sediadas em Lisboa que, nas últimas décadas, efetuaram imensas deslocações ao estrangeiro para mostrar a cultura da cidade».

Formação de dirigentes

 A questão dos apoios levanta uma outra questão: A necessidade de as coletividades apostarem na formação dos seus dirigentes, porque hoje, mais do que nunca, «a importância da formação profissional foi tão evidente como nos tempos atuais». Na perspetiva deste responsável associativo, «muitas coletividades não concorreram aos apoios financeiros disponibilizados pelo Estado, por desconhecimento e, também, por não saberem preencher os requisitos necessários às candidaturas».

Contudo, ter dirigentes mais bem preparados implica, como o próprio reconhece, uma forte aposta na capacitação e no investimento em áreas de formação tradicionais das coletividades, designadamente cultura associativa, gestão e legislação.

Para que isso seja uma realidade, Pedro Franco considera necessário a implementação de novas ações, quer através da celebração de vários protocolos com autarquias e a realização de cursos que valorizem o estatuto do dirigente associativo voluntário.

 Marchas regressam à Avenida

Por outro lado, e apesar de ainda não ser a altura para se pensar em festas, porque a pandemia ainda «aí está», Pedro Franco admite que, em 2022, as festas de Lisboa regressem em força à capital. Assim, a pandemia o permita, porque este evento sem a «componente popular e participativa do povo não faz sentido».

No entendimento de Pedro Franco, que está convencido da realização das marchas populares em 2022, «as coisas não se fazem porque tem de se fazer, as coisas fazem-se desde que haja condições para se fazer de acordo com aquilo que é a estrutura do evento».

Pedro Franco recorda: quando a Câmara Municipal de Lisboa anunciou, em 2020, que não haveria a edição das Festas Populares desse ano e, consequentemente, do concurso das marchas populares, isso não significou a interrupção das atividades daqueles que fazem parte desses grupos.

«Como tudo mais, as comunidades das marchas continuaram a reinventar-se e a adaptar-se. A pandemia de covid-19 não parou as marchas populares de Lisboa», afirma, defendendo que não se pode reduzir as coletividades às marchas populares: «Temos as componentes social, cultural, recreativa e desportiva. É um trabalho enorme», que se engrossa em alturas vulneráveis como esta, explica, salvaguardando a importância económica, social e cultural das festas de Lisboa e das suas marchas populares.

De acordo com o líder das coletividades de Lisboa, foi importante para a sobrevivência das associações os apoios concedidos pelo município, lembrando que foi com alguma «surpresa» que receberam o anúncio do apoio de 15 mil euros,  depois de terem recebido 7.500 euros em 2019 «para colmatar as despesas».

Estes apoios representaram um «balão de oxigénio» para as coletividades que «estavam com a corda na garganta». «Não estávamos à espera. Para nós foram muito bem-vindos esses valores, porque independentemente de aplicados seja onde for, ao fim ao cabo, ajudaram um bocado à gestão das coletividades», assegurou.

Tudo preparado para o desfile

Segundo Pedro Franco, «as coletividades estão preparadas para saírem para a rua com as suas marchas. É só ativá-las!», adiantando que as músicas e as coreografias estão prontas há dois anos». Contudo, pelo sim pelo não, alerta para a necessidade de se realizarem «algumas afinações» no Regulamento das Marchas Populares de Lisboa.

Na perspetiva deste responsável, o regulamento deve ser «limado», nomeadamente em termos de votação do presidente do júri que, por inerência do cargo, tem sido o presidente da ACCL. Os outros «acertos» que o regulamento necessita tem de ser feitos «pelas coletividades, em cooperação com a Câmara Municipal».

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